"Seis dias de guerra", por Michael B. Oren

sábado, fevereiro 17, 2024 Sidney Puterman


A guerra estava chegando em Israel. 

"Por todo o país, milhares de pessoas ocupavam-se em cavar trincheiras, construir abrigos e encher sacos de areia num ritmo febril. Em Jerusalém, faziam-se exercícios diários de proteção contra ataques aéreos em escolas adaptadas para servirem de abrigo. Promoveu-se uma campanha emergencial de coleta de sangue e encomendaram-se unidades extras de plasma no exterior. Criaram-se comitês para reunir víveres essenciais, para substituir trabalhadores convocados para a frente de guerra e para evacuar crianças. Prepararam-se 14 mil leitos hospitalares e estocaram-se antídotos para vítimas de gás venenoso. Cavaram-se cerca de 10 mil sepulturas".

As ameaças constantes aguçaram o sentido de urgência dos judeus. O Egito vinha há semanas em preparação ostensiva para atacar Israel. Suas tropas estavam mobilizadas nas fronteiras, em zonas pretensamente desmilitarizadas. Vôos egípcios de reconhecimento sobre instalações estratégicas israelenses alarmaram o governo. Os países árabes se organizavam para um ataque conjunto.

Era junho de 1967. Shukayri, presidente da OLP, exultava. "Destruiremos Israel e seus habitantes!"

O rei Hussein da Jordânia foi ao Cairo celebrar o acordo militar com o presidente Gamal Abdel Nasser. Ao retornar à Aman, declarou que "todos os exércitos árabes cercam Israel agora". Confiante, exaltou a união de "Síria, Jordânia, Iraque, República Árabe Unida, Iêmen, Líbano, Argélia, Sudão e Kuwait... não existe diferença entre um e outro povo árabe, entre um e outro exército árabe".

Os números eram mesmo portentosos. Do Iraque viriam quatro brigadas e dezoito caças. A Jordânia entraria com onze brigadas, 56 mil homens, 270 tanques Centurions e Pattons e vinte e quatro caças Hawker Hunter. A Síria já tinha em posição 50 mil soldados e 260 tanques. Todos estes exércitos estavam coordenados com os 130 mil soldados, 900 tanques e 1.100 peças de artilharia egípcia para o que Nasser chamou de "a operação que surpreenderá o mundo".

As ruas poeirentas do mundo árabe estavam em polvorosa. Era como se estivessem na véspera de uma grande final de Copa do Mundo. A capital do Egito, destaca Oren, "estava enfeitada com cartazes que representavam soldados árabes atirando, esmagando, estrangulando e trucidando judeus barbados e de nariz adunco".

A Rádio Cairo, estatal egípcia atentamente ouvida em todos os países árabes (era como uma Al-Jazeera da época), inflamava sua enorme audiência. Irradiava como se fosse uma animadora de torcida: "O Golfo de Aqaba é árabe, árabe, árabe". Empolgada, ameaçava não só os israelenses, como "falava" com os Estados Unidos: "Milhões de árabes estão se preparando para explodir todas as instalações americanas, toda a sua existência, América".

Assim, embora ninguém soubesse exatamente quando, a partida que ainda estava por começar já tinha o seu resultado assegurado (na visão entusiasmada das massas do Egito, da Síria e da Jordânia). Já o populacho não discernia o que era bravata e o que era capacidade militar.

É esta a história que o diplomata e historiador Michael B. Oren, nascido em Nova Jersey, nos traz. Para nos fazer entender os desdobramentos, ele volta alguns anos no tempo e destrincha meticulosamente, em cada um dos países protagonistas e periféricos, os acontecimentos que levaram à guerra.

Eu não vou contar essa história. Quero dizer, as movimentações táticas, os ataques, as estratégias. Quem quiser conhecê-las que leia o livro. Que não é só é muito bom, como busca dar a visão de ambos os extremos do confronto - incluindo as superpotências da Guerra Fria, EUA e URSS.

Quero me ater mais às narrativas. As elaboradas antes, durante e depois do conflito.

Como todo mundo sabe, aquilo lá sempre foi um barracão prestes a explodir os 365 dias do ano. E - poucos anos antes da guerra que é tema do livro - houve um dia em que os árabes se depararam com um problema novo. Israel vinha desenvolvendo tecnologia para irrigar o deserto de Negev.

O Negev sempre foi uma área imprestável para a ocupação humana. Se os israelenses fossem bem sucedidos, pensaram, o deserto se tornaria perigosamente habitável. Era de fato uma área enorme no interior da Palestina. Caberiam ali até três milhões de pessoas. Ou seja, três milhões de judeus.

Estavam em 1964. Consternada, a Síria "clamou por uma 'guerra popular' para destruir a conspiração sionista". A Jordânia e a Arábia Saudita se alinharam com os sírios. O Egito não achava o momento adequado. Acreditava que precisariam se preparar. Cauteloso, o carismático presidente egípcio, Gamal Abdel Nasser,  promoveu uma conferência de cúpula dos Estados árabes.

A primeira ideia dos árabes foi desviar o Rio Jordão e impedir que a água do rio chegasse a Israel, frustrando os planos dos judeus. Julgaram que era também um momento potencialmente adequado para escalar o conflito.

"A conferência criou um Comando Árabe Unificado (CAU) para preparar uma campanha militar ofensiva", explica Oren, "para prover de material bélico a Jordânia, o Líbano e a Síria". O plano era colocar a "excelente força aérea do Iraque a serviço do CAU e estabeleceram-se as condições para travar a guerra: sigilo, unidade e preparação militar total". 

A guerra do extermínio de Israel, entretanto, ainda não estava pronta para ser deslanchada. Por motivos variados, que o autor esmiuça bem, tiveram que colocar o pé no freio. Nas duas cúpulas subsequentes, em Alexandria, em setembro daquele ano, e em Casablanca, Marrocos, um ano mais tarde, "ampliou-se o orçamento do CAU para quase US$ 600 milhões e traçaram-se planos para a 'eliminação da agressão israelense' em algum momento de 1967".

Nos primeiros meses de 1967, houve algumas escaramuças. Nada de sério. Afinal de contas, as fronteiras de Israel eram nitroglicerina pura. Os árabes se consideravam bem armados pelos soviéticos. Ainda que as lideranças de cada país tivessem dificuldades em se entender, a hora do ajuste de contas parecia chegar. Mas faltava a fagulha que acenderia o estopim. 

No entendimento do autor, o gatilho foi uma informação equivocada do serviço secreto russo, à feição para os sonhos de grandeza do presidente egípcio. Os soviéticos teriam identificado uma movimentação de tropas israelenses na fronteira com a Síria. Interpretaram como se fossem indícios de uma invasão do território sírio. Os israelenses negaram veementemente. Ainda assim, os russos comunicaram aos egípcios. Fosse ou não verdade, era uma versão conveniente.

Nasser, agora seguro quanto à preparação e ao armamento dos seus exércitos, julgou que por fogo no paiol, com uma intervenção egípcia em favor dos sírios, contribuiria para o seu protagonismo na política árabe.

Com isso em mente, autorizou fossem postos em prática os planos militares para a invasão de Israel. Determinou a expulsão das forças da UNEF (uma força internacional estacionada no Sinai, evitando choques de fronteira entre Egito e Israel). Enviou milhares de soldados para a fronteira. Fez vôos de reconhecimento sobre o território de Israel. Fechou os Estreitos de Tiran, impedindo o tráfego dos navios comerciais israelenses.

Articulou com os governos da Síria, Jordânia e Iraque. Pediu suporte militar ao governo russo. Rechaçou tentativas norte-americanas que buscavam evitar o conflito. Mandou ultimatos a Tel Aviv. Surgiram dúvidas quanto à estratégia de Nasser. Seria jogo de cena? Ele fazia tudo à luz do dia. 

Os judeus estavam na expectativa de uma intervenção dos Estados Unidos que dissuadisse os árabes. Ou que conseguissem persuadir os russos a dissuadirem os árabes. Em vão. Diante da escalada diária das perspectivas de guerra, Israel se mobilizou - como vimos no primeiro parágrafo desse post. 

A guerra estava chegando em Israel.

As forças armadas de cada país estavam organizadas nas fronteiras, como pistoleiros se encarando, para ver quem sacaria primeiro. Neste caso, a todos convinha a desculpa da auto-defesa. Principalmente porque se sentiam ameaçados pela pressão das duas superpotências, às quais não interessava a guerra no Oriente Médio, e ambas prometiam pesadas sanções a quem se atrevesse. Questões políticas internas pesavam em ambos os lados.

Nesta encarada tensa, o Estado de Israel, cercado por todos os lados, acuado, decidiu atacar. Os Estados Unidos, que vinham cortando um dobrado para por panos quentes na situação, cansaram. O secretário de Estado norte-americano, Dean Rusk, perguntado se os Estados Unidos continuariam a conter Israel, respondeu: "Não acho que seja tarefa nossa conter ninguém".

A piaba ia cantar.

Às 8h15 da manhã do dia 5 de junho de 1967, hora do Egito, os pilotos egípcios já haviam feito suas patrulhas e tinham retornado às bases para o café da manhã. No ar, restaram quatro aviões de treinamento (nenhum deles armado).

O plano israelense exigia que doze esquadrões de diferentes bases se encontrassem silenciosamente sobre onze alvos situados a distâncias variando entre vinte e quarenta e cinco minutos de vôo. "Era de uma complexidade labiríntica e extremamente arriscado", considera Oren. "Todos os jatos do país, à exceção de doze, foram lançados no ataque - os aficcionados do futebol americano chamariam-no de 'Ave-Maria' - deixando os céus do país virtualmente indefesos".

A ofensiva de Israel teve início. Seus aviões entraram no espaço aéreo do Egito.

Após duas horas de sucessivos e coordenados ataques israelenses, o governo egípcio soltou um comunicado: "Com uma incursão aérea sobre o Cairo e por toda a RAU, Israel começou seu ataque às nove horas de hoje. Nossos aviões lutaram e repeliram o ataque".

Os jornalistas estrangeiros não tiveram permissão de se aproximar da linha de frente e as linhas telefônicas internacionais foram cortadas. "Por toda a capital os cidadãos comemoravam. 'As ruas transbordavam de manifestantes', relembrou Eric Roleau, correspondente do Le Monde no Oriente Médio. 'Canhões antiaéreos atiravam. Centenas de milhares de pessoas entoavam 'Abaixo Israel! Nós venceremos a guerra!"

O historiador reproduz o noticiário árabe do dia. "Os relatos do contra-ataque eram animadores. Um total de 86 aviões inimigos teria sido derrubado, incluindo um bombardeiro americano. As perdas egípcias registradas eram de dois aparelhos."

Segundo o embaixador americano no Cairo, "as notícias causaram muito alvoroço e aplausos, com a rádio tocando canções patrióticas, intercaladas com chamados de retorno à Palestina e reencontro em Tel Aviv".

As boas novas não se restringiam à mídia oficial. O Ministro da Defesa do Egito, Abdel Hakim Amer, telegrafou para seu congênere jordaniano, informando que "a despeito do ataque de surpresa, os israelenses perderam 75% de seu poderio aéreo". Complementou que "o exército egípcio estava contragolpeando e preparando uma ofensiva desde o Sinai".

A Força Aérea Egípcia informou às 10h da manhã "ter derrubado 161 bombardeiros israelenses". Os números eram tão estupendos que "Nasser ficou desconfiado" dos seus próprios militares. "As multidões celebravam, cantando, dançando e aplaudindo as notícias dadas de hora em hora", rememorou muito tempo depois Anwar Sadat.

A Rádio Cairo alardeava: "Nossos aviões e nossos mísseis estão neste momento bombardeando todas as cidades e povoados de Israel". A emissora convocava "todos os árabes a vingarem a dignidade perdida em 1948, atravessando a linha do Armistício até o covil da gangue, Tel Aviv".

Um pouco antes, às 9h30, o presidente do Egito telefonara para o Rei da Jordânia, Hussein, relatando as pesadas perdas israelenses e a destruição das bases aéreas de Israel. Nasser exortou o rei a "tomar posse rapidamente da maior quantidade possível de território para estar à frente do cessar-fogo das Nações Unidas".

Embora a última coisa que Israel quisesse naquele momento fosse envolver uma segunda frente na guerra (com a proibição expressa do ministro da Defesa de Israel, Moshe Dayan, de não responder a nenhuma provocação jordaniana na fronteira), o rei Hussein se pronunciou na Radio Aman que "a Jordânia fora atacada e que a hora da vingança havia chegado".

Ao mesmo tempo, o governo do Iraque assegurou à Jordânia que os aviões iraquianos "já estavam em ação contra Israel". Ainda que Israel não houvesse dado um único passo em direção ao território do país, o rei deu o comando para bombardear os judeus. "Eles começaram a batalha", mentiu. "Agora estão recebendo a resposta pelo ar. A sorte está lançada."

Na Síria também havia euforia. A Rádio Damasco trombeteou que "a força aérea síria começou a bombardear as cidades israelenses e destruir suas posições". O embaixador soviético na Jordânia celebrou. "Nossa expectativa é a de que os árabes vencerão a guerra se lhes for permitido travá-la até o fim".

Seguindo as ordens expressas de Moshe Dayan, as FDI permaneciam impassíveis. Mas a situação mudou quando morteiros da Legião Árabe estacionada na Jordânia lançaram as primeiras seis mil bombas sobre a Jerusalém judaica. Segundo Oren, o rei Hussein "assistiu ao ataque em seu jardim, onde seus filhos pequenos vibraram com o estrondo das bombas".

As bombas, entretanto, já eram retaliação israelense. O conselheiro real, Wasfi- al-Tall, que desde o início se opusera à aliança da Jordânia com o Egito, previa que a situação não ia acabar bem para os jordanianos. Mandou a real para o rei. "Perdemos tudo o que Vossa Majestade construiu ao longo do seu governo!" Se virou então para o líder da OLP, defensor dos egípcios, e cobrou: "E onde está a força aérea egípcia? Onde estão seus MiG, seus mísseis?"

O desespero do conselheiro não era compartilhado pelo primeiro-ministro Jum'a, que fez um pronunciamento pelo rádio: "Hoje estamos vivendo as horas mais sagradas de nossas vidas. Unidos a todos os demais exércitos da nação árabe, lutamos a guerra da honra e do heroísmo contra nosso inimigo comum. Esperamos anos por essa batalha para apagar a mancha do passado".

Os alto-falantes de Jerusalém eram mais contundentes e exortavam os fiéis a "pegar em armas para recuperar seu país roubado pelos judeus". O correspondente da Lif, registrou os árabes "comemorando a queda do Palácio do Governo aos gritos de 'Amanhã tomaremos Tel Aviv!"

O presidente da Síria, Nureddin al-Atassi, também fazia coro às exortações. "Decidimos que esta seria a batalha da nossa libertação final do imperialismo e do sionismo", declarou. "Nos encontraremos em Tel Aviv", afirmou. Mais um a marcar encontro na capital israelense. Haja gente.

O exército jordaniano pediu cobertura aérea à Síria. O general Fawzi assegurou que "os aviões sírios atacariam as forças israelenses na área de Jenin ao raiar do dia seguinte". 

O comandante sírio Hafez al-Assad reportou uma vitória avassaladora. Assegurou que "nossas forças realizaram um pesado bombardeio contra o inimigo em todo o setor norte", completando que "o inimigo perdeu a maior parte do seu poderio aéreo".

Na verdade, como relata Michael Oren, restava à Síria pouca força aérea. "Dois terços dela - dois bombardeiros Ilyushin-28, 32 MiG-21, 23 MiG-17 e três helicópteros - haviam sido eliminados em oitenta e duas surtidas diurnas realizadas pela FAI contra as bases aéres de Dmair, Damasco, Saiqal, Marj Rial e T4. A base iraquiana de H-3 foi também atingida e dez de seus aviões destruídos".

Ao contrário da disléxica e mal intencionada narrativa árabe, ao longo do primeiro dia da guerra Israel trucidou a força aérea egípcia, síria e iraquiana. Enquanto suas forças eram derretidas, os líderes e a mídia dos três países e mais a Jordânia permaneciam divulgando o triunfo árabe e o aniquilamento do inimigo judeu. Não só este discurso era levado à população dos seus países, mas eram também os informes trocados entre as lideranças políticas e militares.

Os maiorais da cúpula árabe asseguravam aos seus colegas árabes que estavam, cada um deles, esmagando os judeus. Mas, no campo de batalha, a história era outra. E nem Nasser e nem Hussein "estavam a par da situação periclitante dos seus exércitos". Os ministros da Defesa de ambos os países simplesmente mentiram para os seus próprios superiores. 

"Os órgãos de segurança egípcios, rádio e imprensa, continuavam a alardear vitórias extraordinárias, e os comunicados jordanianos diziam que as forças israelenses haviam sido repelidas em Jerusalém e Jenin e trinta e um de seus aviões abatidos".

"Os oficiais de Nasser tinham medo de colocá-lo a par, ao passo que os de Hussein,  carentes de comunicação com o campo, nada sabiam. Ninguém acreditaria facilmente que a aviação egípcia, o coração do esforço de guerra árabe, fora aniquilada em questão de horas e nem que os tanques israelenses avançavam em duas frentes enquanto os sírios permaneciam inertes".

Só quando Nasser foi até o Alto Comando é que ele tomou ciência do que estava acontecendo. "Lá encontrou uma enorme balbúrdia. 'Amer, bêbado ou drogado, ou as duas coisas, estava berrando ao telefone". Primeiro mandou atacar, e em seguida mandou recuar. Na verdade, os egípcios não sabiam o que fazer.

Ou melhor, sabiam sim. Diante da catástrofe militar, rapidamente a narrativa adotada pelo Egito e demais países árabes foi a de alardear uma suposta participação norte-americana na guerra. "Nasser e 'Amer concordaram em sustentar a ficção do envolvimento anglo-americano direto na guerra, tanto para minimizar a desonra do Egito quanto para incitar os soviéticos a intervirem".

A emissora do Estado, a Rádio Cairo, às 18h05 endossou o estratagema e irradiou: "Os Estados Unidos são o inimigo. Os Estados Unidos são a força hostil por trás de Israel. Os Estados Unidos, ó árabes, são o inimigo de todos os povos, os assassinos da vida, os que fazem correr sangue, os que os impedem de liquidar Israel".

Estavam ainda no primeiro dia da guerra. Mal tinham completado dez horas desde o primeiro ataque. Depois de passar o dia divulgando a destruição de Israel pelas forças egípcias e aliadas, a transmissão agora denunciava os americanos como os grandes agressores. O populacho se exaltou.

"A começar por Beirute, todas as embaixadas e consulados dos Estados Unidos no mundo árabe foram atacados por turbas enfurecidas". 

Na verdade, os Estados Unidos estavam totalmente fora do conflito - militar (por ausência) e diplomaticamente (por incompetência). Mas o povo árabe acreditava piamente que os americanos estavam por trás dos israelenses.

Os países aliados, entretanto, já começavam a desmontar do cavalo. O chefe da Inteligência militar jordaniana, general Ibrahim Ayyub, convocou seu Estado Maior às 19h. "Acabo de receber a informação de que 90% da força áerea egípcia foi destruída no solo por Israel."

Embora Jordânia e Síria ainda fossem cumprir um papel (acanhado) no cenário de guerra, o Egito, a maior das forças da região e aquele que insuflou o conflito, chegou ao fim do primeiro dia de combate já totalmente estropiado. E as coisas ainda iriam piorar no campo de batalha. As forças egípcias fizeram uma das mais confusas retiradas da história das guerras.

Quanto à retirada, 'Amer justificaria mais tarde a sua decisão citando o colapso da força aérea egípcia e a queda da primeira linha de defesa: "A retirada era a única forma que eu tinha de impedir a total destruição e o aprisionamento do exército". No entendimento de Oren, porém, esses foram exatamente "o resultado de sua ordem de mandar um vasto exército reunido em mais de vinte e quatro dias se retirar em menos de vinte e quatro horas".

"O relacionamento misterioso entre Nasser e 'Amer traduzira-se em anarquia no campo de batalha", enfatiza o historiador. "Talvez acreditassem que seria possível reviver o mito de 1956, salvar as aparências apresentando a retirada como uma manobra tática imposta pela esmagadora superioridade do imperialismo". Ou, então, "talvez esperassem que um recuo tão dramático aos braços soviéticos obrigariam-nos a interceder. Mas a questão de por que a ordem foi dada e por quem, se Nasser ou 'Amer, permanece em discussão. O exército egípcio estava fugindo".

Porque, recapitulando, foi isto o que aconteceu: durante mais de três semanas os egípcios se acumularam na fronteira para atacar os israelenses. Aterrorizados e sem saber quando os egípcios iriam atacar, os israelenses se lançaram em um ataque súbito; o ataque foi espetacularmente bem-sucedido; e aí o exército egípcio, em vez de se reposicionar para conter a ofensiva israelense, danou de correr de volta para o Egito, largando veículos e armamento, com os judeus em seu encalço.

Era o caos no deserto.

No gabinete das lideranças árabes, porém, uma contra-ofensiva estava sendo montada. Não para aplicação no teatro de guerra, mas para o palco das narrativas. Frente à derrocada após míseras dez horas de confronto, Nasser já discursava que não fora Israel quem derrotara o Egito - e sim os Estados Unidos e a Inglaterra, juntos.

Na ONU o que havia era um barata-voa. Diante das versões conflitantes e contraditórias, os representantes de cada país envolvido entravam e saíam do plenário. Os americanos queriam um cessar-fogo imediato; os israelenses, em vantagem, queriam adiar o cessar-fogo; os egípcios, crentes que os soviéticos viriam em seu socorro, não queriam o cessar-fogo.

Diante da hesitação do representante do Egito, El Kony, o representante de Israel, Goldberg, ironizou. "Parece que os árabes sempre concordam tarde demais com as resoluções da véspera".

No outro lado do oceano, bem mais ao sul de Nova York, o povo local começava a tomar pé da situação. "Os egípcios estavam arrasados", comenta o historiador. "Durante todo o dia eles ouviram relatos arrebatadores das vitórias árabes".

A Rádio Cairo insistia em informar que o exército egípcio "varrera os ataques israelenses a Kuntilla e a Khan Yunis e estava penetrando o território inimigo".

Manifestações de apoio ao Egito choviam em todo o mundo. "Estamos extremamente indignados com a ação dos reacionários israelenses, agentes do imperialismo americano e britânico", escreveu o líder comuista vietnamita Ho Chi Min. Uma declaração oficial soviético proclamava "total confiança" na "luta justa" dos árabes "contra o imperialismo e o sionismo".

Os egípcios, além de atribuir aos americanos e ingleses o ataque, acusaram a União Soviética de fornecer "armas defeituosas" ao Egito. A URSS retrucou: "As armas que fornecemos aos vietnamitas  têm se revelado seguramente superiores às americanas".

A Rádio Damasco embarcou na nova narrativa. "Bombardeiros britânicos, decolando em ondas incessantes dede Chipre, estão ajudando e abastecendo Israel, e atacando nossas posições avançadas".

Nasser bradava que os judeus pilotavam caças ianques com mapas da CIA, segundo "confissões de pilotos abatidos". Soltou um comunicado esbravejando que "convocou as massas árabes a liquidar todos os interesses imperialistas". Rompeu relações com os Estados Unidos, no que foi rapidamente seguido por outros seis Estados árabes (Síria, Sudão, Argélia, Iraque, Mauritânia e Iêmen). Liderou um movimento de expulsão dos embaixadores norte-americanos e ingleses dos países árabes.

A Rádio Argel proclamou que "a América é agora o inimigo número 1 dos árabes", complementando que "a presença norte-americana deve ser varrida da pátria árabe".

A Rádio Aman afirmou que três porta-aviões americanos estavam operando no litoral de Israel (na verdade, um navio norte-americano, o Liberty, estava inadvertidamente próximo, e foi atacado pela força aérea israelense, matando mais de cem americanos, em um dos mais graves acidentes diplomáticos da década).

Ou seja, não só não havia apoio dos EUA, como seu único navio na região foi destroçado por aquele que foi acusado de ser seu mero fantoche, Israel.

Que situação.

O presidente egípcio ligou do Cairo para o rei jordaniano, usando uma linha civil não codificada. A conversa foi gravada pela inteligência israelense e amplamente divulgada.

"Diremos que os Estados Unidos e a Grã Bretanha estão atacando ou somente os Estados Unidos?", perguntou Nasser. Hussein respondeu que ambos. "Por Deus!", Nasser exclamou, animado. "Eu faço um pronunciamento, o senhor faz um pronunciamento e tentamos convencer os sírios a também fazerem um pronunciamento, dizendo que aviões americanos e britânicos estão agindo contra nós a partir de porta-aviões".

No mesmo diapasão ufanista, Nasser encerrou. "Nossos aviões estão atacando as bases aéreas israelenses desde de manhã."

Mas se a alegação de conspiração ocidental para ajudar Israel ajudou o rei a aplacar os palestinos, não alterou a sua situação periclitante. Ele já tinha apelado pela ajuda das forças sírias e sauditas estacionadas na fronteira, em vão. Deram como desculpa "falta de ordens". Os iraquianos ao menos mandaram uma brigada cruzar uma ponte - a Damyia -, mas foram dizimados pela FAI.

Oren conta que "exasperado, o rei saiu do quartel-general, pediu um jipe e desceu correndo para o Vale do Jordão". Ao chegar lá, murmurou: "Jamais vou esquecer essa alucinante visão da derrota". O que ele tinha à frente eram "estradas atulhadas de caminhões, jipes e veículos de todo o tipo amassados, retorcidos".

Estavam apenas no segundo dia da guerra. Israel procurava estabilizar o front e, doravante, manter os territórios ocupados durante as horas de guerra. Os árabes queriam salvar as aparências. 

Apesar de todo o jogo de cena, de todos os "encontros" marcados em Tel Aviv, ao fim deste dia, em uma mensagem ao rei da Jordânia, Nasser reconhecia o fiasco. " Nesse exato momento nossa frente está se desintegrando", escreveu. "Ontem a força aérea do nosso inimigo nos infligiu um golpe mortal. Desde então nossas forças terrestres têm estado privadas de apoio aéreo e obrigadas a resistir ao poder de forças superiores", admitiu. 

Em seguida, comunicou o recuo, a evacuação e a expectativa por um cessar-fogo.

Com menos de 48 horas de um combate que duraria ainda mais quatro dias - apenas -, os países que passaram os últimos anos escalando a guerra e prometendo a extinção do Estado de Israel capitulavam. Os dias seguintes ainda teriam intensa atividade militar, política e diplomática; mas as consequências da guerra já estavam todas rascunhadas.

Ninguém ali era inocente. Se fossem, não teriam chegado às posições que ocupavam. Nasser queria assumir a liderança do mundo árabe. Hussein queria fortalecer sua posição na Jordânia. A Síria queria abocanhar novamente um pedaço da Palestina. Todos queriam se ver livres dos refugiados palestinos.

Para seus projetos pessoais de poder, Israel era um pretexto conveniente.

A mesma Israel que, antes amedrontada, ao atacar e estraçalhar seus inimigos quis pegar o máximo das terras que invadira. E não parou por aí. Nos dias seguintes, avançou pelo Sinai, ocupou Jerusalém e diversas outras cidades da Cisjordânia, invadiu as colinas de Golan.

O mapa geopolítico do Oriente Médio fora redesenhado em algumas dezenas de horas.

Um novo capítulo do conflito árabe-israelense estava por se desenrolar. A manutenção das terras conquistadas ao Egito, à Jordânia, ao Líbano e à Síria se tornaria o pivô da nova etapa (não que a extinção sumária de Israel tivesse saído de pauta) bélica da região.

O cenário desaguaria na Guerra do Yom Kippur, em 1973, quando uma coalizão árabe avançaria contra Israel. A intenção era não só retomar as terras, mas recuperar a honra perdida. Uma retaliação contra os judeus era fundamental para o resgate da narrativa.

Mas aí já é outra história.

Bertrand Brasil,  529 páginas | 1a edição, 2004 | Copyright 2002 |  Tradução Pedro Jorgensen Jr

Título original: "Six Days of War"

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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