"Tudo o que vi e vivi", por Rosane Malta

quarta-feira, janeiro 06, 2016 Sidney Puterman

Divertidaço. Nesses tempos de impeachment pra lá e pra cá, retornei ao primeiro deles, de Fernando Collor. Reli o livro-denúncia do irmão morto, Pedro Collor, publicado em 1992 (que comentei no último post de 2015) e, hospedado na praia, tentei a sorte com a pseudo-biografia da ex-primeira dama, bem viva. Rosane Malta é a prova de que quem conta a estória da própria vida pode se dar ao luxo de cometer uma versão absolutamente descolada da verdade e dos fatos. Fala o que quer, inventa o que convém, detona quem lhe incomoda e se vende como a última coca-cola do deserto. Antes de mais nada, urge esclarecer, para quem não sabe (ou não lembra): Rosane Malta é Rosane Collor. Ela era a jovem esposa do também jovem presidente do Brasil, Fernando Collor de Mello. O livro é uma espécie de conversa com a manicure, condenada a passar o dia escutando madame. Irrelevante e dispensada pelo marido (segundo ela mesma confessa, Collor não se separou da ex-esposa - simplesmente saiu de casa para uma viagem, não voltou e nunca mais se viram), nitidamente a ex-primeira-dama do país escreveu um livro para: 1) sair do ocaso e aparentar alguma importância;  2) falar mal de Thereza Collor, assunto pelo qual Rosane é ostensivamente obcecada. Sua estratégia contra a "rival" é a inversão dos pólos, atribuindo à esposa de Pedro uma paixão brega e melosa por Fernando. Cômico. Ingênuo. O marido que a abandonou é razoavelmente poupado no livro, embora haja menções como "uma vez ele bateu em um empregado nosso em Maceió porque o sujeito não trouxe o pão que ele queria" e ela deboche da valentia dele (e, por extensão, dos cariocas), dizendo que ele "queria dar uma de nordestino macho, mas era carioca". Sobre o relacionamento de Fernando com Pedro, afirma que o marido teria dito que "no dia em que meu irmão morrer, vou dar uma festa. Se não tiver dinheiro, peço emprestado". Segundo ela, Fernando também não perdoou o Sr. Diretas, Ulysses Guimarães. Ao saber da queda do helicóptero com o deputado, ele amaldiçoou o morto: "Fez mal pra mim e recebeu de volta." Relata ainda como os Collor (os irmãos Fernando e Leopoldo), no afã de atacarem o governo do PSDB, meteram os pés pelas mãos, caíram no conto do vigário e perderam uma fortuna (US$ 2.2 milhões), ao comprar o dossiê fajuto que incriminava FH e outros tucanos como proprietários de uma conta secreta nas Ilhas Cayman. Mal sabiam eles que o governo seguinte multiplicaria contas suspeitas como se fossem pães bíblicos. Por falar em contas no exterior, Rosane afirma que Fernando tinha contas na Suiça desde que era governador de Alagoas. Sobre a rotina do poderoso casal, esbanja falatório sobre seus gastos intermináveis ("nas viagens oficiais, não precisávamos gastar com passagens, hotéis e alimentação; obviamente, sobrava mais para as minhas comprinhas"), sua obsessão por dinheiro e pela ostentação, sua bisonha tentativa de persuasão de que era uma gestora competente (da LBA à OAM) e as sessões de magia negra promovidas por Collor na Casa da Dinda, com direito a bode morto e sangue de feto humano. Com generosidade, o livro é uma narrativa fútil, confusa e aborrecida, onde a autora, a despeito de ter sido primeira-dama, mais parece uma doméstica recalcada. Requer do leitor uma paciência de Jó, para engolir, sem vomitar, suas argumentações sem nexo e seu carnaval de abobrinhas. Desde o início, quando ela tenta nos convencer que sua família (coronéis do sertão que dominam a política local há mais de meio século, matando os adversários e deixando o povo no cabresto) é um grupo altruísta de filantropos, até o final, quando posa de vítima e boa-moça, Rosane caçoa do bom senso. Em suma, viajar na maionese é prato do dia para a moça nascida em Canapi. Abandonada pelo marido, que não deixou sequer um bilhete, e várias vezes enganada nas audiências sobre o divórcio (sessões às quais Collor jamais compareceu), Rosane não se dá conta do ridículo e enche a boca, nas derradeiras páginas: "Fernando não ama a atual mulher e ainda gosta de mim". Que dureza, ehm? Em resumo, e com boa-vontade, é um livro idiota, escrito por uma idiota, sobre seu casamento com um mau-caráter. Um livro divertido de tão ruim.

Editora LeYa, 222 páginas

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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