"General Osorio", por Francisco Doratioto

quinta-feira, dezembro 11, 2025 Sidney Puterman


Aposto que você não sabe patavinas sobre o General Osorio. Morto, o general não passa de um endereço: praça, rua, avenida etc. Vivo, ele, além de general, foi o Marechal Osorio, o Senador Osorio e o Marquês de Herval - uma vasta série de títulos, empoeirados, de um passado remoto.

Não conheço ninguém que saiba que esse cara foi o tal. Na boa, quem quer saber? 

Devíamos. Porque houve certos momentos na História do Brasil em que um sujeito, sozinho, fez diferença. É o caso dele. Osorio (isso mesmo, sem acento) foi para o Brasil, na Guerra do Paraguai, o que Garrincha foi para a Seleção nas Copas de 1958 e 1962. Era Osorio quem matava no peito, gingava, ia pra dentro do adversário e conquistava as vitórias.

Sem Mané dificilmente o Brasil teria conquistado as duas Copas. Nesse meu paralelo maluco, poderíamos dizer que Osorio foi o grande craque da guerra. Mesmo que, nas batalhas finais, estivesse sem conseguir andar, montar ou comer - já que sua mandíbula foi estourada por um petardo guarani - e que se resumisse a um espantalho pendurado à frente das tropas.

Para sabermos disso, dou todo o crédito à Francisco Doratioto. O autor, que já havia dissecado a Guerra do Paraguai, aproveitou o material obtido com as pesquisas que fez em seu seminal "Maldita Guerra", para escrever a biografia do maior protagonista brasileiro do confronto.

O historiador relata a origem humilde do gaúcho Manoel Luís Osorio e sua entrada para o exército com apenas 14 anos, em um cerco a Montevidéu (besteira pouca, cercar uruguaio). Na verdade, ele sequer queria ser militar - foi por forçação de barra do pai, o Major Osorio, um ex-peão de fazenda que ascendeu no Exército Imperial, força que era uma mistura de gringos e portugueses.

Nesta e em seguidas circunstâncias o garoto se viu em meio ao tiroteio. Osorio foi literalmente forjado no fogo, na fronteira mais incandescente do país, na divisa do Rio Grande com o Uruguai.

Doratioto então nos oferece um painel sintético da política sul-americana do período, com destaque para o Rio Grande e seus vizinhos hispânicos, sempre em ebulição (seja nas disputas intestinas, seja no acima referido confronto com os rivais fronteiriços).

Fala também da política imperial: afinal de contas, Osorio nasceu no Brasil Colônia, em 10 de maio de 1810, e se alistou para defender um Brasil recém-independente, com vínculos ainda umbelicais com Portugal e com um Imperador que logo iria abandonar o país.

Osorio tomou parte na Guerra Cisplatina - na qual a ex-Província Cisplatina brasileira se tornou um país estrangeiro soberano, o Uruguai - e também na longa revolução civil gaúcha que foi a Revolução Farroupilha, onde lutou contra os rebelados (na maioria, seus próprios ex-companheiros do confronto anterior com os uruguaios).

Um sinal de como era tudo embaralhado naqueles rincões, Osorio, assim que pôde, juntou um pecúlio, que usou para comprar uma estância... no Uruguai! Ou seja, ele era um gaúcho que defendia o Império dos farroupilhas, que lutavam pelo separatismo; era um militar brasileiro, volta e meia peleando contra militares e bandidos uruguaios; mas era também um estancieiro uruguaio.

Voltando à sua adolescência, Osorio saiu da guerra contra os uruguaios promovido a tenente, com meros 17 anos. O soldo, porém, era baixo, e não dava para ter uma vida estável com o dinheiro pago pelo Império. Por isso, até o fim da vida, nunca quis que seus filhos entrassem para o Exército.

O roubo de gado era uma constante na região. Perseguindo bandidos, Osorio matou alguns deles no lado uruguaio, o que lhe valeu uma cana de onze meses. O pior é que caiu em desgraça e demorou mais de dez anos para conseguir uma nova promoção nas forças armadas.

É durante a Revolução Farroupilha que Osorio mais se destaca, defendendo a monarquia e a integridade do território brasileiro (que Bento Gonçalves, cercando Porto Alegre, e Seiva Netto teimam em dividir, proclamando a República Rio Grandense).

Osorio, na verdade, a princípio entrou nessa briga ao lado dos farroupilhas. Bento Gonçalves fora seu superior. Mas sua adesão era mais por ver a província mal administrada, e não por ser republicano. 

Seu pai, monarquista, ficou possesso. Escreveu para o filho, alertando-o que lutariam um contra o outro. Tudo somado, filho leal, bom cidadão, Osorio mudou de lado - ou permaneceu onde estivera antes, uma espada a serviço do Imperador.

Sua atuação no conflito foi decisiva para cair nas graças de Caxias e do governo imperial. A partir daí, as promoções se sucederam. Foi a capitão (antes pediu reforma do Exército, o que não foi aceito), depois a major e a tenente-coronel. O Imperador, grato, faz dele Cavaleiro da Ordem.

Seu prestígio cresce. Tanto que, quando D. Pedro II e Teresa Cristina visitam o Rio Grande do Sul, onde ficaram por cinco meses, coube a Osorio a missão de guarda-costas do casal.

Suas funções se diversificam. Com ótimo trânsito entre os países vizinhos, é designado para missão de "espionagem" em Corrientes e Entre Rios. Recebe 700 contos de réis para subsidiar sua viagem. Faz o serviço e devolve 503 contos de réis à Coroa. Pois é. Osorio era diferente.

Osorio se torna mais útil e relevante com o acirramento das guerras platinas. Os principais caudilhos da época - Rosas, Urquiza e Uribe - disputam o controle de Uruguai e Argentina. O Brasil, parte interessada no conflito, se une aos uruguaios, correntinos e entrerrienses e derrota Rosas na Batalha de Monte Caseros. Osorio entra marchando em Buenos Aires e é promovido a coronel.

Alguns anos depois, após umas picuinhas políticas, Osorio é alçado a "Brigadeiro", o equivalente hoje ao "General". O contexto platino mudara (outra vez). A Argentina, pouco tempo antes adversária, era agora aliada - coisa rara entre brasileiros e argentinos, mesmo naquela época.

O Uruguai, dois parágrafos atrás aliado, era agora adversário - ou vítima, como queiram. O governo de Aguirre fazia ouvidos surdos aos protestos dos latifundiários brasileiros com terras no país, que vinham sofrendo roubos e violências. O Império resolveu proteger os brasileiros, e estacionou uma esquadra, sob o comando do almirante Tamandaré, em frente ao porto de Montevidéu.

O Paraguai estrilou. Seu caudilho, Solano Lopéz, reagiu ao cerco, declarando apoio ao governo blanco uruguaio. Aprisionou o navio mercante brasileiro Marquês de Olinda, que navegava próximo a Assunção, e ameaçou mandar seu exército à guerra (para que se tenha uma dimensão, as forças militares paraguaias dispunham de 77 mil homens, contra 18 mil de todo o exército brasileiro).

O Brasil ignorou Lopéz e apoiou a rebelião do colorado Venâncio Flores (seu ex-adversário na Guerra Cisplatina de 1825). Sob as ordens do Ministro da Guerra, Visconde de Beaurepaire-Rohan (quem?), Osorio assume o comando da 1a Divisão, invade o Uruguai e toma Paysandú, em dezembro de 1864.

(Parênteses. Tive que ir fuçar para saber quem foi esse tal de Beaurepaire-Rohan, do qual eu jamais tinha ouvido falar. Seu pai, Jacques Antoine Marc, foi um marechal-de-campo do exército francês perseguido por Napoleão, que fugiu para Portugal e veio para o Brasil com D. João VI, naquela mesma leva que trouxe os Taunay e os D'Escragnolle do meu amigo Dionísio. Fecha parentêses.)

O bagulho estava tão sinistro que, por precaução, Osorio, antes de invadir o Uruguai, mandou a esposa e os filhos saírem de Jaguarão e se refugiarem em Pelotas. Foi previdente. Os blancos uruguaios, com 1.500 soldados, efetivamente invadiram e saquearam a cidade brasileira.

A ausência de defesa nas fronteiras, naquele tempo, era uma festa.

Enquanto isso, Montevidéu estava sob sítio da esquadra brasileira, e Osorio marchou de Paysandú à capital uruguaia para fazer sua parte no cerco. O Império era arame liso: cercava, mas não machucava. Já Lopéz pagou para ver. Sob o pretexto de prestar solidariedade ao Uruguai, os paraguaios invadem o Mato Grosso, tomam o Forte Coimbra e saqueiam Corumbá.

Tinha sido dado o pontapé inicial na "Guerra do Paraguai". 

Ele não contava é que, naquele mês, com as eleições no Uruguai, o governo blanco seria substituído por um governo colorado. Viva a democracia. Saiu Aguirre e assumiu Villalba, que assinou um protocolo de paz com brasileiros e argentinos, evitando que o cerco redundasse em mortes desnecessárias de ambos os lados. Bom, né? que nada.

O imbroglio político era tal, que Paranhos, o diplomata brasileiro que fora enviado em substituição ao Conselheiro Saraiva, justamente para costurar uma saída diplomática para o impasse no Uruguai (e que assinou a paz), foi espezinhado e demitido pelo governo imperial. A questão era que a "honra brasileira" tinha sido ultrajada, com a nossa bandeira arrastada pelas ruas de Montevidéu, e que o tratado de paz não previa a punição dos autores. Sem comentários.

Osorio era agora o comandante do Exército brasileiro no Uruguai, substituindo seu desafeto Menna Barreto, que pedira para ser exonerado. A força, que contava com dez mil homens, logo subira para treze mil, mas a qualidade da tropa era "sofrível", com os cavalos em estado de miséria.

A situação era mais crítica ainda, porque tudo indicava que o Exército de Solano Lopéz estava a postos para invadir o Brasil, nas cercanias de São Borja, e o Exército brasileiro estava todo no Uruguai. Osorio escreveu ao ministro da Guerra, o Beaurepaire, alertando para o fato e pedindo providências.

Você fez alguma coisa? Pois é, o ministro da Guerra também não.

Antes de invadir o Brasil, Lopéz ocupou a cidade argentina de Corrientes, com um Exército de 22.000 paraguaios. Osorio foi a Buenos Aires, onde se reuniu com Bartolomeu Mitre, e depois, secretamente, com Urquiza, que não queria se comprometer contra os paraguaios. Depois que Osorio fez de Urquiza fornecedor exclusivo de cavalos para o Exército imperial, o uruguaio garantiu apoio.

(Foram milhares de cavalos comprados, por valor inflacionado, sem possibilidade de uso pelas forças brasileiras. Mas acabou com o estoque de cavalos argentinos à disposição dos paraguaios.)

Diante da agressão paraguaia, Brasil, Argentina e Uruguai assinaram o acordo da Tríplice Aliança, em 1o de maio de 1865. A sorte de Lopéz foi selada ali. Haveria dezenas de batalhas até que o paraguaio fosse enviado para o outro mundo, mas o conjunto de forças que pesariam contra ele era insuperável.

Em detrimento de Caxias, Osorio foi nomeado Comandante Efetivo do Exército Brasileiro na guerra contra o Paraguai. A indicação foi contestada, porque ele não possuía base acadêmica, nem grande lustro estratégico. Mas ninguém conhecia mais do que ele o combate, a região e o povo local.

Osorio era o cara certo, no lugar certo e na hora certa.

Coube a ele organizar o 1o Corpo do Exército, em boa parte formado por civis. Partindo de Salto, no Uruguai, "marchou quinhentos quilômetros pelo interior argentino até a fronteira com o Paraguai", explana Doratioto, que considerou o avanço "uma verdadeira epopeia feita por milhares de homens, cavalos, carroças com suprimentos e pesados armamentos puxados por animais em terreno sem estradas, cruzando pântanos, rios e riachos que não dispunham de pontes, durante o rigoroso inverno da região".

Em dias de grandes jogos no Maracanã, as ruas ao redor do estádio são interditadas. Uma das soluções para quem vem da Tijuca em direção ao Centro e Zona Sul é pegar a General Canabarro. A ruela, dividida ao meio por um calçadão arborizado, dá vazão ao trânsito. Pois é, era a ele, Canabarro, a quem estava confiada a defesa das fronteiras contra uma eventual invasão paraguaia. Foi um fiasco.

No dia 10 de junho, doze mil soldados paraguaios invadiram São Borja, e no início de agosto já ocupavam Uruguaiana. Se a tomada de Corumbá era incapaz de produzir resultados práticos, as cidades fronteiriças gaúchas eram outros quinhentos. O Paraguai estava duas jogadas à nossa frente nessa guerra.

E toma-lhe promoção. Em 24 de julho, Osorio foi promovido a marechal-de-campo. Com os aliados se aproximando de Corrientes, os paraguaios deram no pé, levando tudo o que fora saqueado.

É que o avanço, ousado, não tinha como se sustentar. Não havia linha de suprimento, disciplina ou comando. Apenas muita gente. E mesmo esta tal quantidade, bêbada, esfarelou.

A partir daí, a dinâmica da guerra se inverteria. Os Aliados é que invadiriam o Paraguai, em perseguição a Lopéz. Na lentidão de deslocamento de grandes forças que caracterizava a época, somente em abril do ano seguinte a ofensiva se concretizou, com o bombardeio de Ita Piru.

A decisão foi tomada no dia 10 de abril de 1866, quando os comandantes aliados se reuniram e definiram que a invasão se daria no Paso da Patria. "Osorio detestava participar de conselhos de guerra e neles costumava manter atitude modesta, justificando-a com a frase de Napoleão que, nas juntas de generais, prevalecia a opinião do mais fraco", destaca o biógrafo.

A única coisa que o marechal-de-campo brasileiro afirmou foi: "Qualquer que seja a decisão, o primeiro a pisar em território inimigo serei eu". E assim foi. Às nove da manhã do dia 16, na vanguarda do Exército, Osorio foi o primeiro a invadir o Paraguai. 

Foi criticado. Disseram que pusera em risco "as forças que comandava". O brasileiro rebateu: "Deram-me civis e não soldados para combater o inimigo. Eu precisava provar aos meus comandados que o seu general era capaz de ir até onde os mandava". A invasão foi um sucesso.

Se os pares criticaram, o chefão aprovou. Duas semanas depois, ao saber da performance do general na invasão, o Imperador D. Pedro II concedeu a ele o título de barão do Herval (na Monarquia brasileira a condição de nobre não era hereditária, mas obtida por mérito). O valente Osorio subia.

Com o Paso da Patria ocupado, os Aliados já estavam dando o Paraguai como favas contadas. Osorio pregara precaução, mas Flores, o general uruguaio, ignorou. Pra quê. Lopéz determinou uma contra-ofensiva surpresa, com quatro mil soldados atacando a vanguarda brasileira. Dois mil e quinhentos guaranis morreram na ação. Do lado aliado, mil e quinhentos.

E a ofensiva só fracassou porque Osorio, que almoçava com Bartolomeu Mitre em um navio na hora do ataque, largou o prato, organizou a tropa da retaguarda e partiu em socorro a Flores, sem sequer escovar os dentes. Foi seu apoio que levou o ataque paraguaio ao fracasso.

"Osorio conquistou a maior gloria desta jornada e todo o apreço do Exército argentino", escreveu o coronel argentino Emilio Conesa. O diplomata Almeida Rosa assinalou "que os sábios e literatos do Brasil e daqui não o valem". Dionísio Cerqueira, ao invés de elogiar Osorio, foi para o campo de batalha contar cabeças, como relata o historiador.

Encontrou "uma grande área com cadáveres mutilados, com cabeças decepadas presas ao tronco por músculos ensanguentados e outras rachadas ao meio, além de membros partidos e peitos esburacados". Como ressalta Doratioto, "era a imagem dantesca de uma época em que a guerra se travava corpo a corpo". Uma mutilação decorrente do uso maciço da espada, a arma da cavalaria contra a infantaria.

Poucas semanas depois teria lugar a Batalha de Tuiuti, o maior enfrentamento militar jamais ocorrido na América do Sul. Tuiuti, onde acamparam os aliados, era "um local seco, de apenas quatro quilômetros de comprimento por 2,4 km de largura, cercado por terreno inundado, o qual tinha juncos com mais de dois metros de altura, onde o inimigo podia esconder-se", esclarece o autor.

Essa área apetecível era cercada por pântanos, com passagens conhecidas somente pelos paraguaios. Para piorar, eles ergueram ali aquela que ficou conhecida como a "trincheira de Sauce", com três quilômetros de extensão, protegida por vinte canhões e fossos camuflados com estacas de madeira.

Conhecido o terreno, vamos aos times: 24 mil paraguaios atacando 32 mil aliados (sendo 21 mil brasileiros). Os paraguaios avançam a cavalo, destroçando a infantaria (nossos cavalos estavam mortos ou esgotados). Osorio, precavido semanas antes, dessa vez deu mole.

Os guaranis vieram jantando a brasileirada, dando um apavoro nas forças aliadas. O barata-voa foi contido, entretanto, pelo próprio Osorio, que, a cavalo, aos gritos de "Viva a nação brasileira" e "Viva o Imperador", evitou que a vanguarda recuasse e coordenou para que a retaguarda avançasse.

A peleja, que passou para a história como a Batalha de Tuiuti, teve a duração de um jogo de futebol americano, pouco mais de cinco horas. O campo ficou coberto por milhares de cadáveres, sendo seis mil paraguaios e mil aliados. Foram ainda sete mil paraguaios feridos e três mil aliados postos fora de combate. Os seja, Lopéz perdeu treze mil homens e a Aliança perdeu quatro mil.

"A ferocidade com que a batalha de Tuiuti foi travada pelas duas partes e as perdas humanas impactaram Osorio", escreveu Doratioto. "No dia seguinte ao da batalha, Silveira da Motta encontrou o general, que estava com a aparência de um 'esquálido fantasma', mal se reconhecendo nele o guerreiro cheio de energia da véspera".

Os aliados não tiveram forças para perseguir os paraguaios em fuga. Osorio, ao saber do número de mortos, se disse envergonhado. Posteriormente, perguntado sobre o que sentia ao entrar em batalha, respondeu que "ao avistar o inimigo, entusiasmo; ao primeiro choque medo e ao derrotá-lo pena".

Aos 58 anos, o general Osorio sentiu o esforço da campanha. Pediu para ser substituído. Estava tão doente e inchado que não podia andar a pé ou montar a cavalo. Francisco Otaviano (que viraria a última rua da praia de Copacabana) ainda tentou demovê-lo, em vão. Para seu lugar foi nomeado o General Polidoro.

A sua ausência era temida, pois Osorio era o principal elo com as lideranças argentina e uruguaia. Ainda em Corrientes, foi "inspecionado por três médicos da Marinha imperial e Tamandaré comunicou ao governo que o estado de saúde do general 'foi julgado gravíssimo".

Osorio partiu para o Rio Grande em 20 de julho de 1866. "Partia após ter organizado e treinado o Exército que invadiu o Paraguai e desempenhou papel decisivo na destruição da capacidade ofensiva paraguaia, com a vitória em Tuiuti", Doratioto deixa claro. "Após essa batalha, Francisco Solano Lopéz tinha condição de defender-se mas não mais de se impor ao Exército aliado", conclui.

Àquela altura, a maioria já dava a guerra como favas contadas. Mas Lopéz era carne de pescoço. 

O caudilho fez da fortaleza de Humaitá o bastião paraguaio. O Exército aliado se imobilizou nas cercanias. Como debocha o adágio popular, "nem trepava, nem saía de cima". Os generais não se articulavam. Os soldados morriam vítimas de balaços dos franco-atiradores ou de doenças.

Havia uma queda-de-braço entre Mitre e Tamandaré. Este pensava que aquele queria que os navios brasileiros atacassem Humaitá para serem destruídos pelos defensores e, assim, deixarem o terreno livre para um domínio argentino do Prata. Estultices. O autor afirma que Mitre era "fiel à aliança".

Para romper a a imobilidade, os generais aliados decidiram por um ataque maciço contra Curupaiti, fortificação paraguaia cinco quilômetros abaixo de Humaitá. Pra quê. Levamos um pau histórico. A esquadra brasileira gastou toda sua munição errando os alvos. O ataque da infantaria foi dizimado.

Os aliados perderam nove mil homens. Os paraguaios, apenas cem. Catastrófico.

Tudo bem, o assunto aqui é Osorio, e não, necessariamente, a Guerra do Paraguai. É que as duas coisas são uma coisa só. O fiasco em Curupaiti levou à nomeação de Caxias - que, por sua vez, fez questão de reconvocar Osorio para o conflito (ainda que sem a menor condição, registre-se).

Não só "reconvocou". Caxias, que ainda era marquês, saiu renomeando Osorio a torto e a direito, primeiro como comandante das armas do Rio Grande do Sul e depois como comandante-em-chefe do 3o Corpo do Exército. Nomeações à revelia do nomeado. E Osorio mal conseguia se por em pé.

A verdade por trás das nomeações é que Caxias queria que Osorio formasse o 3o Corpo do Exército. Não havia soldados. E os políticos gaúchos, ao invés de ajudar, estavam dificultando ao máximo. Ainda andou às turras com o marquês de Paranaguá, que, nessa dança das cadeiras de nomes históricos, é justo o meu prédio. Fazer o quê. O apartamento é bom e os porteiros são calados.

Na impossibilidade de andar, de montar, engatinhar ou rastejar, Osorio "utilizava-se de charretes e carruagens adaptadas para que pudesse manter a perna esquerda, inchada e com ulcerações, em posição de descanso", esmiuça o historiador. 

Caxias, a esta altura no Paraguai, estava estressado. Escreveu a Osorio, em carta datada de 17 de fevereiro de 1867, que "encontrara mais dificuldades do que previra". Queixou-se dos que "ficavam em casa" criticando, julgando "que tudo é fácil e que a guerra pode ser feita sem gente, sem dinheiro, sem armamento e sem fardamento".

Não deixou barato. Lastimou que "assim vai tudo em nossa terra e por isso é que estamos, há dois anos, a braços com uma guerra que já estaria concluída há muito, se as nossas coisas não tivessem, desde o começo desta campanha, sido tão mal dirigidas pelos chamados políticos e diplomatas".

Sorte é que Osorio era mesmo o cara certo, na hora certa e no lugar certo. Conseguiu amealhar quatro mil homens. Era um feito, pois que ninguém mais queria ir para a guerra. Herói, mas mortal, como nós, Osorio escreveu à esposa confessando que estava "morto de cansado".

O 3o Corpo do Exército atravessou o rio Uruguai. "A força de Osorio foi praticamente a responsável por abrir o caminho e a marcha se estendeu por sessenta quilômetros", conta o autor. Finalizado o cerco terrestre a Humaitá, pela primeira vez ousaram subir o rio - para descobrir que três grossas correntes, de uma margem a outra, impediam a navegação rio acima.

O que fez o vice-almirante José Ignácio, substituto de Tamandaré? Fundeou os navios "em uma enseada e aí permaneceu por seis meses, executando bombardeios sobre a distante posição paraguaia, sem maiores consequências. Não achavam possível superar as correntes, que neutralizaram a esquadra imperial.

Ficou assim: os aliados cercaram os paraguaios e ficaram a esperar, sem infligir dano. Já Lopéz não era dado a essas calmarias e, em 3 de novembro de 1867, invadiu o acampamento aliado com 9 mil homens. O resultado foi uma debandada geral de brasileiros e argentinos. Pernas para que te quero. 

O problema da paraguaiada foi que, ao invés de perseguirem os fujões, aproveitaram para saquear o acampamento, se abarrotando de comida e bebida. Foi o tirocínio do general Porto Alegre, que aglutinou o recuo, comandou a resistência e esperou a chegada de reforços enviados por Caxias, que fez a maré virar.

O contra-ataque à baioneta acabou com os paraguaios, que foram surpreendidos enquanto se refestelavam e não conseguiram se reorganizar. O saldo foi de 2.734 paraguaios mortos, 155 presos e 294 aliados mortos. Lopéz não conseguiu se recuperar de mais esse fracasso.

Osorio participava das refregas, mas cheio de limitações. Passava boa parte do tempo de cama, à base de medicamentos, mas, a qualquer sinal de melhora, se enfiava na charrete, com o cavalo encilhado ao lado - para combater o inimigo ou para supervisionar a soldadesca.

Em abril de 1868, D.Pedro II elevou Osorio a visconde. O general completou 60 anos em Humaitá.

Dois meses antes a esquadra brasileira havia ultrapassado - com facilidade - as correntes do rio e cercara Humaitá também por água. O que deteve os navios (por quase um ano) não passara de um temor infundado. Lopéz, esperto, ordenou a retirada de dez mil homens. Ficaram três mil.

Caxias bombardeou a fortaleza e enviou Osorio para um reconhecimento armado e para tomar Humaitá. Osorio avançou com seis mil homens, mas deu ruim: armadilhas engoliram os cavalos e 46 bocas de fogo causaram um morticínio. O cavalo de Osorio morreu, mas ele continuou a pé.

"A pé, ele pegou uma espingarda e matou um soldado paraguaio e pôs em fuga os companheiros do morto com outros dois tiros, enquanto o ponche que vestia foi perfurado por várias balas", descreve Doratioto. Depois dessa, os soldados passaram a acreditar que o general tinha "o corpo fechado".

Posteriormente, a ação foi considerada inútil e Caxias tirou o corpo fora, culpando Osorio pelo fracasso. Era para ter sido uma ação de "reconhecimento" e não um ataque. Esse toma-que-o-filho-é-teu se estendeu por anos e azedou a relação dos dois monumentos do Exército brasileiro. Até hoje não se sabe quem estava certo. Cada um atribuía a lambança ao outro.

No dia seguinte, Humaitá amanheceu às moscas. Os últimos paraguaios retiraram à noite para o Chaco. Osorio entrou na cidadela vazia. Escreveu para a esposa: "A guerra acabou". Nonada...

Enfermo, sem conseguir se locomover por conta própria, Osorio permaneceu no teatro de guerra. Logo percebeu que o pau continuaria a cantar. O Exército paraguaio se reagrupara em Lomas Valentinas.

Caxias e Osorio continuaram batendo cabeça e se estranhando na linha de frente, naquela que foi a Batalha de Itororó. Nesse dia, o baiano general Argolo (uma comprida rua em São Cristóvão onde minha primogênita trabalhou antes de partir para Paris) meteu os pés pelas mãos e atacou precipitadamente, sem esperar as forças de Osorio.

Segundo Doratioto, Argolo morreu no ataque, à uma da tarde. De acordo com a Wikipedia, morreu dois anos depois, na Bahia, devido a ferimentos de guerra. Não vou meter minha mão nessa cumbuca.

A dificuldade de agir de forma articulada tinha se repetido em Itororó. Osorio se atrasou para o ataque coordenado (por conta de uma escaramuça) ou o ataque havia se precipitado? Também essa questão se tornou alvo de um debate que varou as décadas. 

Seja como for, seis dias depois brasileiros e paraguaios se enfrentaram em um terreno seis quilômetros à frente, cortado pelo riacho do Avaí. Solano Lopéz mandou seu general Caballero interceptar a marcha do Exército imperial. Mais uma vez, Solano errou. Dos quase seis mil paraguaios que enfrentaram os brasileiros, três mil morreram, contra apenas 297 brasileiros.

A batalha do Avaí, que aconteceu em 11 de dezembro de 1868, completa hoje 157 anos.

Se para os aliados a carnificina foi vantajosa, para Osorio a batalha do Avaí foi fatídica. "Foi travada sob chuva torrencial e Osorio iniciou a ação, atacando o centro da linha paraguaia, dividindo-a em duas e tomando a artilharia inimiga", descreve o autor. Mas "os soldados brasileiros fraquejaram e ameaçaram debandar", diz.

Para conter o pânico da tropa e assegurar uma vitória que era próxima, Caxias desceu do seu posto de observação e se meteu na refrega. Osorio, por sua vez, se deslocava pela linha de frente, "dando ordens rápidas". Um paraguaio, trepado em uma árvore, mirou seu fuzil e acertou a cara de Osorio.

"A bala atravessou-lhe o rosto, de cima para baixo, partindo-lhe o maxilar inferior esquerdo, derrubando-o", narra Doratioto. "Ele voltou a montar a cavalo, mas o sangue jorrava e, como não podia estancá-lo, passou a galope por todas as linhas, com o rosto semi-escondido pelo poncho enrolado", gritando palavras de ordem. 

(A batalha do Avaí foi eternizada naquele que é um dos mais famosos - e dispendiosos - quadros a retratar a guerra do Paraguai. Pintada por Pedro Américo, a contratação e criação da obra mereceu recentemente um estudo historiográfico assinado por Lilian Schwarcz. Em breve falo dele aqui.)

Ferido, Osorio não participou da destruição final do Exército paraguaio. Foi levado para Assunção e dali partiu para o Rio Grande do Sul, onde chegou dois meses depois, "alquebrado, com o ferimento do rosto em ferida viva", como conta o biógrafo. A população o recebeu com entusiasmo e festa.

Neste ínterim, Lopéz fugiu e Caxias se demitiu. O caudilho paraguaio recusou a rendição e sacrificou o que restava do seu povo. Formou unidades com mulheres, velhos e crianças para protegê-lo, fazendo com que ficassem entre ele e o Exército imperial. Que morram os outros, não ele.

D. Pedro II nomeou seu genro, o conde d'Eu, para assumir o comando das forças brasileiras na perseguição ao fugitivo. O conde fez das tripas coração para não ir, mas não teve jeito. Nomeado, escreveu ao estropiado general Osorio, pedindo que fosse com ele, à frente das tropas.

Doratioto conta o estado de Osorio, na ocasião em que o conde d'Eu implorava sua participação. 

"Osorio não tinha condições físicas para esse retorno, pois fora ferido havia apenas três meses e continuava com a saúde precária", detalha o biógrafo. " Não conseguia movimentar o queixo, falava com muita dificuldade, tinha o rosto inchado e era alimentado por uma bomba de mate, com a qual tomava caldos e leite".

"Sofreu com dez fragmentos de osso que cresceram em meio à carne - esquírolas - das mandíbulas quebradas", diz Doratioto. Além dos dois dentes que perdera com o tiro, Osorio tivera que extrair outros quatro. Escreveu ao filho dizendo que não tinha como "comandar um Exército em guerra, pois nem mesmo conseguia fechar a boca ou falar".

Acabou capitulando. Em 14 de abril de 1869, escreveu ao conde d'Eu que, "apesar de doente e inútil para o serviço", aceitava a missão. "A Pátria ainda precisa dos meus serviços, sou soldado, tenho que cumprir o meu dever". 

Embarcou em meados de maio para o Paraguai, fazendo escalas em Montevidéu e Buenos Aires. Em um domingo, 6 de junho, encontrou com o conde d'Eu em Piraju, aonde chegou "com o queixo seguro por um lenço preso no alto da cabeça e acompanhado de um médico".

Osorio, recebido com festa pela soldadesca, ainda se alimentava por canudinho e, para falar, "amparava o queixo com as mãos, em forma de concha".

"Em 2 de julho foram-lhe extraídas, da ferida no rosto, duas esquírolas, e, no dia seguinte, ele desmaiou, chegando a perder a pulsação - 'estive morto por alguns minutos', escreveu -, antes de ser reanimado. Ainda assim, dois dias depois, participou da tomada da trincheira de Sapucaí".

A batalha seguinte foi a de Peribebuí, numa vergonhosa desproporção de forças. O exército paraguaio estava em frangalhos. Eram 21 mil soldados brasileiros contra 1.800 pessoas ("soldados, velhos, mulheres, adolescentes") que, carecendo de armamento, "jogaram todo tipo de projétil, como pedras, tijolos, pedaços de madeira, vidro etc".

Mas não só pedras e paus - tanto, que o general Menna Barreto foi morto não por um cacete, mas por um tiro de fuzil. Conta Doratioto que o conde d'Eu, "enfurecido, ordenou a degola dos prisioneiros". 

A situação absurda - de um militar idoso e arrebentado permanecer à frente de um exército como contrapeso à insegurança de seu comandante, o genro do Imperador - não tinha como se estender. Já não havia, de fato, uma "guerra". Apenas uma caça à Lopéz. "A saúde de Osorio se agravou e o conde d'Eu não pode dessa vez negar-lhe licença para retirar-se para o Rio Grande do Sul".

Seguiu no transporte de guerra Alice. Na escala em Montevidéu, soube que sua esposa morrera.

Finda a guerra, viúvo, lhe restaram as glórias e o prestígio. Foi elevado a Marquês do Herval e depois escolhido, pela regente Isabel, como senador. É promovido a Marechal do Exército e depois nomeado Ministro da Guerra. Morre em 4 de outubro de 1879, como o maior nome do Exército brasileiro.

O autor assinala que por muitas décadas foi Osorio, e não Caxias, o patrono do Exército nacional. Explica as questões políticas que geraram a "substituição". Mas aí já é outro assunto.

Este livro sobre Osorio ilumina a trajetória de um brasileiro que merecia ser mais bem conhecido. Eu, que sou um mero curioso, achei a biografia escrita por Francisco Doratioto um presente. E, para quem não dispuser do mesmo tempo que eu (para ler a íntegra), resumi aqui quem foi Osorio.

Sem acento, por favor.

Companhia das Letras, 262 páginas  |  1a reimpressão  |  Copyright 2008






Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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