"Elize Matsunaga, a mulher que esquartejou o marido", por Ullisses Campbell
Ullisses Campbell não cai na esparrela de glorificar a criminosa que biografa. O retrato que pinta da assassina é cheio de nuances, mas azedo. Somado ao domínio do texto, à vasta pesquisa, às muitas entrevistas com os personagens da vida de Elize e ao talento para a estrutura narrativa, Campbell mata a cobra e mostra o pau.
A propósito, não se engane quem pensa que, ao narrar a vida de uma prostituta e de diversas das suas colegas de profissão, o autor descambe para a pornografia ou revelações vulgares. O biógrafo é preciso na descrição, mas avesso à impudicícia.
Já a cobra é personagem frequente nas páginas do livro. A ex-prostituta e o marido japonês priápico (em termos de frequência, não de centimetragem) adotaram uma jibóia - Gigi -, que vivia com eles e era tratada como filha. Não a pão-de-ló, mas a ratazanas. Tinha um quarto, ambientado, só para ela.
O autor conta a infância, o pai ausente e violento, o padrasto que a estuprou, o início na prostituição com caminhoneiros, a formação como enfermeira, o retorno aos programas em Curitiba e a ida para São Paulo, onde investiu na carreira de prostituta de luxo.
O milionário Marcos Matsunaga, herdeiro da Yoki (e da Kitano, cujo molho shoyo é imbatível), é retratado como um consumidor compulsivo de prostitutas (às vezes, mais de uma no mesmo dia), dos mais variados níveis profissionais - da mais rameira à mais sofisticada.
As prediletas ele promovia à condição de "namoradas". Viajava com elas Brasil afora e pagava altas mesadas (R$ 27 mil reais mensais, no início dos anos 2000, o que equivalia a 15 mil dólares) para que elas lhe prometessem "exclusividade". Nem todas cumpriam o que prometiam.
Depois de ter promovido Elize à "namorada", resolveu promovê-la à esposa (embora já tivesse uma).
Casado com uma ex-funcionária humilde da fábrica da família, a quem deixava em segundo plano e depois deixou na miséria, ao casar com Elize, Marcos participava de grupos de avaliação de prostitutas na internet e era apaixonado por armas e por caçadas aventureiras.
Além do sexo diário, a vida conjugal de Marcos e Elize era repleta de viagens para predar animais de grande porte. Depois do nascimento da filha do casal, entretanto, Marcos despromoveu Elize e se envolveu com uma nova "namorada", a quem também pagava mesada e com quem viajava.
Marcos nunca fôra muito delicado e Elize, ciumenta, fazia com que o marido frequentemente perdesse as estribeiras. Em uma discussão na cobertura cinematográfica em que viviam em São Paulo, Marcos mais uma vez chamou a esposa de "puta", gritando que "uma vez puta, sempre puta". Puta, Elize pegou uma das muitas armas da casa e varou a testa do japonês com um tiro certeiro.
O marido morto no chão da sala era um problema. Elize optou por resolvê-lo esquartejando o cadáver em sete pedaços. Serrou à mão. Pôs os pedaços do pai da filha em três malas grandes, meteu no SUV e a ideia erá desová-lo em Chopinzinho, no Paraná, sua terra natal.
A falta de pagamento do licenciamento do carro fez com que policiais - que a pararam na estrada, em ação de rotina - mandassem ela retornar para casa. Ela voltou, mas antes a viúva achou um lugar ermo para se desfazer das sete partes avulsas do falecido.
Astuta, Elize simulou que o marido a abandonara, produziu mensagens falsas do computador do morto e até mesmo movimentações bancárias. Chorou a cântaros nos ombros da sogra. Em vão. Pedaços de Marcos surgiram aqui e acolá. As partes foram reconhecidas pelo irmão no necrotério.
A viúva, já a principal suspeita, negou tudo. A polícia, entretanto, não se deixou levar pelas desculpas lacrimosas da assassina. Elize foi confrontada com as provas. Acuada, confessou.
Campbell conta essa estória com minúcia e esmero. O biógrafo pertence à nata da categoria e faz de um crime repulsivo uma novela de suspense - ainda que todos saibamos o final.
Para quem gosta do gênero "mundo cão", o texto não decepciona. O autor é do ramo.
Editora Matrix, 368 páginas | 1a edição, 2021
P.S.: Condenada a meros 19 anos de prisão pela morte e esquartejamento do marido, depois reduzidos a exíguos 17 anos, em 10 anos saiu da cadeia, desfrutando da progressão de regime. Elize hoje vive em liberdade e é motorista de aplicativo em Curitiba. A sniper comemorou semana passada 44 anos.

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