"A conquista da honra", por James Bradley e Ron Powers

segunda-feira, abril 25, 2016 Sidney Puterman

Wallace, o zagueiro barbudo do Flamengo, plantou no centro da arena de Manaus a bandeira do clube. Ainda não vi ninguém explicando a inusitada atitude. Mas andei meio ocupado. De toda forma, me lembrou a mais famosa cena de todos os tempos de uma bandeira sendo fincada. Tão significativa que virou livro, e depois virou filme. "A conquista da honra" é um livro sobre uma foto - e sobre absolutamente tudo que existiu por trás dela. Há quem a repute a foto mais reproduzida de todos os tempos. É, porém, uma fotografia tirada há 70 anos, e, de lá pra cá, inventaram os celulares que fotografam, a internet e os aplicativos, que pulverizam as imagens por milhões de plataformas em tempo real. Deve ter perdido seu posto de número um. Permanece, porém, ícone de uma era e pioneira no marketing de mobilização nos Estados Unidos. É uma foto em preto e branco, tirada no calor da ação, cujos protagonistas são seis fuzileiros navais cravando a bandeira americana no solo hostil de Iwo Jima. Molecada. O momento eram os meses finais da Segunda Guerra Mundial, com os EUA atolados até o pescoço em diversas frentes. Combatiam os alemães na França e na Itália e os japoneses no Pacífico. Fora do seu contexto no teatro de guerra, a fotografia tirada no Monte Suribachi foi fundamental no esforço de arrecadação de fundos para a manutenção da presença ianque na região: ela mobilizou o cidadão americano e reverteu em milhões de dólares doados às forças armadas. Os fuzileiros foram alçados a heróis. Símbolo do destemor patriótico. Mas nada é como parece. Enquanto fotografia, estática; como expressão de um país, irresistível; como história, uma farsa. Não havia glória naquele lugar. A ilha era o inferno. Oitenta mil americanos desembarcaram na chapada negra e repleta de buracos perdida no mar asiático. Vinte mil soldados japoneses, dentro dos tais buracos - isso mesmo que você leu -, defendiam a ilha. Sete mil americanos morreram. Foram concedidas mais medalhas em Iwo Jima do que em qualquer outra batalha em que os Estados Unidos participaram. Quem desembarcava em Iwo Jima transpunha o Hades. E nunca mais era o mesmo. Falo dos sobreviventes. O autor deste livro é filho de um deles, o paramédico John Bradley. O pequeno James foi sempre fascinado pela imagem épica dos seis heróis contra o vento e contra o Império do Sol Nascente; já o pai, o herói que se tornou exemplo do soldado americano, se negava a falar da foto, da bandeira e da guerra. James nunca entendeu. Pelo menos não até escrever este livro e desvendar o segredo. A história dos seis jovens é um relato que vai da melancolia a tragédia. John foi o único dos seis a ter sua vida de volta; dois seguiram a sina dos veteranos de guerra e se tornaram alcoólatras; a metade deles jamais retornou. Não vivos. James conta a história de cada um dos seis. Sua narrativa me transportou para a inimaginavelmente inóspita ilha de Iwo Jima. Me jogou na cara não só o enxofre que era típico do seu solo, como também o quanto ideais e realidade são conceitos ainda opostos um ao outro. É uma leitura doída. O livro te mastiga. Terminei o livro prostrado. Gemendo, babando. Destroçado. Semanas depois da última página, eu continuava na ilha. O cenário dantesco grudou em mim e me segurava pelas canelas. Demônios insistentes. "A conquista da honra" é um libelo contra a guerra, como sói serem todas as descrições de guerra. A foto, magnífica, permanece me inspirando as mais nobres virtudes. Mas, por trás da encenação, eram só jovens pré-cadáveres encarnando o último ato de um roteiro que não lhes pertencia.

Ediouro, 391 páginas

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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