"Guerrilheiros da intolerância", por Hermínio Miranda

domingo, abril 17, 2016 Sidney Puterman

Não, o título não tem nada a ver com o dia de hoje, quando o Congresso se reúne para votar o impeachment da presidente Dilma Rousseff e o gramado foi dividido por um muro de aço, para impedir que manifestantes pró e contra o governo se engalfinhem. O "Guerrilheiros da intolerância" em questão é um comparativo entre as biografias produzidas sobre três vultos históricos: Hipácia - a filósofa de Alexandria -, Giordano Bruno - monge e filósofo italiano do século XVI -,  e Annie Besant, ativista inglesa e presidente da Sociedade Teosófica. São personagens interessantes, principalmente o segundo, e a intenção de Hermínio com o comparativo é defender que foram os três vultos analisados manifestações diferentes de um mesmo espírito. O autor hoje também pertence ao mundo espiritual: o incansável Hermínio Miranda nos deixou há poucos anos, e, na sua longeva temporada entre nós, trabalhou com generosidade, delicadeza e humildade intelectual. Sua produção literária é exemplo de pesquisa científica e histórica fundamentada. Admirador confesso que sou, foi uma grata surpresa redescobrir no meu exemplar uma gentil dedicatória - que imagino me tenha sido presenteada em uma palestra no Palácio de Cristal, que exatamente daqui a uma semana completará 17 anos. Obrigado, Professor. Outrossim, não obstante meu carinho, gratidão e reverência pelo autor, procuro não permitir que influencie na minha análise do conteúdo do livro abordado. A verdade é que não me convenci que há elementos evidentes para identificarmos serem os três personagens a mesma pessoa. Mais: também considerei o livro um gigantesco verbete enciclopédico, engessado, onde a vida dos biografados não palpita e, como consequência, nos deixando perceber somente uma imprecisa silhueta de quem realmente foram. A impressão que fica é que os biografados são coadjuvantes de uma biografia alheia. Mesmo o maior volume de informações sobre Besant (cuja vida foi quase contemporânea da do autor), ainda que muito maior do que os demais, padeceu do mesmo mal. Soube mais de Madame Blavastky, Leadbeater e Krishnamurti do que sobre ela mesma; uma Annie muito adjetivada, mas pouco aprofundada. Hipácia praticamente não teve fundamentação histórica sobre a qual nos debruçarmos. A parte de Bruno foi picaresca, mais pelo seu caráter dúbio do que por sua pretensa relevância. O aparente mau-caratismo de Bruno, a propósito, em nada parece com a têmpera de Besant - seriam a mesma pessoa? Sinto o impulso de negar: ainda que amenizada, creio que a canalhice de outrora traria um pouco mais de molejo para a obstinada e volúvel biografada. Em suma, meu querido guia e professor Hermínio Miranda não conseguiu sair da armadilha da subordinação literária, meramente ecoando o andamento das biografias nas quais se baseou. Sua narrativa, assim, é marcada pelas lacunas e pelos saltos. Nela não se fixa a substância dos biografados, marcadamente a das duas mulheres. Pena. Diante da sua gigantesca produção, um momento aquém do seu brilho. Mas, convenhamos, até o Pelé perdeu pênalti.

Editora Lachâtre, 248 páginas

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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