"A Revolução de Gutenberg", por John Man

domingo, dezembro 25, 2011 Sidney Puterman

Distraidamente folheando um livro não percebemos o quanto há de tecnologia instalada neste artefato de papel, tinta e cola (que muitos, precipitadamente, vêm nos últimos 15 anos condenando à extinção). Mas basta nos debruçarmos sobre o panorama dos primórdios do século XV, pelas ruelas da Mainz de uma Alemanha medieval, para testemunhar que sua "invenção" como produto de massa foi coalhada de intrigas, acrobacias financeiras e pendências jurídicas. Johann Gensfleish - como Steve Jobs faria séculos depois - foi brilhante ao perceber demanda do mercado, em reunir elementos pré-existentes e em viabilizar a produção e comercialização do livro impresso. Gensfleish, aliás, Gutenberg (John Man escarafunchou o pó das tumbas e descobriu que Judenberg era o nome de uma ladeira, que batizou uma casa, que virou Gudenberg, depois Gutenberg, e que nessa casa vieram a morar os Gensfleish – literalmente, carne de ganso -, donde então o nome da casa foi adotado, como praxe da época, como sobrenome dos moradores e seus descendentes) era um artesão com tino para os negócios, e percebeu que a sociedade da época estava pronta para uma nova tecnologia. Livros sempre existiram; mas eram feitos um a um, sendo cada um deles uma caríssima obra de arte. Gutenberg foi o cara que se endividou apostando no processo de multiplicação dos livros (e, consequentemente, do aculturamento popular), dando sociedade para um sócio capitalista. Conseguiu a brecha comercial que precisava na venda de missais e na impressão de indulgências. Se colocou também à disposição de religiosos que promoviam guerras por paróquias (nada politicamente correto, mas... os caras recém tinham saído da Idade Média, ora). Não obstante o sucesso da sua operação, a posteridade o relegou ao ostracismo: durante 300 anos o mérito da invenção foi atribuído ao afilhado do seu ladino sócio, que ficou com os louros (e as prensas) depois que Gutenberg foi expulso de Mainz, como bem conta o livro de Man. Mas já de início a avalanche trazida pela impressão não podia ser detida - e foi fundamental para a popularização de Martim Lutero e do protestantismo. Seu confronto com as teses do Papa se tornou o primeiro best-seller do recém-iniciado negócio do livro impresso (sem a imprensa, Lutero não teria como disseminar suas idéias antipapistas). De acordo com o autor, sua importância extrapolou o universo religioso. A multiplicação do Evangelho protestante, em idioma popular (um mix dos dialetos teutônicos de então), foi essencial para a unificação germânica e para a formação de uma identidade nacional (que demoraria ainda alguns séculos para ganhar contornos geopolíticos pela ação de Otto von Bismarck). A invenção mudou não só o continente, mas também a mais importante ilha da História. Em alguns anos, a Bíblia impressa viria também a ser decisiva na transformação da Inglaterra católica em uma nação protestante, com papel decisivo na sedimentação do idioma que Shakespeare logo viria a mudar de patamar. O impacto da imprensa no mundo antigo é hoje subestimado; mas não me espantaria se concluíssem que, à época, sua adoção tenha sido mais revolucionária do que vem sendo a própria internet. O livro foi o primeiro passo da globalização.

Ediouro, 318 páginas

Obs.: A propósito, comprei o livro pela internet, nove anos atrás, o primeiro que comprei pela rede mundial de computadores. Ficou largado numa prateleira e sufocado pelos 700 livros que comprei desde então, todos pela web. Mania: via satélite, pechincho as folhas impressas e as venho devorando. Desencaixotadas e emprateleiradas, namoro as lombadas e as promessas de cada uma delas, até o momento da posse do conteúdo, da intensa, melíflua e hipnótica troca de energia entre autor, remoto, e leitor, presente. Agora há pouco chegou a vez de experimentar esta webcompra inaugural, enfim lida. Doce tinta sobre o papel. Obrigado aí, Bergão. Mandou muito.

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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