"Brevíssima história de Portugal", por A.H. de Oliveira Marques

terça-feira, janeiro 21, 2025 Sidney Puterman


Acho que todos temos um certo interesse por Portugal. Compreensível. Eu sempre quis saber a história do reino português, da antiguidade ao século XX. Como os caras foram tão longe?

Não só isso. Queria saber como os historiadores portugueses colocavam o Brasil na história de Portugal. Para nos enxergar como um apêndice. Sem ufanismos ou distorções desejosas. Queria olhar o Brasil pela visão de quem nos explorou, pelo prisma do usuário, pelos olhos do gigolô.

O autor, Antonio Henrique Rodrigo de Oliveira Marques, apesar de sisudo, parecia adequado. Escreveu mais de sessenta livros sobre a história lusitana. É especializado na História da Idade Média.

Nele, a primeira coisa que descobri é que o Brasil ocupa um espaço menor na narrativa portuguesa do que eu imaginava - não necessariamente que o país tivesse tido menor importância. Causamos um enorme impacto (ou impacte, grafia que Marques utiliza, à portuguesa) na trajetória econômica do país, mas fomos logo desassociados. Como um primo distante.

Já sua narrativa da formação do Reino de Portugal é interessante. É uma construção lenta e instável. Portugal foi uma consequência orgânica, como o limo. Uma digestão ibérica. Romanos, bárbaros, normandos, árabes, espanhóis, galegos, de tudo se engoliu um pouco.

Aos poucos, pedaços da região foram ganhando uma personalidade própria. As terras foram ficando menos muçulmanas e espanholas. Pequenos núcleos habitacionais se aportuguesaram, ganhando novos nomes. Al-Usbuna virou Lisboa, Yabura virou Évora. Cresceram Braga e Coimbra.

Mas era uma nacionalidade ainda frágil. Constituia-se um Estado, ainda submisso ao poderio espanhol. A economia se desenvolvia, bem como sua especialização na navegação e no comércio (a ênfase no tráfico negreiro é bem mais rala do que a que presenciamos no "O trato dos viventes", de Luiz Felipe D'Alencastro; e esta não foi a única pachecada do historiador português).

Porém, como disse acima, era o Brasil que me interessava. E constatei que, nos quase novecentos anos de Portugal - a contar do seu primeiro rei reconhecido, Afonso Henriques, do ano 1128 para cá -, a presença relevante do Brasil na sua história se restringiu a pouco mais de cento e cinquenta anos.

Um século e meio, da descoberta do ouro até o retorno de D. João VI.

Durante esse "curto" período, o Brasil foi solução - ainda que nem sempre muito bem aproveitada. Antes e depois dele, o Brasil foi um problema. Mais um, aliás. A impressão que fica é que na história portuguesa sobram problemas. Inventaram o fado, para chorarem suas dores crônicas.

Embora quem devesse chorar fossem os milhões de negros traficados da África por Portugal.

Pois é. Mencionei acima que o livro subestima a importância da compra e venda de escravos na economia portuguesa. Não falei à toa. É que, com base nos números robustos trazidos à tona por D'Alencastro, hoje de domínio público, testemunhamos a real dimensão do tráfico ao longo de séculos. Oliveira registra, mas de forma tímida.

"Proventos econômicos da costa ocidental africana não começaram a afluir antes de 1440-50. Os primeiros negros foram trazidos em 1441 e, daí em diante, o tráfico continuou florescente", determina. Me parece que falta um pouco de precisão quando diz que "se parte dos cativos resultava de incursões directas no interior, a maioria provinha de compras regulares a mercadores muçulmanos e aos próprios negros".

Os portugueses mal e mal tocavam a costa da África. Não se arriscavam - nem tinham porque - a entradas em um terreno hostil, se expondo a emboscadas. Não faltava quem lhes vendesse, à beira-mar, aquele que era o principal produto do continente.

"A maioria dos escravos vendia-se depois com bons lucros para Castela, Aragão e outros países europeus", conta. O historiador não enfatiza o quanto Portugal foi dominante no mercado de venda de escravos, durante décadas (no que tange à Europa) e séculos (no que diz respeito às Américas). "Só uma parte ficava nas plantações de açúcar da Madeira e de Portugal", complementa.

O volume do tráfico negreiro assombra quem dele toma conhecimento. Mas não é o tema nesse livro de Oliveira Marques. Volto a ele em breve, no post sobre o livro de Luiz Felipe D'Alencastro.

O que vale destacar é que neste período áureo da história portuguesa o país conquistou seu lugar na história mundial. Como afirma o autor, "os portugueses iniciaram as navegações e começaram a contactar com povos e civilizações estranhas dispondo de um apetrechamento medieval".

Era o fim da Idade Média e a Europa era o mundo. Os portugueses, ocupantes de uma estreita faixa de terra nos confins do continente, descobriram sua vocação navegando, vendendo africanos e fazendo contato com terras e vizinhos cada vez mais distantes. 

"Os portugueses dos séculos XV e XVI provaram pela experiência e pela dedução científica: que o oceano Atlântico era navegável e estava livre de monstros; que o mundo equatorial era habitável e habitado; que era possível navegar sistematicamente longe da costa e conseguir perfeita orientação pelo Sol e pelas estrelas", assinala Oliveira Marques.

Vai além, ao enumerar os méritos dos seus conterrâneos. Diz que os portugueses constataram que "a África tinha um ponta meridional e que existia um caminho marítimo para a Índia; que as pseudo-Índias descobertas por Colombo eram, na realidade, um novo continente separando a Europa da Ásia Oriental e que os três oceanos comunicavam entre si; que a Terra era redonda e circunavegável".

Não foi pouca coisa.

"Para um país pequeno, habitado por menos de dois milhões de pessoas, a imensa tarefa de construir um Império não era certamente fácil", diz o historiador. Curioso que nós, brasileiros, que durante séculos fomos parte do vasto Império português, talvez tenhamos sido a principal e determinante razão da sua própria existência.

"Portugal nunca edificou, até meados do século XVI, um verdadeiro império", reflete. "Do Brasil às Molucas, menos de 40.000 portugueses chegavam para manter o bloqueio econômico, proteger as feitorias e guarnecer as fortalezas, inspirar terror e infligir castigos, colonizar quatro arquipélagos e uma longa tira de costa num continente novo".

O apêndice Brasil foi sobretudo um grande negócio para Portugal. A expertise portuguesa na compra e venda de escravos otimizou a rentabilização do litoral brasileiro, transformado em uma mega-fazenda produtora de commodities, movida pela força de trabalho africana - que, devido ao ganho de escala (o negro já era uma especialidade de Portugal), lhe custava pouco.

Duro de ouvir, duro de ler, duro de saber. Mas é História.

Este prisma, entretanto, não é o viés de Oliveira Marques. Aceitável. Enfim, não se pode esperar demais de uma edição de bolso, nem dá para nutrir grandes expectativas de uma obra que resume novecentos anos em duzentas e cinquenta páginas.

Ainda assim, incorreções à parte, é um vislumbre da imensa história de um pequeno país.

Editora Tinta da China, 246 páginas  |  1a edição  |  2018


Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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