"A organização", por Malu Gaspar
Acabei de ler uma relíquia. Uma peça de antiquário. Um "Protocolo dos sábios do Sião" às avessas. Explico. Como todos sabem (sabem?), o tal protocolo foi um livreto de araque encomendado pelo czar russo para fundamentar pogroms de Estado, visando desmoronar a elite financeira judaica.
Muita gente, ou de bobo ou por má-fé, "caiu" nessa. O livro era uma arapuca. Uma mentira conveniente, para desestabilizar uma realidade inconveniente.
Aqui, o logro é o oposto. Ele está do lado de fora, enquanto a verdade está do lado de dentro. "A organização" retrata a sofisticada estrutura de suborno de agentes políticos - aqueles caras com acesso aos cofres públicos - conduzida pela empreiteira Odebrecht ao longo de décadas.
A mentira está do lado de fora, onde os corruptos de carteirinha dizem que o suborno sistemático nunca existiu. Agora, com a luxuosa chancela da Suprema Corte Brasileira. Vá contar isso para o Drousys (o super-secreto sistema informatizado da Odebrecht), que gerenciava o pagamento de propina para os políticos com influência na contratação de obras e liberação de verba.
É uma história antiga e que foi se modernizando. "Aliada" de todos os governos desde os tempos da ditadura, foi no governo do PT que a empresa baiana, fundada por um descendente de alemães, atingiu o auge. O acerto foi a união da fome com a vontade de comer. O petismo no poder - do vereador ao presidente da República - refestelou-se. A esquerda, enfim, tinha chegado lá.
Não teria dado a m... que deu, entretanto, se não fosse o futuro inimigo público número 1 do Brasil - um paranaense caipira, um cabeçudo de fala esganiçada -, ter se posto no encalço dos "mal feitos" da Odebrecht e seu propinoduto. O nome do caipira - você sabe (sabe?) - era Sergio Moro.
Então, se o tal "Protocolo" era um livro mentiroso criado para construir uma situação falsa que embasasse uma perseguição real, este "A organização" é um livro que decupa uma história real transformada em falsa pela versão oficial de um governo comprometido até o talo com o crime.
Já o livro é uma obra de arte concatenada pela jornalista Malu Gaspar. Ao escrevê-lo, ela não tinha como saber que o mais ilustre condenado do esquema de suborno - o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva - seria liberado da cadeia, que a Lei da Ficha Limpa cairia e que ele se tornaria novamente presidente da República (jurando que é inocente e que nada do que é relatado no livro aconteceu).
Malu proporciona ao leitor interessado a possibilidade de julgar por si mesmo. Os fatos realmente se deram como descreve a jornalista? Os crimes descobertos, as delações obtidas, os políticos condenados, as multas bilionárias pagas pelas empresas corruptoras, as punições emitidas pelo sistema judiciário dos países envolvidos - tudo isso de fato existiu ou foi uma trama maquiavélica conduzida pelo caipira que falava fino?
Com a palavra, o leitor.
(No caso, só pode ser considerado leitor aquele que leu, de cabo a rabo, a obra em questão; quem não a leu, ou apenas folheou, ou percorreu o texto de forma salteada, não é aqui reconhecido como leitor - como não é maratonista quem assistiu a maratona ou apenas colou um número nas costas.)
Se você tiver paciência, permita que eu me estenda um pouco, reproduzindo alguns trechos da jornalista. Para você degustar, um pouco que seja, desta obra destinada à obsolescência jurídica.
Não vai aqui nenhuma pretensão de permutar a leitura da obra por estas rápidas ciscadelas. A leitura é insubstituível e ciscar - ora, bolas - é apenas ciscar.
E vale destacar que não vou minimizar a genialidade da Odebrecht e seu conceito de "domínio do cliente" apenas porque eles foram pegos no pulo do gato. Eles não chegaram aonde chegaram - e isso foi bem alto e bem longe - sem o desenvolvimento de um esquema inteligente, bem azeitado e cumprido por sujeitos de talento e nitidamente vocacionados.
Sem ofensa, roubar também é uma arte.
Antes de mais nada, é preciso ressaltar ainda que a empresa, como outras mega-empreiteiras, não é mega porque é "competente" na sua atividade-fim. Ela é mega porque sabe se relacionar com os governos locais. E esta relação não é, como gostam de camuflar os políticos, "republicana"; ela é essencialmente desonesta. É necessário um agente público interessado em ganhar um "por fora" para que o negócio da empreiteira se dê em sua plenitude.
Quanto mais alto estiver o agente, mais sigilosa deve ser a operação. Já as cifras acompanham o status do cargo. Você também sabe como funciona. Não vou ensinar o padre a rezar missa.
Outra que você também está careca de saber: não há vantagem, para este tipo de empresa, neste modelo de negócio em países onde a corrupção é investigada e punida. Quanto mais frouxa a fiscalização, mais corrupto é o país e mais atrativa a prospecção. É aí que o dinheiro graúdo mora.
Vamos deixar de lado, por batido, o descritivo da corrupção comezinha, aquele combo básico licitação armada + valor inflado + pagamento por fora para o político que autorizou a obra. Isso é o bê-a-bá. Era o pão-com-manteiga do governo. Vamos focar nos pratos mais elaborados, que necessitam criatividade e sintonia entre as partes. O tango se dança a dois.
Por isso, o cenário para a Odebrecht durante o governo petista foi melhor do que a encomenda. Além da polpuda grana local, a trupe baiana conduzia a charmosa dançarina - Lula - pelos salões do Terceiro Mundo. O ex-sindicalista, pessoalmente, abria portas para investimentos bilionários, subsidiados pelo BNDES, onde governantes ávidos pelo enriquecimento pessoal se deleitavam com o esquema trazido pronto e acabado pela Odebrecht.
Que, como de boba não tinha nada, nadava de braçada no cofre público.
"Ao decidir pautar sua expansão pela influência do Brasil no exterior, a Odebrecht colou ainda mais sua trajetória à do governo brasileiro e traçou uma estratégia que seria ao mesmo tempo o motor de sua ascensão e de seu fracasso", explica diligentemente a autora.
Definição precisa.
"Em atitude inversa à da concorrência, que aportava num país, fazia a obra e desmobilizava o pessoal em seguida, a Odebrecht se estabelecia, contratando pessoal local e montando escritórios para se manter por um longo tempo", continua Gaspar. "Seus dirigentes se faziam amigos dos governantes e se mostravam interessados no desenvolvimento daquela nação. Era uma forma de vender os projetos de seu interesse como se fossem os melhores para o país, criando, inclusive, a demanda por novas obras".
Era um golpe de mestre. Bem pensado, bem executado e que soube se valer do melhor aliado possível: o carismático presidente da República. O executivo número um do Brasil era astuto, habilidoso e lia nas entrelinhas. Para ele, também, um aliado como a Odebrecht, com capacidade de drenar dinheiro público e redistribuí-lo em privado, era um parceiro de mão cheia.
Em 2008, Marcelo Bahia Odebrecht e Luís Inácio Lula da Silva tinham o mundo ao seu alcance.
Mas ninguém pense que, por fazerem o desvio dos cofres de forma mais eficiente, a dupla era original; Fernando Collor e PC Farias já tinham demonstrado sua capacidade no início dos anos 90. Como ressalta Gaspar, "na República de Alagoas, para levar qualquer contrato, de qualquer tipo, era preciso pagar 7% de propina".
Ops, convém esclarecer os neófitos: "República de Alagoas" era como muitos, jocosamente, se referiam ao governo de Collor de Mello.
E a Odebrecht já era figurinha carimbada nesse esquema. Veio à tona, à época, um pedido de PC para que o Banco do Brasil liberasse um empréstimo de 82 milhões de dólares para uma obra da Odebrecht no Equador.
Um jornalista do JB pressionou o presidente da companhia, Emílio Odebrecht (que viria a se tornar depois um grande amigo de Lula), perguntando, na bucha: "O senhor já subornou alguém?" A resposta do pai de Marcelo foi emblemática:
"Essa é uma pergunta que... primeiro vamos analisar o que é subornar".
O governo Collor caiu, mas para a Odebrecht o escândalo não deu em nada. O DOE - Departamento de Operações Especiais - da Odebrecht continuou a todo vapor neste e nos governos seguintes. Mas o seu grande momento realmente começou em 2002, com a chegada do PT ao poder. Como narra Gaspar, todo o investimento feito por Emílio em Lula, desde os anos 70, pôde enfim ser espetacularmente monetizado.
Apenas como exemplo do salto em números da companhia, em meros dez anos, no período 2006-2015, a empreiteira baiana foi de R$ 24 bilhões de faturamento anual para R$ 132,5 bilhões. De 40.000 funcionários para 171.000 funcionários, distribuídos por 26 países. Uma máquina. Um transatlântico descomunal, azeitado por um óleo que passarinho não bebe.
Este "azeite" sempre jorrou frouxo nos governos anteriores. Mas era uma coisa individual - não "oficial". Só que a rubrica de propina "oficial" passou em 2003 a ser a norma - e a Odebrecht descobriu que teria que cumpri-la já no seu primeiro contrato com a Petrobras no governo petista.
Conta Malu que a empresa venceu, sem armação, o contrato para construção da plataforma que escoaria o óleo produzido na Bacia de Campos. Mas o gerente de serviços da Petrobras, Pedro Barusco, número dois de Renato Duque, diretor de serviços e engenharia da estatal, ao saber do negócio exigiu 8 milhões de reais para liberar a obra, alegando que 1% de todos os contratos deveria ser pago ao PT.
O executivo Marcio Faria - fazer o que - autorizou o pagamento de propina. Mas, como detalha Gaspar, "o contrato da PRA-1 inaugurou uma prática nova até para o experiente Faria". A autora explica que Marcio "prestava serviços para a Petrobras havia décadas e já pagara propina a diversos funcionários públicos, em vários contratos. Eram, contudo, pagamentos avulsos, negociados caso a caso. A cobrança de uma porcentagem fixa de todos os contratos para o partido político era uma inovação".
Mais do que uma mera inovação. A jornalista adianta que ela foi apenas "a primeira de uma série".
Surpreende uma das comparações utilizadas por Lula. Ao invés das costumeiras alusões ao casamento e ao futebol, Lula progrediu para uma referência histórica. No palco da comemoração dos 60 anos da empreiteira, Luís Inácio mandou que o "programa de incentivo às exportações de serviços e o BNDES fariam pela América Latina o que Bolívar não conseguiu fazer com a espada".
Rapaz, o Simon deve ter dado umas quinze voltas na sepultura.
Bestialidades deste porte passam batidas pelo grande público. Até porque, no Brasil, o eleitorado se demitiu do cargo de cidadão e passou a se fantasiar de "torcedor". Ele não fiscaliza o governo. Ele torce por um grupo de sujeitos. Aqui, os grupos se dividem entre a charanga ideológica dos "Amantes da D." e a charanga ideológica dos "Amantes da E.". Cada grupo se imagina composto por seres humanos sensíveis e responsáveis e que o grupo adversário é formado por débeis mentais.
Sei não. Vai que estão certos.
É praxe entre os "torcedores" de uma ou outra agremiação partidária acusarem determinados veículos de comunicação de terem se vendido para o partido rival do seu. Afora a Globo, acusada por todos de discriminar o seu próprio partido e favorecer o concorrente eleitoral, diversas publicações são tachadas de parcialidade.
O caso da Carta Capital é emblemático. Malu Gaspar conta como o próprio ministro da Fazenda (no caso o Guido Mantega) usava o peso do cargo para ajudar financeiramente os veículos que defendiam as causas do governo. "Precisamos fazer um apoio à Carta Capital, o Mantega tá pedindo", disse Marcelo Odebrecht ao seu diretor financeiro. "Vamos fazer no caixa dois, porque eu não quero esse apoio aparecendo", advertiu Marcelo, complementando: "É para eles pagarem, não é a fundo perdido, não!"
No caso, a propina não conseguiu compensar a incompetência administrativa da publicação. Levaram R$ 3 milhões de reais para financiar o plano de marketing da revista, que deu em nada. Mais dinheiro foi dado e a publicação permanecia no vermelho.
"A revista - que elegeu a Odebrecht a empresa de construção mais admirada do ano em suas premiações de 2004, 2005, 2006 e 2007 - continuou em dificuldades, e Lula continuou pedindo ajuda a empresários amigos", esclarece Gaspar.
Se para os amigos Mantega pedia essa ninharia - os tais R$ 3 milhões - para o partido o sarrafo era colocado mais alto. Um desejo da empreiteira era que o governo implementasse um programa de refinanciamento de dívidas. O governo não se fez de rogado. Para os amigos, tudo. Foi criado o Refis da Crise, que representaria um perdão de R$ 4,6 bilhões de reais para a Braskem, empresa do grupo.
O preço, vultoso. "Bem, Marcelo, você sabe que haverá uma expectativa de ajuda para a campanha", disse o ministro, e estendendo um pedaço de papel onde estava escrito "R$ 50 milhões".
Repare o leitor que o desvio de dinheiro público não é apenas da alta cifra escrita no papelote. Ele é cem vezes maior. Na maracutaia entre PT e Odebrecht, o Estado deixaria de receber os R$ 4,6 bilhões de reais devidos pela Braskem, e mais cinquentinha seriam depositados no caixa dois do partido.
O acerto demonstra a extensão do dano para as finanças do país da corrupção sistemática. Apenas neste exemplo bobo, é possível imaginar quantas escolas, ou hospitais, poderiam ser construídos com esta mínima parcela de dinheiro desviado. Pena que as auto-proclamadas pessoas de bem, em sua inocência, ou ignorância, não atentem para os números transitados.
Minha cidade do coração (ao menos seu nome de batismo) também é personagem do livro. E que personagem. A Cervejaria Petrópolis era a principal envolvida na "Operação Avalanche", um esquema de fraude fiscal investigado pela Polícia Federal. Dezessete pessoas foram presas ao amanhecer do dia 10 de outubro de 2008.
A Odebrecht era parceira da fraude, trocando os dólares - que recebia por baixo do pano lá fora - por reais que a cervejeira faturava aqui dentro de forma ilegal (a empresa desviava parte da produção, que assim não era tributada, e que era vendida em dinheiro vivo no comércio local). Uma ajudava a outra a enganar a Receita.
De toda maneira, era um ano com uma lauta circulação de dinheiro. Emilio não se vexou em pedir um aumento da linha de crédito do Brasil para Angola, o que redundaria em mais dinheiro enchendo as burras da empresa. "Se o senhor puder nos prestigiar, para que não tenhamos dificuldade...", se insinuou o Odebrecht com o Inácio.
Segundo Gaspar, "Lula disse que ia ver o que dava pra fazer - mas orientou Emílio a pedir ao filho que procurasse o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, para conversar sobre um apoio". Os dois se reuniram em março de 2008. E o funcionário do governo não deu muita volta. "O ministro foi claro: o aumento da linha de crédito com Angola custaria 40 milhões de dólares".
É tanta nota pra lá e pra cá que eu já não consigo contar. Recentemente o novo governo, pretensamente oposto ao anterior, pôs em circulação a nota de R$ 200,00. Dizem que é para facilitar o transporte por mala. Faz sentido. Dinheiro vivo em quantidade é difícil de carregar.
Seja como for, chega, né? O livro traz centenas (é isso mesmo, não estou exagerando) de exemplos de armações e maracutaias, com nome, endereço e CPF. E a autora relata, em minúcias, como cada pequena engrenagem do esquema se locupletava, sem medo do amanhã.
Esta farra com o dinheiro público, jorrando aos borbotões e irrigando centenas de valas petistas, parecia o toque de Midas. Os primeiros escalões do partido estavam seguros de terem conquistado a chave para o paraíso. Até que não estavam errados; o brasileiro médio não se incomoda com corrupção e acha normal que os eleitos roubem o governo. Não se acham pessoalmente roubados.
Vá entender.
Tudo permaneceria de vento em popa não fosse surgir, lá dos cafundós do país, o tal cara que falava fino. Que não saía da linha, não pisava em falso, não aceitava propina e não tinha medo de cara feia. Muito azar.
Pena que, no futuro (para nós um passado já distante), o caipira que inventou a Lava-Jato se deixou seduzir pelo boquirroto da rachadinha. A quadrilhada viu aí a deixa pra cair matando. A "opinião" pública caiu no conto do vigário. Caiu nos últimos duzentos, por que não cairia nesse?
Essa história de roubo é invenção do honesto pra caluniar o ladrão.
Com isso, num passe de mágica, tudo acabou. Os condenados foram soltos, o dinheiro devolvido passou para a conta do buraco negro, os políticos corruptos se tornaram em fração de segundo em cidadãos ilibados. São todos agora "guerreiros do povo brasileiro".
Aí eu, como povo, me pergunto: esse "A organização" deve ficar na prateleira dos livros de ficção?
Ou deixo no limbo, mesmo? Fica assim um livro em suspenso, uma hipótese narrativa, uma confissão esquecida, como se todos combinássemos em consenso que estamos com amnésia? Talvez funcione.
Já eu, que não esqueço fácil, prefiro considerar que o livro me permite dois enfoques. Um deles é o conflito empresarial familiar. Um "Succession" tupiniquim, pena que sem a Sarah Snook. O confronto entre pai e filho, tutelado pelo patriarca, o avô, que prefere este àquele, mas que morre no meio. Uma moqueca shakespeariana.
Ou o meu predileto, a visita guiada aos intestinos da corrupção estatal brasileira. O Olimpo onde sujeitos desqualificados, autorizados por um eleitor ignorante, constroem uma fortaleza com privadas de ouro - cujo esgoto desagua nos rios que abastecem as torneiras da população.
Soube agora pelo Gabeira que os irmãos Batista, Joesley e Wesley, da J&F, que ficaram famosos no governo Temer pela gravação que os ligava ao Eduardo Cunha, estão de novo com passe livre no Palácio. A multa de R$ 10,3 bilhões definida no acordo de leniência (que deveria ser paga ao Estado brasileiro) foi perdoada pelo ministro do STF Dias Toffoli.
Roberta Rangel, mulher de Dias Toffoli, indicado ao Supremo por Lula, tinha trabalhado como advogada dos Batista, informou Gabeira, que concluiu que "parece ter sido uma coincidência".
Os irmãos Batista ampliaram seu leque de negócios. Além de vender boi, passaram a vender energia para a falida Amazonas Energia. Vender energia para uma empresa falida não é bom negócio, mas uma MP do atual governo petista perdoou a dívida de R$ 10 bilhões (que passou a ser do contribuinte brasileiro) e os irmãos vão comprar a ex-falida. Virou um negoção.
Dez bilhões aqui, dez bilhões ali, numa ação entre amigos, todos já denunciados e condenados - e depois repentinamente absolvidos. E, como a cereja do bolo, se candidatam e são eleitos pelo povo.
Corromper-se é uma questão humana. Sociedades mais desenvolvidas e inteligentes ("Tostines vende mais porque está sempre fresquinho ou está sempre fresquinho porque vende mais?") criam anteparos que as protegem do cancro da corrupção. Sociedades mais rudimentares, como a nossa, estão visceralmente envolvidas com ela. Difícil impedir a metástase.
Alguém já disse que a democracia é péssima, mas é uma solução melhor do que todas as outras. Em grupamentos gigantescos, com mais de cem milhões de eleitores, onde a grande maioria é precariamente alfabetizada e o grau cognitivo é baixo, eleições se restringem à escolha das celebridades mais convincentes.
Não há público interessado em currículos, retrospectos, projeções, números consolidados, prioridades, uma mínima linha do tempo. Há pessoas carismáticas, arrojadas, que encarnam símbolos - que são decodificados e aclamados por milhões de analfabetos funcionais.
Com este diagnóstico, uma cura é improvável. Estamos condenados a uma longa existência à margem do mundo civilizado.
O Brasil é uma Rocinha em frente à São Conrado.
Companhia das Letras, 639 páginas | 1a edição | Copyright 2020
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