"A expedição Kon-tiki", por Thor Heyerdahl
Tudo começa com a sacada de um norueguês riponga, imerso numa vida idílica com a namorada numa ilha deserta, num estilo Robison Crusoé escandinavo. Do nada - olhando para a água enquanto coçava o saco -, o sujeito nórdico pensou que os nativos da Polinésia eram descendentes de índios sul-americanos. Os tais um dia teriam se lançado ao mar e atravessado o Pacífico numa jangada.
Para provar a tese, que geral considerou estapafúrdia, resolveu ele próprio tentar a proeza.
E o que o nórdico maluco realizou foi uma das viagens mais fantásticas que o ser humano contemporâneo já empreendeu. Do início ao fim, toda ela oscila do surreal ao inacreditável. Foram cento e um dias de viagem. Seis escandinavos sobre nove toras de madeira, cruzando o oceano, quase que à deriva, da costa do Peru até a Polinésia.
A proeza é minimizada pelo relato blasé do autor. É o jeitão do cara. Mas a parada é sinistra.
O livro é curto e as descrições são práticas. O tom é de troça. Não tenha a menor dúvida que a galera dá ares muito mais radicais a qualquer trilha meia boca num morro qualquer do que o Thor para contar seus três meses e meio singrando o Oceano Pacífico, de leste a oeste. Numa jangada.
Uma baita história, contada na velha e boa ordem cronológica. Temperada com deboche norueguês.
Recapitulando, para que não reste dúvida, o autor (o cara na ilha com a namorada) cismou que sua tese pessoal - de que as civilizações polinésias provinham do Peru, atravessando 8.000 quilômetros de mar aberto em embarcações rudimentares - era passível de ser provada na prática.
Com isso em mente, se decidiu a prová-la, construindo uma jangada para a travessia.
Heyerdahl inicia aí suas tentativas de vender sua teoria mirabolante para patrocinadores sérios. Sendo naturalmente tratado como maluco pela grande maioria deles, não esmoreceu. Acabou por encontrar quem acreditasse que sua tese tinha sentido e que era passível de ser executada.
Para sorte dele, alguns grupos científicos de exploração da época se empolgaram. E uma contribuição inesperada veio do Pentágono norte-americano, que aproveitou a disposição suicida do grupo para checar se alguns equipamentos de sobrevivência recém-desenvolvidos funcionavam em condições reais.
Vinha bem a calhar. Estávamos em 1947, e a guerra como campo de pesquisas para cobaias humanas havia terminado. Se os marinheiros doidos sobrevivessem, tirar-se-iam boas conclusões.
Patrocinadores definidos, Thor partiu para a América do Sul, para cuidar da parte prática, burocrática e arregimentar tripulantes que fossem tão tarados quanto ele. Por alguma razão, seriam todos nórdicos. Cinco noruegueses e um sueco. Deve ter algo a ver com a água que eles bebem.
(Bem, convém não esquecer que os antepassados desses caras eram os vikings.)
No Peru lidaram com duas dificuldades: encontrar a madeira que fora utilizada pelos antigos navegadores sul-americanos e também obter autorização do governo para se lançarem do seu litoral, rumo àquela que todos imaginavam ser o destino de Thor e seus amigos: a morte certa.
De novo, vale observar que o autor visava empreender exatamente a mesma viagem que ele acreditava ter sido feita mais de 500 anos antes. Para confirmar a tese, precisava construir uma jangada idêntica, utilizando os mesmos materiais usados à época.
A madeira necessária era o pau-de-balsa, já então praticamente extinto na costa peruana. Thor e o primeiro dos outros cinco tripulantes admitidos, Herman, tiveram que fazer uma viagem medonha ao interior do Peru para obter as nove toras de pau-de-balsa que precisavam.
Rapaz, só esta aventura já dava um livro. Vai por mim.
Jangada pronta, equipe a postos, autorizações obtidas, enfim chegara o dia da partida. Thor ria das intermináveis papagaiadas locais (militares uniformizados, bandas de música, discursos, misses), enquanto os locais riam dos seis gringos suicidas.
O barco peruano que rebocou a jangada para fora do porto (ela fora construída dentro do estaleiro da marinha peruana) quase detonou a prosaica embarcação, batendo com ela em tudo que encontrou. Mas a jangada - batizada de Kon-Tiki, em homenagem ao Rei Sol - resistiu bravamente.
Ela só não superou os atóis de Raroia, mas aí já era a linha de chegada, do outro lado do Pacífico.
Durante os cento e poucos dias no mar chegaram a passar maus-bocados ainda no primeiro mês, quando por três dias e noites o mar rugiu, encapelou, arremessou a jangada de um lado pro outro - mas a danada não emborcou.
Depois dessa coça náutica, a maior parte do tempo foi de absoluta calmaria. E pescaria. Não só pegavam todo tipo de peixe (com preferência pelos dourados e tubarões), como toda manhã, ao acordarem, havia sempre uma dúzia de peixes-voadores dentro da jangada, prontos para a frigideira.
A viagem ganhou sérios contornos de risco justamente quando se aproximaram dos atóis e recifes da Polinésia. Chegar lá era mais fácil do que desembarcar. Essa narrativa (inclusive o mistério sobre quais deles sobreviveram - será que todos?) vai ficar pra quem for ler o texto de Thor Heyerdahl.
A obra, aliás, virou filme e já foi traduzida para mais de 70 idiomas, imprimindo mais de 50 milhões de unidades. Há quem não conheça essa história, então a dica permanece válida.
E aí, interessou? Quer um passatempo, procure o filme. Quer viajar, compre o livro.
José Olympio Editora, 226 páginas | 5a edição, 1987 | Copyright 1948 | Tradução Agenor Soares
Sou baiano e amo o mar, ficar de fora dessa viagem nem pensar! Excelente a sua narrativa obrigado!!!
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