"O complexo de Portnoy", por Philip Roth

sábado, agosto 21, 2021 Sidney Puterman


Não dá para tapar o sol com a peneira. O livro que lançou um dos grandes nomes da literatura norte-americana da segunda metade do século XX já mostra a idade. Ossos, com osteoporose, do ofício.

É o preço de escrever uma obra revolucionária. Um novo conceito literário irriga uma nova linguagem, e esta se apropria dos avanços do criador e os dissemina. Em sequência, o uso se multiplica, o inusitado se torna comum e a matriz deixa de ser relevante; se bem-sucedida, será clonada em dezenas de versões que, dependendo dos seus artífices, poderão vir até a superá-la.

É o ciclo da história.

Mas, se é inegável que as cinco décadas passadas do lançamento da obra estão aí para cobrar a sua fatura, nem por isso o leitor vai deixar de se divertir com o humor e a genialidade de Philip Roth. Porque não foi à toa que ele conquistou seu prestígio.

A propósito, pena que a biografia sobre ele, escrita pelo jornalista Blake Bailey, tenha tido a sua publicação recentemente suspensa por conta de um desvio de conduta do biógrafo; e irônico que o biógrafo tenha sido cancelado pela prática de pretensa cafajestice e putaria, justamente o tema recorrente do autor, no desavergonhado livro do qual ora falamos....

E justo aqui, no país do Congresso e das quase 600.000 mortes pela Covid-19, a editora Companhia das Letras, cheia de pudor, voltou atrás na decisão de publicar a biografia de Philip Roth - porque seu biógrafo, um jornalista safado, cometeu safadezas. E Roth com isso? Imagine uma tradução de Nelson Rodrigues não ser lançada na China porque a tradutora era uma adúltera ninfomaníaca. 

O politicamente correto e o moralismo alguma hora vão ter que se entender com a produção cultural. Porque uma parte importante da arte escrita é pura sacanagem.

E que, sempre que pode, adora se auto-referenciar: o brasileiro "Pornopopéia", de Reinaldo Moraes, rendeu homenagem, meio século depois, a Portnoy, quando seu personagem José Carlos fode a lula que será almoçada pela faxineira. Para quem não sabe, Alexander Portnoy, pioneiro literário neste gênero de cópula alimentícia, havia muitos anos antes fodido um fígado.

"Quero fazer a confissão completa, Vossa Santidade", esclarece Portnoy. "O primeiro fígado eu o comi na privacidade de minha própria casa, enrolado em meu pau, dentro do banheiro, às três e meia - e depois o comi, espetado no garfo, às cinco e meia, junto com os outros membros da minha pobre e inocente família. Pronto. Agora o senhor já sabe a pior coisa que fiz na vida. Fodi o jantar da minha própria família." 

A lenda do jornalismo Gay Talese - cujo livro "A mulher do próximo" eu comentei aqui no mês passado - se refere assim ao livro, em sua obra: "A personagem literária mais conhecida do ano era o masturbador crônico do romance de Philip Roth Complexo de Portnoy". Noutra passagem ele reforça o epíteto, citando o "romance auto-erótico de Philip Roth". Já o biógrafo tem que ser coroinha.

Na prática, ninguém tem dúvida que o carro-chefe de Roth em seu primeiro best-seller tenha sido a mais deslavada sacanagem. E, explique-se, que vendeu bem não porque a sem-vergonhice fosse o tema, e sim pela maneira impagável com que era contada. Como quando sua namorada ariana protestante paga o primeiro (e ansiado) boquete, depois de muuuuita pressão da parte dele.

Bem, vou deixar aqui um alerta. Nos próximos parágrafos, vou reproduzir algumas passagens um tanto quanto, digamos, mais desabridas do texto do autor. Ao leitor mais pudico, recomendo que não leia, e, se ler, não diga que não avisei!!!!! Alerta feito, vamos ao livro.

(Vou pular aqui o capítulo "Louco por bucetas" e outras manifestações pornojudaicas, com destaque para a própria mãe do autor.)

"O que Sally não conseguia era me chupar", reclamava ele, indignado. "Atirar numa avezinha, tudo bem; chupar meu pau era demais para ela." Ele atribuía a recusa ao antissemitismo arraigado do povo norte-americano. "O que mais me irritava era justamente a certeza de que aquilo era discriminação". Aproveitava para incluir o pai na peroração. "Meu pai não podia ascender dentro da Boston & Northeastern pelo mesmo motivo que Sally Maulsby não podia abocanhar minha pica!"

Portnoy se considerava injustiçado. "Se eu fosse um gói louro e grandalhão, com um traje de montaria cor-de-rosa e botas de caça de cem dólares, aposto que ela estava de quatro na minha frente, engolindo até as bolas". Tanto o descendente de Abraão reclamou que Sally um dia - surpresa! - se enfiou dentro do edredom e o pegou de (mau) jeito. "Ela havia desaparecido debaixo das cobertas e estava me chupando! Isto é, abocanhou o meu pau e o manteve na boca por sessenta segundos, como se fosse um termômetro."

"Consegui", ela anunciou. "Sally, não chora." "Mas eu consegui, Alex." "Quer dizer que é só isso?" "Então", exclamou ela, "tem mais?" "Bom, para falar com franqueza, um pouco mais..." "Mas está ficando grande. Eu vou me engasgar." "É só você respirar que você não engasga."

O circunlóquio avança e o livro não se restringe a esta refrega. Há muitas outras de igual quilate, com destaque para as com a Macaca e a prostituta italiana, ou tão dementes quanto àquela em que ele tenta perder a virgindade com a shikse Bubbles Girardi, a irmãzinha do pugilista Johnny "Geronimo" Girardi, filha caçula de um motorista da máfia, a qual, na descrição de Portnoy ao chegar ao rendez-vous, "estava de combinação, sentada no sofá, na outra extremidade do cômodo recoberto de linóleo, pesa uns oitenta quilos e está deixando crescer o bigode".

Não obstante, euzinho vou parar por aqui. Compre o livro e se divirta. Ou não. Philip Roth é referido por Harold Bloom como um dos maiores contadores de história que ele já teve o prazer de ler - mas fique a vontade para achar nojento, pornográfico ou mesmo não dar a mínima. Não importa mesmo, porque ele já morreu e não está nem aí para o que a gente acha. 

Já Bailey, vivo e mau-caráter, foi vetado para nos contar a história desse escritor judeu de New Jersey porque, diz-se, seu biógrafo é o maior tarado.

Companhia das Letras, 261 páginas

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

2 comentários:

  1. Há um ano li O Complexo de Portnoy e também escrevi sobre essa leitura. Concordo com você sobre o biógrafo. Afinal, que coroinha escreveria sobre Roth? Ou o politicamente correto e o moralismo vão ter que se entender, ou... já cancelaram o biógrafo e o próximo vai ser o próprio Roth.

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    1. Pois é, Giovana. Em nome do politicamente correto, uma onda de moralismo esquizofrênico vem ocupando espaços na sociedade e na cultura. Deixa danos, mas, como outras ondas equivalentes, cedo ou tarde vai para a lata do lixo. Deixe aqui o link para o seu texto, para que todos os interessados na obra de Roth possam lê-lo.

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