"O caminho do centro", por Marcelo Trindade
Véspera do segundo turno. Rescaldo da maré eleitoral. O clima de campanha, enfim, dilui por aqui e também nos EUA, onde a insólita tentativa do candidato derrotado em melar as eleições deu com os burros n'água. Sua última pirueta tentava inviabilizar os "certificados" estaduais, liberando os delegados para votarem em quem quisessem - não colou. Situação esdrúxula.
Aqui também, não nego. Há duas semanas, o assunto era o sistema do TSE sob ataque de hackers. Um pico de 436.000 conexões por segundo apostou na derrubada do supercomputador. Só que, como o prédio da Praça Onze, o sistema balançou, mas não caiu. A grande ofensiva só fez marola. Dizem que a direita e apoiadores do presidente estavam por trás da ação. Era só o que faltava.
Enquanto isso, os candidatos deste domingo têm se esquivado do apoio do "mito", que até então vinha sendo o grande cabo eleitoral. Tudo indica que a benção presidencial perdeu a magia - mesmo a ex-caseira-assessora Wal do Açaí entrou na lista de não-eleitos do PR, que perdeu em Angra, em Queimados e pelo Brasil afora. No fim, só o bispo-drácula Crivella, já com meia estaca no peito, quis o apoio do Jair, que agora finge não apoiar ninguém.
Finge também que nunca chamou a covid de gripezinha. Além desse disse-que-não-disse, recuou do confronto com seu ex-ministro Sérgio Moro. Pediu para não depor no caso que julga sua tentativa de influência na PF - que, a esta altura, já está dominada. Com PF e PGR no bolso e um STF domesticado, com o piauiense Kassio nomeado, não só Inês é morta como a Lava-Jato também.
Soa picaresco, mas é devastador. Nossa indigente infra-estrutura de saúde definha sob a pandemia. Um exército de políticos sexagenários, que, se não estivessem protegidos por um custoso aparato médico, teriam engrossado o quadro de óbitos, debocha da população fragilizada - refém dos hospitais públicos. O cidadão carioca, aéreo ao momento, faz show, rave e luau.
Ninguém imaginava que a terceira década do século 21 começasse tão atrasada.
Na toada em que segue a política, a chance de melhorar é... nenhuma. A cada eleição, sobe o nível de demagogia e cai o de civilidade. Os torcedores, ops, os eleitores, idolatram o seu comunicador eleitoral predileto e detonam os "adversários" nas redes sociais. É como se fosse um grande jogo. Sem bola e sem sentido. O pessoal se diverte e xinga até a família.
Marcelo Trindade, candidato do Partido Novo a governador do Estado do Rio de Janeiro em 2018, escreveu um livro contando como foi sua experiência de participante da disputa. Professor, advogado bem-sucedido, rico e com os pés no chão, não preenchia os pré-requisitos para a vaga. O seu bom-senso na abordagem dos problemas fazia dele um peixe fora dágua.
A ideia do livro, porém, foi excelente. Acho mesmo que seria valioso se esta fosse uma tendência. O testemunho pessoal, se genuíno, enriquece o nosso entendimento dos planos e do raciocínio do postulante ao cargo. Hummm... talvez não fosse possível. Pela amostra disponível, temo que a grande maioria dos candidatos não seja capaz de ler um livro. Imagine escrever um.
Deixa pra lá.
OK, oportuno seria, mas nem de longe essencial. O cargo é para gestor, não para escritor. Ainda que um hipotético livro do Romário, por exemplo, contando o que se passou, soasse tentador. Falando dos bastidores daquela cutucada que ele deu no futuro governador, quando, cara a cara, no debate da Globo, questionou Witzel com um "você sabe quem é Mário Peixoto?" à queima-roupa.
Para quem não lembra da cena, o ex-juiz tremeu nas pernas - tanto que, ao invés de responder, balbuciou que queria "direito de resposta". O curioso é que era ele mesmo quem iria responder - ou seja, ele já estava em poder do direito de responder. E hoje, com Peixoto preso e Witzel despejado, dá para entender o pânico que desarticulou aquele que era um futuro governador afastado.
Por tudo isso - e muito mais -, eu não tinha como deixar passar esse livro do Trindade, recém-lançado. O autor escreve fácil. Todo mundo que tem um título de eleitor e vota no estado tem motivos para lê-lo. Afinal de contas, Marcelo queria se eleger para administrar o dinheiro público e devolvê-lo em forma de serviço. No processo, decidiria sobre uma penca de coisas importantes para o presente e o futuro dos cidadãos daqui.
Pelo que li, a impressão que passa é que estaríamos em boas mãos. Mas, vá saber.
Pelo sim, pelo não, seria uma boa aposta. Sua cautela, seu humanismo e seu retrospecto depõem a favor. Por isso, se você ainda não leu, vou dar uma pequena palhinha do que Trindade oferece. Vai que você se motiva e compra o livro para ler o conteúdo integral. É o que eu sugeriria, seja você liberal, de direita ou de esquerda, versão raivosa plus ou versão tranquilinha. Mesmo que você não saiba, o que ele propõe, como candidato, diz respeito a você.
(Leia, nem que seja para xingá-lo de "isentão", esta invenção pitoresca do nosso anedotário político. Um bullying ostensivo contra quem tenta enxergar o panorama sem aderir à opinião fanática.)
Trindade inicia revelando as circunstâncias da sua aproximação da política e da decisão da sua candidatura. Do prazer do corpo-a-corpo e das barreiras intransponíveis para os menores partidos. Da sua relação com os demais candidatos e da dificuldade para integrar os debates relevantes, além da corriqueira falta de apoio de João Amoêdo à sua candidatura (queixa a ser decodificada nas entrelinhas, porque Trindade é sempre muito elegante com o fundador e principal nome do partido).
Aliás, Trindade é elegante com todo mundo.
A narrativa do ex-candidato é ilustrativa. Não apenas sobre os meandros de uma candidatura, mas também sobre as dificuldades do Estado do Rio. Decerto que falar da falência do Rio é chover no molhado - mas conhecer a abordagem dos problemas amplia a percepção de profundidade. Que fica clara, lembra Marcelo, ao comparar São Paulo e Rio. Eu diria: Espanha e Afeganistão.
No Rio, onde Marcelo foi atacado em 2018 por defender a privatização da Cedae, a empresa no ano seguinte diversificou e passou a produzir geosmina, entregue in natura junto com seu carro-chefe, água. Duro de engolir. Segundo o balanço de 2019, a empresa investiu R$ 101,8 milhões ao longo do ano. A sua equivalente paulista, a Sabesp, no mesmo período, investiu R$ 2 bilhões.
Se a qualidade da água é talvez um paralelo relativo para comparar os dois maiores estados do país, talvez a qualidade da vida - ou a manutenção dela - seja um referencial absoluto. No final de 2017, diz Trindade, o Rio de Janeiro apresentava 32,5 homicídios por 100 mil habitantes. A taxa de São Paulo era de 10,7 homicídios por 100 mil habitantes. Mata-se 3 vezes mais no Rio.
A comparação é relevante. Mostra onde deveríamos estar e onde fomos parar. Isto é, o pior é que nós ainda não paramos. Infelizmente, os prognósticos para o Rio não apontam para a estabilização do quadro, como depreendemos do noticiário diário e da exposição do autor, que divide conosco alguns números que apontam o agravamento de um cenário já caótico.
Bem, "caótico" é pra lá de leve para nomear esse Deus-nos-acuda que vivemos na capital do Rio, cidade-sede da joint-venture entre PM, milícia e tráfico. Após tudo que passamos, o ex-prefeito que prometeu um legado olímpico e entregou uma ciclovia anfíbia, sem bóia ou salva-vidas, será a "novidade" que ocupará o poder em 2021. Para o Rio, isso é o "novo".
Pena, porque, pela história narrada por Trindade, poderia ter sido. Literalmente. Como sabemos, seu partido chama-se "Partido Novo". E era assim que ele se apresentava nas ruas, como conta: "Sou candidato a governador pelo Partido Novo. Você conhece o Partido Novo?" E o transeunte retrucava: "Não, qual deles?" Aí Marcelo explicava: "O Novo, chama-se Novo mesmo." Dando prosseguimento ao menu de apresentação, emendava: "É um partido feito por gente que não era político profissional e decidiu sair de casa para fazer política e mudar esses políticos que estão aí."
Tarefa difícil. O candidato seguia enumerando para o eleitor: "Somos o único dos 35 partidos que não usa recursos públicos, nem fundo eleitoral, nem fundo partidário. Somos um governo liberal que acha que o governo tem que focar em educação, saúde, segurança e qualidade dos serviços públicos - estes, de preferência, prestados pela iniciativa privada, com supervisão independente e qualificada por agências do estado. Você não concorda?"
Difícil não concordar, digo eu. Mas o problema é que o pessoal mais sensato até concorda, mas não vota. Pelo menos não no Trindade. Ou então os sensatos são numericamente inexpressivos. Profissional de sucesso, Trindade sucumbiu à própria irrelevância política. Ainda assim, ele reconhece que o povo fluminense votou em quem não era político profissional. A população escolheu um outsider. Mas nada de Marcelo - sua inicial era um M ao contrário. O seu nome era Wilson.
Se você mora no estado, acompanhou os desdobramentos. O tiro na cabecinha, o soco no ar na ponte, a coleção de faixas coloridas, os hospitais de campanha e o Mário Peixoto - aquele, que o Romário já tinha anunciado na tevê. Ano e meio depois da posse, o ex-juiz voltou para o Grajaú, onde espera o veredito - o retorno triunfal ou a demissão por justa-causa. Ele permanece otimista.
Voltando ao passado e às ideias daquele governo que não houve, o do Trindade. Técnico, ele dedicou atenção à questão tributária. Acredita ele que os tributos devam ser o principal mecanismo para redistribuição de riqueza, mas que, no Brasil, "a tributação produz o efeito contrário e o Estado termina sendo altamente concentrador de renda. Destina vastos recursos a um pequeno número de pessoas, membros da elite do funcionalismo público. Tributa modestamente os ganhos com aplicações financeiras. E enquanto concede subsídios, isenções e tributação favorecida a diversos grupos e atividades, cobra de toda a população os impostos indiretos embutidos no preço de produtos e serviços, que pesam muito mais sobre a renda dos pobres."
Trindade se debruça sobre este e diversos outros problemas estruturais e do Rio, propondo cortes e soluções. A propósito, falar em corte já provocava críticas na sua própria equipe, pela franqueza inconveniente. Marcelo dizia: "Você tem que escolher onde vai cortar para a reduzir a máquina pública e ter dinheiro para a segurança, para educação e saúde".
O próprio candidato sabia que sua mensagem não seria bem digerida. "O Estado do Rio de Janeiro tem mais de 400 mil servidores públicos, entre ativos e inativos", emendava. "Se pensarmos em todas as pessoas que dependem desses salários, teremos mais de um milhão de votos". Seus assessores imploravam: "Para de falar de cortes, pelo amor de Deus."
Teimoso, ele divulgou alguns números que considero oportuno reproduzir. À época, reportou que "na Polícia Militar 46,94% da folha era de aposentados, com uma remuneração média de R$ 9.814,80, enquanto os servidores da ativa recebiam, em média, R$ 6.256,26". Há um evidente despropósito se metade do gasto se refere ao custeio de uma força de trabalho que já não trabalha.
Pior é que esta parte aposentada, quase metade da despesa, recebe um salário 56,8% maior do que os que permanecem na ativa. Não é uma questão de ser justo ou injusto com quem trabalhou a vida inteira. É que esta conta não fecha. É dinheiro público, mas é finito. Alguma hora não vai haver dinheiro suficiente para pagar nenhum dos lados, porque a tendência é a desproporção aumentar.
Embora a solução passe pela questão administrativa, a conquista do direito de administrar passa pela questão política. E esta também não parece fácil de resolver. O Rio, como a quase totalidade do país, está encurralado por uma pancadaria virtual. Dois lados absolutamente despreparados para governar - e que já deram prova suficiente disso - gastam todas as suas energias se atacando. A exposição dos absurdos mútuos, porém, não faz ninguém reavaliar sua opinião anterior.
Confesso minha absoluta incompetência para provar a qualquer oponente, em uma discussão, que a água do mar é salgada. O interlocutor descaradamente refuta todas as suas afirmações, diz que você é um ingênuo manipulado e está bebendo de fonte envenenada. Pois é. Qualquer argumentação é inócua quando, diga o que se disser, nenhum dos dois lados cogita que possa estar errado.
A impressão que tenho é que todo cidadão enterrado na sua devoção a um político (Lula, Bolsonaro etc) se torna impenetrável ao exercício da dialética. Sua cabeça se torna infestada por utopias humanitárias, complôs maquiavélicos e ataques à Globo. Assim, espezinhado pela direita e ridicularizado pela esquerda, Marcelo, paciente, tentava avançar pelo caminho do centro.
"Meu verdadeiro desafio nos debates com a esquerda era o de encontrar o tom adequado para questionar o irrealismo por vezes embutido em seus projetos", confessa. "A verdade é que não é fácil lidar com a falta de realismo das propostas dos candidatos de esquerda, sobretudo quando a desconexão com a realidade é sincera, ou seja, decorre de uma divergência de visão de mundo, de falta de informação ou de ingenuidade. É difícil encontrar o tom para reagir nessas situações em que a plateia enxerga sinceridade e boas intenções no adversário. Há o risco de parecer um cético raivoso e amargo, que nega às pessoas de bom coração o direito de sonhar com dias melhores. O irrealismo é onde nos abrigamos em inúmeras situações da vida. Principalmente quando somos mais jovens, mas também quando, envelhecidos, conservamos um olhar lúdico para as coisas."
"Vejam o meu próprio caso", pondera Trindade. "Ao me candidatar, mesmo sabendo tratar-se de um desafio quase impossível, conservava o sonho da vitória arrebatadora. Por isso, rebater a possibilidade do sonho de esquerda, trazer o debate para o campo das possibilidades reais, sem parecer contraditório, não era trivial. Eu também estava exercendo meu direito de sonhar."
Um sonho distante. Marcelo percebeu que, na prática, todo o sistema joga contra os outsiders e os movimentos alternativos. A legislação, construída pelos políticos com mandato, busca preservar o poder para quem já o tem. Quem poderia pluralizar o cenário, os veículos de comunicação, perpetua a desigualdade, com a sua interpretação draconiana da legislação elaborada pelos políticos. Por exemplo, no horário eleitoral gratuito, Trindade tinha 4 segundos. Dia sim, dia não.
Pelo lado das tevês, a Globo era quem dava as cartas. Em 20 de agosto, Trindade foi avisado por e-mail como seriam as regras do jogo, todo ele baseado no percentual de intenção de votos. "Primeiro grupo: candidatos com 8% nas pesquisas, reportagens diárias de um minuto. Segundo grupo: de 4% a 8%, um minuto por semana. Terceiro grupo: menos de 4%, uma reportagem quinzenal de 40 segundos." As regras seriam copiadas pelas demais emissoras.
Trindade, que raramente se excede, aqui subiu o tom: "A divisão do tempo no horário dito gratuito nas emissoras de televisão é um caso de patologia digno de estudo. Como é possível que o Congresso Nacional tenha sido capaz de aprovar uma lei que atribui a um candidato ao governo do estado ridículos quatro segundos por programa eleitoral? Como é possível que o TSE ou o STF não tenham considerado essa norma inconstitucional?"
Reclamando que produzir um vídeo de 4 segundos custa o mesmo do que um "que mereça o nome", Trindade bradava no ar, na plenitude dos seus 4 segundos: "A velha política roubou nosso tempo, procura Trindade30 nas redes". Bizarra era a obrigação de incluir uma tradutora de libras: "O vídeo era acompanhado por uma moça desesperada tentando dizer o mesmo em linguagem para surdos naquele tempo irrisório, a fim de evitar que fossemos punidos por descumprir a lei eleitoral".
Bom humor não faltou. Marcelo queria entrar logo depois da inserção tradicional do candidato do PSTU ("Contra burguês vote 16"), dizendo: "A favor, 30!", mas o sorteio não favoreceu. Cogitou também contratar um sósia do Enéas, que diria: "O nome dele é Trindade!" Certamente não seria eleito com as piadinhas. Mas deixaria algum recall para a campanha seguinte - se é que haverá.
Não encontrei pistas dos prognósticos futuros do autor. Como se mantém nas redes, e lançou este livro, acredito que ele vai persistir. No que faz bem - é quase impossível, no Brasil de hoje, ser bem sucedido numa eleição majoritária sem partir de uma base de significativa popularidade. Até porque a curtíssima campanha eleitoral favorece os políticos já conhecidos.
Como prometi, dei uma pequena mostra das ponderações do candidato. Adoraria que os outros candidatos tivessem posto no papel suas experiências - seja os que tentaram para a presidência ou para o governo do estado. Até o Cabo Daciolo daria para encarar - difícil mesmo seria sobre as motivações do Levy Fidelix, que, imagino, não são lá das mais republicanas. No oportunismo da legislação eleitoral brasileira, ser dono de partido é tão bom, ou mais, do que ser dono de cartório.
As opiniões de Marcelo sobre os seus rivais pela vaga e também sobre os principais políticos do país são pertinentes. Até mesmo porque, como sobejamente demonstrado, ele vai contra a corrente dos que querem enfiar uma camisa-de-força ideológica em cada participante da discussão política. Liberal, tido como de direita, já foi doador de campanha do Alessandro Molon (ex-PT e hoje Rede).
Sua visão sobre a esquerda, como é do seu feitio, é equalizada. Trindade já via o boa-praça Tarcísio Motta, do PSOL, na última eleição sagrado o vereador mais votado do Rio, como conhecedor dos dados e da realidade. "Eu reconhecia a maneira aprofundada com que ele buscava debater e gostava disso", revelou Trindade, complementando: "Ele jamais se aproveitou de plateias simpáticas a ele para me excluir do debate ou negar legitimidade a uma visão diferente da sua. Não incentivava uma polarização raivosa."
Ele não diria o mesmo de uma outra candidata à esquerda. "Marcia Tiburi fazia caretas o tempo todo quando eu, ou outro candidato à sua direita no espectro político, apresentava suas posições nos debates. Quando chegava a sua vez, parecia-me despreparada, sem conhecimento dos dados, os quais buscava incessantemente folheando suas notas. Ela se limitava a um discurso genérico, que sempre acaba no 'Lula livre".
Do rival Índio da Costa, de cuja irmã Marcelo se diz amigo fraterno há 30 anos, más lembranças: "Um dos ataques mais baixos que recebi veio do seu campo. Políticos são assim: negócios, negócios, amigos à parte."
Witzel foi citação recorrente. Dele Trindade diz que "exibia uma autoconfiança que parecia desproporcional à realidade eleitoral supostamente retratada nas pesquisas". E, mais, destacou uma entrevista de Witzel à CBN em que o candidato dizia que "estava tão ocupado prestando serviços de advocacia durante a campanha, que fora obrigado a recusar clientes". Marcelo estranha, dizendo que "um candidato não tem tempo de trabalhar durante as eleições". Ele acrescenta então o que hoje todos sabemos: "Seu próprio partido, o PSC, lhe pagava honorários mensais desde que deixara a magistratura". Pelo que li nos jornais, parece que havia um acordo pré-candidatura neste sentido.
"Romário chegava ao cúmulo de não comparecer nem a debates importantes, como o do jornal O Globo (...). O Baixinho, que em campo dizia gostar de marcação, na política não queria jogar nem sozinho na área."
Paes era avaliado por ele como inteligente e atualizado sobre os novos conceitos de gestão pública, mas Trindade não acreditava que ele conseguiria administrar sem recorrer ao modelo fisiológico. Bem, dependendo do resultado da eleição de amanhã, em breve a cidade do Rio vai poder comprovar eventuais bem-vindas mudanças no perfil administrativo do "Dudu".
Sobre o João Amoêdo, queixas veladas. Ou nem tão veladas assim. Como quando se refere à primeira caminhada no Leblon, que reuniu centenas de pessoas, incluindo Bernardinho, Gustavo Franco e Armínio Fraga. Mas não Amoêdo. Trindade lamenta: "Só faltou um detalhe para que aquela manhã de junho nas praias do Leblon e de Ipanema fosse perfeita. A presença de João Amoêdo."
"Antes da caminhada, João Amoêdo enviou-me uma mensagem de incentivo, desculpando-se pela ausência provocada por uma contusão que o impedia de andar", explica Trindade, emendando: "As pessoas vinham me perguntar: cadê o João? E eu respondia como técnico de futebol: está machucado."
Mas, fora uma meia-dúzia de passagens em que Trindade deixa transparecer uma certa mágoa pelo que considera um baixo engajamento de Amoêdo em sua campanha para o governo do estado, no mais ele exalta a liderança e capacidade do fundador do empresário e dublê de político. Inclusive, Marcelo deixa evidente o quanto acredita nas possibilidades do partido.
Um caso que traz pistas do espaço potencial do Novo é oferecido por um dos seus primeiros vereadores eleitos, Leandro Lyra - então um jovem de apenas 26 anos. Lyra, que em 2016 entrou na Câmara carioca com 29.217 votos, decidiu em 2018 concorrer ao cargo de deputado federal. O problema é que isso que contrariava uma das regras de ouro do partido.
Pelo regulamento do Novo, um candidato eleito não pode concorrer a um outro mandato antes de terminar o que conquistou. Pois Lyra ignorou a regra e se candidatou - mas perdeu. Obteve 36.360 votos, enquanto o candidato eleito pelo partido para o Congresso, Paulo Ganime, atingiu 52.983 votos. Segundo Marcelo, a partir daí Lyra "passou a apoiar incondicionalmente Jair Bolsonaro e seu filho Carlos, e deixou de usar a cor e os símbolos do partido".
Trindade conclui dizendo que "em 2020, Leandro Lyra deixou o Partido Novo e acompanhou Carlos e Flávio Bolsonaro, filiando-se ao Republicanos, o partido do prefeito Marcelo Crivella". Numa pesquisa rápida na internet, é fácil achar dezenas de fotos de Lyra atestando sua adesão incondicional aos símbolos bolsonaristas, inclusive envergando a camiseta com o rosto do presidente.
Leandro Lyra candidatou-se este mês de novembro à reeleição para vereador, desta feita pelo Republicanos. Conseguiu 3.237 votos, o que montou a pouco mais de um décimo do que conseguira na eleição de 2016, pelo Novo. Já o Partido Novo obteve um total de 74.445 votos para vereador, sendo 14.637 deles exclusivamente na legenda - parcela que foi determinante para atingir o coeficiente eleitoral, pois seu único vereador eleito, Pedro Duarte, passou pouco dos dez mil votos.
Donde se conclui que a força do Partido Novo é o fator preponderante da eleição dos seus candidatos, até o momento. Um perfil partidário bastante diferente da maioria dos demais partidos, considerados - até pelos próprios políticos, que não escondem seu desprezo pela fidelidade às siglas - meras barrigas de aluguel para projetos individuais.
Será que o Partido Novo conseguirá superar a barreira que o separa dos eleitores menos esclarecidos? Terá sucesso em disseminar sua filosofia política para além dos condomínios da Zona Sul do Rio e de outros bastiões da vanguarda sócio-cultural das capitais do país? E será que conseguirá isto a tempo de alterar o rumo pouco promissor pelo qual avança a nossa política? A ver.
Amanhã, porém, é dia de voto e o Novo não está na briga. Só o velho, representado pelos veteraníssimos ex-prefeitos Eduardo Paes e Marcelo Crivella. Tudo leva a crer que o povo do Rio vai de Paes. Há quem defenda tratar-se de um voto anti-Crivella. Faz sentido. Tanto, que tudo que o próprio Paes desejava era enfrentar Crivella no segundo turno. Conseguiu.
Porém, nesta estória de votar anti-um, anti-outro, os eleitores cariocas seguem legitimando administrações anti-Rio e anti-Brasil. Não dá a menor pinta que vamos sair desse círculo vicioso.
Pode estar um pouco datado, mas, sobre o Paes, que também chegou ao segundo turno dois anos atrás, Marcelo Trindade havia dito, ainda no início da campanha de 2018: "O discurso do Paes e do PMDB é um discurso de sequestrador, o discurso do medo. Tentam dizer que é melhor aderir ao voto útil e eleger Paes do que botar Romário ou Garotinho no governo. Eu digo que esse é o voto inútil. Se a gente sofreu 12 anos nas mãos do PMDB e vota em um candidato do PMDB, você joga a oportunidade no lixo, porque já sabe qual vai ser o resultado."
É. Nós já sabemos.
Editora Estrada Real, 286 páginas
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