"A casa", por Chico Felitti
João Teixeira de Faria, 79, vulgo "João de Deus", saiu de casa no último fim-de-semana para se internar na UTI do hospital Sírio e Libanês, em Brasília. Em janeiro o paciente havia sido condenado a 40 anos de prisão (pelo estupro de cinco mulheres), um mês após ser sentenciado a outros 19 anos (pelo estupro de outras quatro mulheres). Mesmo para quem não estava familiarizado com o caso, este número já impacta. Mas estas nove mulheres violentadas somam menos de 3% das 320 denúncias de crimes sexuais que Faria é acusado de cometer.
E tem mais. Há também contra o apenado outras suspeitas em investigação e outros inquéritos em andamento - a maioria por posse ilegal de armas de fogo (além de um arsenal de armas curtas, ele tinha uma potente bazuca de guerra no quintal, à guisa de decoração). Um destes inquéritos já resultou na sua condenação a 4 anos de prisão. Foi sua primeira condenação, a propósito.
É lícito supor que, a despeito do que ainda está por vir, o montante já significasse uma boa pena. Na prática, porém, não é assim que funciona. Se ilude quem pensa que o sentenciado esteja sujeito a só sair da cela aos 109 anos, após cumprir a pena máxima brasileira de 30 anos de cadeia. À vera, ele sequer foi para ela. Os 63 anos de pena e os 9 feminicídios cometidos não foram avaliados uma dose penal suficiente para que o juiz responsável considerasse Faria mais adequadamente domiciliado em uma penitenciária do que numa residência. Por ordem do magistrado, o estuprador está como nós: confinado em casa (no caso específico dele, uma mansão).
"Cuidemos dos nossos idosos". Como Faria era um velho criminoso, talvez o mote tenha trazido à tona a veia piedosa do juiz. Zeloso, se preocupou em manter o estuprador a salvo do coronavírus.
Mas, até o momento em que escrevo, nem ele contraiu covid, nem começou a pagar as penas às quais foi condenado. Refeito do susto, deixou a UTI ontem, na hora do almoço, e foi para o quarto. Na unidade intensiva, não chegou a ser entubado - mas seu médico particular reforça que sua situação é de risco. O maior deles, porém, é o risco de escapar à Justiça, a qual ele vem driblando há algumas décadas.
Sua história, conhecida de forma fragmentada até pouco tempo atrás, atualmente é de domínio público. Porque, depois de anos de uma idolatria restrita aos iniciados, suas centenas de crimes começaram a pipocar na mídia como grãos de milho malocados numa panela quente. O estopim foi a corajosa denúncia de uma jovem holandesa, Zahira Lieneke Mous, 34, que aceitou fazer o que as mulheres não se sentem seguras de fazer quando são violentadas - ela mostrou a cara. A partir daí, com um rosto, os crimes do estuprador se tornaram matéria no Fantástico, uma série foi lançada, um livro foi publicado. É dele que falo aqui.
Como vocês sabem, não resisto a um bom livro, dedicado à estória que se propõe contar. Gosto dos detalhes - como dizem, é lá que o diabo mora. Pena que esta não é uma ansiedade generalizada. Por falta de tempo, curiosidade ou paciência, sei de antemão que poucos lerão a bem apurada obra de Felitti. Mas, por outro lado, muitos verão o vídeo. Já é pra lá de bom.
Está há alguns meses disponível em streaming a série documental "Em nome de Deus". Vi o primeiro episódio. Excelente. Mais que isso, tem um privilegiado lugar de fala, com o protagonismo de Pedro Bial e sua roteirista, Camila Appel. Foi no seu programa de TV, "Conversa com Bial", que a holandesa citada acima fez a denúncia dos estupros praticados pelo mundialmente celebrado John of God.
Na verdade, o criminoso já vinha sendo denunciado desde os anos 90, sem grandes (nem pequenas) consequências, como conta em profusão de minúcias o sóbrio livro de Chico Felitti, que recomendo para quem queira se inteirar da trajetória do facínora. O texto, embora acrescente pouco ao já conhecido, tem por maior mérito expor de forma aguda e organizada a longa trajetória de crimes do priápico médico espiritual.
Faria tem pedigree. O pai era maluco de manicômio. A mãe era vidente. Ele trazia o dom de casa. Embora no início da carreira tenha tido outros endereços menos bem sucedidos, foi em Abadiânia que ele fincou sua espada, numa sorveteria falida que ele alugou, afastou os freezers e encheu de macas. A fila de pacientes ávidos por curas do além se estendeu ali por 40 anos. É muito tempo para um charlatão.
O autor relata denúncias dos primeiros tempos, de "doentes" que eram contratados para simular paralisia, seguida de súbita e miraculosa recuperação após uma cirurgia fake conduzida pelo João Curador. Ou do uso de Cibazol, um antibiótico, que ele espremia o pó na mão. O fio de água entrava limpo e descia vermelho pela ação do Cibazol, aparentando escorrer sangue das operações sem anestesia praticadas pelo Curador. A plateia se maravilhava.
Ele não fez dessas só no Brasil: em uma das suas teatrais aparições no Peru, João curou a dona de casa Maristela Vasquez, que chegou de muletas e saiu sem elas, coxeando. Os repórteres locais foram entrevistá-la. Señora Vasquez não economizava: "É um milagre! É um homem de Deus!" Um repórter de melhor memória questionou-a se ela também não havia sido curada da mesma doença alguns anos atrás, quando da visita de uma imagem da Virgem Maria à Lima. A septuagenária, cada vez melhor, subiu nas tamancas e tentou dar um pau no jornalista inconveniente: "Usted miente! Usted miente!" A exdrúxula cena está disponível no YouTube.
Mas também na Casa de Dom Inácio de Loyola santo de casa não faz milagre. A mãe de Faria teve um câncer agressivo no rosto, que a deformou. De pronto o Curador receitou a construção de um muro alto ao redor da casa da mãe, para que não se testemunhasse a sua doença, nem a falta da cura.
Um truque recorrente do curandeiro era o de enfiar uma tesoura inteira no nariz do crente. Como se vê nos muitos vídeos de divulgação do seu negócio, Faria metia a tesoura, rodava e se virava para a plateia, ou para a câmera, com uma expressão de "tá vendo só a proeza que eu fiz?" A performance foi condenada na rede pelo dr. Joe Schwarcz, diretor da Universidade McGill. O médico explica que a cavidade nasal pode realmente acolher uma tesoura inteira. Ele demonstrou como usando um boneco cabeça de batata. E explicou: "Eu nunca faria isso em um humano. Eu não sou louco."
Outra estripolia boa do Faria foi aquela de tentar contrabandear uma tonelada de autunita, minério radioativo, na caçamba da sua picape, há 35 anos. O carro foi apreendido com o minério sendo transportado pelo Curador, seu sobrinho Wagner e mais três outros sujeitos: Diomar, Jerônimo e Possidônio. Era assunto de segurança nacional, pois é da autunita que se obtém o urânio. Em 18 de novembro de 1985, o SNI registrou que a quadrilha extraiu 1.030 kg de autunita de um garimpo próximo a Dianópolis, e seguia em direção ao aeroporto de Alto Paraíso, onde a encomenda seria despachada para a Guiana. Faria era dono das três armas encontradas no carro - uma delas em sua cintura, com a numeração raspada - e declarou ter combinado receber 4 milhões de reais (em dinheiro de hoje) pelo frete. Não recebeu a bolada, mas escapou de ser preso.
Na verdade, escapar da prisão passou a ser uma das suas especialidades, doravante. Não que não soubessem dos seus crimes, ou do seu paradeiro. O pessoal só não o prendia. Ao redor da Casa - que era como todos chamavam o centro espiritual - o que nunca faltou foi crime.
Como o do sargento da reserva Francisco Borges de Siqueira, o Borjão. Tomou dois tiros à queima-roupa, pelas costas, no estacionamento, quando saía da Casa, abraçado a Urubatan Andrade da Mota, 26, sobrinho de Faria. A estória é enviezada e, resumindo, conta que Borjão era frequentador do local e que as duas filhas menores de idade do Borjão vinham se relacionando sexualmente com o Urubatan nas dependências da Casa.
Borjão, parece, quis fazer "do limão uma limonada" (expressão que ele usou em um bilhete enviado ao Curador) e conseguir um dim-dim em troca de não abrir o bico. Aparentemente, a Casa resolveu economizar no acordo e gastar com pistoleiro e munição. Isaac Jorge Vasconcelos, 33, e José Aldo de Almeida Mota, 21, pegaram o serviço. Descobertos e acusados, o processo se arrastou por 22 anos. Em 2010 os matadores de aluguel pegaram 12 anos. Urubatan foi julgado muito antes, em 1993, e foi absolvido, por 7 a 6. Faria, eventual mandante, figurou apenas como testemunha.
Uma outra testemunha de defesa de Urubatan experimentou o mesmo azarado destino de Borjão, no mesmo lugar. Ô carma. Mário Augusto dos Reis, que tocava com a esposa a cantina da Casa, tomou onze tiros no estacionamento. O modus operandi se repetiu, com dois executores descarregando as armas na vítima, de costas. Também de novo Urubatan era suspeito. A questão aí era disputa por fatias do mercado alimentar.
Aventava-se que os carrinhos de suco, em formato de laranja, gerenciados pelo sobrinho do Curador, tenham sido o pomo da discórdia. Os laranjinhas, lembra? marcaram época. O processo que acusava Urubatan foi finalizado sem sua presença. O acusado explodiu dentro de um bimotor 65-A80 , que despencou em parafuso sobre o bairro de Lourdes, em Anápolis (trata-se do mesmo modelo que, num longínquo futuro, cairia, matando Teori Zavascki, ministro do Supremo).
Quinze anos depois, o laudo sobre a queda do avião foi dado por inconclusivo. Em 2010, o finado Urubatan foi considerado como mandante do crime. Não alterou sua posição no cemitério, mas mexeu com seu patrimônio. Faria processara o sobrinho defunto para pegar dois milhões de volta.
Estrangeiros também morriam misteriosamente. A alemã Johanna Hannelore Bode, 65, veio à Abadiânia atrás do filho viciado em drogas, que aportara na cidade em busca de uma cura mística. Ao visitar a Casa e presenciar o que considerou um engodo, a mãe passou a espalhar no comércio local que iria denunciar o charlatanismo na internet. Não teve tempo. Em 27 de junho de 2006, ajoelhada numa rua de terra a cinco minutos do centro de tratamento, ela recebeu um tiro à queima-roupa que entrou pelo queixo e foi parar no tórax. O inquérito não menciona o nome de Faria. O processo foi arquivado. A embaixada alemã ignorou a morte da compatriota.
Deixando um instante os tiros de lado, o livro detalha também os estupros acontecidos enquanto o médium tratava as pacientes. Alguns, na presença dos próprios parentes da estuprada - pai, mãe, tio, avô -, que ficavam de olhos fechados, em oração, enquanto Faria se mantinha em ação. As abusadas muitas vezes choravam, gemiam e tentavam dificultar. Faria não amolecia. Coagidas, amedrontadas, muitas se submeteram à dureza do tratamento à moda da Casa por anos a fio.
A armadilha sexual de João seguia um protocolo. Quando alguma visitante agradava ao curandeiro, ele pedia que ela o aguardasse ao lado da porta do seu escritório, ao fim da sessão. Os assistentes do curandeiro conduziam a paciente ao local. Dezenas de vítimas descrevem da mesma maneira a sala de João, os prolegômenos e os finalmentes. O espaço era composto de uma sala grande, um sofá confortável e um banheiro, com toda a lenga-lenga de símbolos religiosos e frases de consolo pendurada nas paredes. O curador dizia que estava dando uma benção especial e colocava o membro para fora, para que a abençoada segurasse e manipulasse o instrumento de cura. A masturbação, com ejaculação, era o carro-chefe do abusador. A penetração era eventual.
O autor entrevistou uma das abusadas, A., sete anos depois do crime. "Você quer saber do que eu me lembro, né? Eu me lembro de tudo." Ela foi à Casa em julho de 2012, com duas amigas. Queria se livrar das cólicas. Faria, que dizia incorporar o espírito do dr. José Valdivino, lhe convocou: "O médium quer lhe ver. Quando terminar o atendimento, vá à sala dele." Ela esperou do lado de fora do escritório. Era a última de uma fila de seis mulheres.
Quando chegou a sua vez, Faria ficou às suas costas. Diz A. que ele começou a alisar seu ventre. "Eu achei que fosse um passe na região em que a doença estava." Ele avançou. "Ele apertava a minha bunda com as duas mãos, uma de cada lado." O curandeiro dizia: "É, você vai precisar de uma limpeza. De uma boa limpeza." Ele empurrou seus ombros para baixo, para que ela ajoelhasse. Abriu o zíper e pôs o pênis para fora. "Eu lembro daquele pinto mole, nojento, cheio de pele. Eu lembro que a unha do dedão dele estava roxa, parecia que ia cair. E eu olhava para aquela unha enquanto ele colocou uma mão atrás da minha cabeça, e com a outra segurava o pau meio mole dele. Eu foquei nessa unha como se fosse um jeito de fugir. Eu pensava em gritar, mas eu não consegui na hora, eu não tive força e..."
As amigas não foram convidadas a ir à sala de João. A. jamais contou às amigas o que aconteceu. Oito meses depois conseguiu um diagnóstico para as suas cólicas - endometriose, uma inflamação no endométrio, o tecido que reveste o útero. Fez três cirurgias e ficou curada. Mas a visita à Casa gerou um estresse pós-traumático. Passou a ter ataques de pânico. "Eu fecho os olhos e sinto o cheiro daquele dia. De sabonete Dove. Sinto o cheiro da pessoa que você odeia."
Porque as vítimas se calavam? Além da vergonha, da inaceitação da experiência e da sensação de sujidade que tomava as vítimas, havia toda a aura que cercava o Curador. Um homem santo, quase uma divindade, que milhares de pessoas esperavam dias para ver. Brasileiros e estrangeiros de todo o planeta vinham reverenciá-lo. Além da multidão de anônimos fragilizados, artistas, políticos, juízes, celebridades vinham se entregar ao médium. Muitos davam depoimentos públicos, de autêntica veneração, após serem atendidos por ele. Xuxa ("Ele é um iluminado") e a norte-americana Oprah Winfrey ("Me senti muito humilde ao ver o que eu vi") são exemplos . Se é sempre difícil denunciar um estupro, este era ainda mais.
Até hoje sob o impacto do crime, A. desabafa: "Você está lá disposta a acreditar em uma coisa que é misteriosa, que não é normal. Está todo mundo de boca aberta o dia inteiro, vendo cura atrás de cura. Isso cria uma confiança, é como se todo mundo ali compartilhasse um segredo que o mundo ainda não sabe. Um milagre. E ele abusava dessa confiança."
Após as denúncias se avolumarem país afora, A. compareceu ao Ministério Público e prestou seu testemunho. O crime está prescrito pelo "prazo de decadência" para crimes sexuais. Ela sabe que não ganhará o processo, mas tenta uma catarse. "Na minha cabeça é como se estivesse acontecendo ainda. O tempo todo, acontecendo. Eu só espero um dia que minha vida ande pra frente."
A sanha bolinadora do Curador não conhecia fronteiras. Em 2010, em uma das suas dezenas de viagens internacionais (onde era tratado como se fosse o próprio Dalai-lama), uma mulher denunciou Faria por abuso sexual. Ela compareceu à delegacia da pequena cidade de Sedona, Arizona, EUA e registrou que John of God "a obrigou a pegar em seu pênis na frente do marido e da filha de doze anos". O registro policial da denúncia permanece acessível. Não houve processo. Segundo Felitti, parece que um cheque de 60 mil dólares chegou à conta do marido.
O autor optou por entremear capítulos. Uns avançam de forma cronológica, detalhando a formação do Curador, outros estão no tempo presente, que mostra a Abadiânia à beira do colapso, sem o guru popstar que atraía milhares de devotos e milhões de reais à cidade. Na verdade, a Abadiânia oficial continuou pobre; quem enriqueceu foi o trecho do outro lado da estrada, onde o João Curador ergueu uma nova cidade, na qual ele, informalmente, era prefeito, juiz e polícia.
Esta parte mais bem aquinhoada sempre pagou pedágio para o Curador. É prática comum no Rio, nas zonas dominadas pela milícia, e nas regiões de atuação da máfia, mundo afora. O dinheiro extorquido tinha até um nome: "salário da entidade". Do motorista de táxi (meio salário) ao dono de pousada (um salário), passando por qualquer lojinha de uma porta só que vendesse bugigangas, todo mundo pagava um pedágio mensal para trabalhar nas margens do fluxo caudaloso de gente que o João trazia à Abadiânia, com alguma grana e muita esperança. Boa parte de ambas ficava por lá mesmo.
Rico mesmo ficou o curandeiro. Milionário, aliás. Ganhava dinheiro que nem água. Esta, a propósito, respondia por um terço da receita da Casa. O Curador prescrevia três garrafas dágua fluidificada para cada paciente. A quinze reais cada, R$ 45,00 no total, mais os remédios (o outro terço), multiplicado pelos milhares de visitantes mensais, dá para calcular a fortuna. Já a Receita Federal não calculava. É que, além da casa não emitir nota de praticamente nada, no Brasil dinheiro de "igreja" não paga imposto.
O Ministério da Fazenda conseguiu mensurar uma parte da sua fortuna apenas por meio do Coaf, departamento que supervisiona as movimentações financeiras. Logo após as denúncias, detectou que Faria, assustado, baixou 35 milhões de reais das suas aplicações para a conta-corrente. Suspeita-se que a abrupta transferência de fundos visava financiar uma eventual fuga.
Mas o Coaf só identificou a movimentação em reais. Boa parte do faturamento de Faria se dava em moeda forte - dólares, euros e libras. Hordas de turistas norte-americanos e europeus afluíam à Abadiânia, em busca da revelação espiritual e de transcenderem a este mundo cão. Eram milhares por ano. O negócio ficou tão organizado que as excursões internacionais também pagavam o salário da entidade, renomeado aqui de "doação". Uma taxa fixa de 400 a 1.000 dólares, dependendo do tamanho do grupo. E às taxas eram acrescentados mais uma comissão de 10% sobre o valor total faturado pela excursão.
Dinheiro, entretanto, pertencia à matéria. Os fiéis cruzaram o planeta em busca de um portal para o outro plano. John of God era o seu guia. O fascínio era tal que, nas noites de dezembro, os gringos cantavam animadamente nas dependências da casa, ao som de Jingle Bells: "John of God/ Entities/ Dom Inaci-o/ Thank you so for healing us/ In body, mind and so-ul!"
Mas tudo tem início, meio e fim. Uma guia turística norte-americana, Amy Biank, que visitou Abadiânia 48 vezes (trazendo ao todo 1.500 turistas), certa vez inadvertidamente surpreendeu o curandeiro numa situação libidinosa com uma fiel. João, com presença de espírito, mandou que Amy sentasse e fechasse os olhos. Deu prosseguimento ao trabalho que já fazia e, ao fim, congratulou a fiel: "Parabéns, você passou no teste." Ela, atônita, ficou em dúvida se entendeu o que tinha visto. Mas na última vez em que esteve na casa, viu uma criança sair da sala do Curador com esperma ao redor da boca, que uma funcionária do centro correu para limpar, alertando: "É ectoplasma!" Biank podia não conhecer este, mas conhecia aquele. Estupefata, começou a falar além do que devia.
À noite, avisado, o próprio João foi à pousada e lhe disse: "Quando eu sou João, eu sou só um homem. E um homem tem necessidades." Outros lhe disseram: "Mulheres brancas desaparecem no Brasil o tempo todo. Você deveria pegar um avião agora e ir embora." Alguns anos depois, Amy foi entrevistada por Pedro Bial, ao lado da holandesa Zahira, no programa que revelou os crimes do estuprador. O escândalo, enfim, foi imediato. O assunto dominou o noticiário e foi para os trending topics das redes sociais. Era o ponto final da sua longa carreira de abusador.
Depois da prisão de Faria, a cidade virou um deserto. Sem o curandeiro, não havia peregrinos. Os que vieram para fazer a vida retornaram às suas origens. O povo local não tinha esta alternativa. Voltou para a sua vidinha de sempre, se isentando diante da repercussão gerada pela descoberta das atividades de João. Há quem critique. Como Paulo Paulada, ex-gerente da Casa, que depois virou desafeto. "As pessoas daqui, no meu ponto de vista, são todas cúmplices, a cidade toda. Porque enquanto todo mundo vivia de lá e ganhava o dinheiro de lá, ele era bom. Agora, ele não presta." Paulada desfere: "Agora que a onça morreu todo mundo quer tirar foto com ela."
João se dizia médium e eu me digo espírita. O que não me dá nenhum ponto-de-vista especial como leitor da estória do João Curador. Porque embora a fé tenha sido ferramenta para a concretização da maioria dos seus crimes, eles são apenas isso. Crimes.
Roger Abdelmassih, outro estuprador em série que vez por outra goza da liberdade (este é um país que nunca se sabe quem está solto e quem está preso), também foi alvo de centenas de denúncias. Ao invés de curas, ele prometia filhos. Falo dele aqui no blog, em "A clínica". O médico Roger estuprava mulheres anestesiadas na sua clínica de fertilização e as engravidava com seu próprio sêmen. O médium João estuprava mulheres amedrontadas na sua casa de cura e algumas vezes atirava nelas, para matar.
Felitti quase não escreveu o livro, por receio de uruca: "Tinha medo de mexer com misticismo", revela. Bom que resolveu escrever. O tema é relevante e Chico é do ramo. Abrangente, aborda muitas facetas do condenado João Teixeira de Faria - o fenômeno da mídia, dos negócios e das curas -, enquanto desfia seu rosário de estupros. É muito assunto. Sugiro a leitura. Já eu aqui me restrinjo mesmo ao criminoso.
João se dizia médium e eu me digo espírita. O que não me dá nenhum ponto-de-vista especial como leitor da estória do João Curador. Porque embora a fé tenha sido ferramenta para a concretização da maioria dos seus crimes, eles são apenas isso. Crimes.
Roger Abdelmassih, outro estuprador em série que vez por outra goza da liberdade (este é um país que nunca se sabe quem está solto e quem está preso), também foi alvo de centenas de denúncias. Ao invés de curas, ele prometia filhos. Falo dele aqui no blog, em "A clínica". O médico Roger estuprava mulheres anestesiadas na sua clínica de fertilização e as engravidava com seu próprio sêmen. O médium João estuprava mulheres amedrontadas na sua casa de cura e algumas vezes atirava nelas, para matar.
Editora Todavia, 260 páginas
P.S.: Convém sempre dar uma atualizada no Google para saber o paradeiro da dupla. Como já são ambos velhos e doentes, em breve estarão debaixo da terra. Enquanto não, nunca se sabe se dormem numa prisão ou num resort.
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