"Os onze", por Luiz Weber e Felipe Recondo

terça-feira, janeiro 28, 2020 Sidney Puterman

Eu ia deixar passar este. Com cada vez mais lançamentos, o mercado editorial vem se alargando, mas o meu tempo não. Só que um amigo de bom gosto literário me soprou que o livro era bom. Tive que conferir. Ele não se enganou. É mesmo bom. O texto dos autores é ácido. Assim, aproveitei o recesso de fim de ano, quando o eminente colegiado do Supremo está de férias, para uma leitura relaxada. Neste período do ano, com a suspensão de verão da labuta dos doutos jurídicos, eu não seria premido pela urgência de superar um conteúdo dia a dia mais defasado, com novas jurisprudências e manifestações de (in) segurança jurídica - fazendo do livro uma petição prematuramente vencida (bem, com os ministros Toffoli e Fux despejando liminares a três por quatro em pleno recesso, nada é totalmente seguro). Isto posto, e como esta é uma variável que nem eu, nem o Brasil, temos como evitar, fiz como me propora: relaxei e me deleitei. Os autores entendem do riscado. Escrevem com uma tal propriedade que parecem pertencer ao próprio Supremo que reportam (pela forma como dispõem os votos na bancada, eu os arrolaria na ala mais conservadora). Economizam nos adjetivos e adjetivam com as aspas. São ferinos e demolem os ministros, um a um (exceto dois, adivinhe quais). Escopo rabiscado e com todas as cartas na mão, dão a partida no livro com o cataclisma no STF que foi a morte de Teori Zawascki, no trágico e inusitado acidente aéreo, para daí abrirem as valetas que conduzirão, Brasília afora, o caldo em brasa da fogueira de vaidades do tribunal (com o perdão do clichê). Se o antigo ministro Sepúlveda Pertence havia cunhado o adágio de que o Supremo era um "arquipélago com onze ilhas incomunicáveis", a imagem de Oliver Holmes, juiz da Suprema Corte Americana, era menos generosa: "nove escorpiões numa garrafa". Muitas das revelações foram fornecidas em off e é com estas inconfidências que a dupla de jornalistas constrói o perfil de cada ministro, revelando segredos de alcova e acordos subreptícios. Com método e frequência, se valem da informação de cocheira que os colegas de toga destilam e, mais o lastro de futricas técnicas, compõem um painel que revela os ciúmes, os egos, os deslizes e as tramoias dos ministros do Supremo (juntando aí que pinçam a dedo passagens dúbias do currículo de cada um). Mas tudo feito de modo republicano, que é como hoje em dia se diz quando as coisas não são republicanas. Dizia eu que a publicação abria com a lacuna deixada por Teori, em meio ao julgamento da Lava Jato. Recondo e Weber já se valem desta questão mais momentosa para situar quem é quem e como os ministros se posicionaram a respeito dos ventos frios de Curitiba (os jornalistas me pouparam deste bordão do Gilmar, mas eu não poupei vocês). Fachin, que veio a substituir Teori, é o protagonista deste trecho, com holofotes também sobre a gestão de Carmen Lúcia, a respeito de quem não dizem nada de bom, exceto duas ou três desimportantes concessões. Voltando a Fachin, o ministro paranaense é descascado (voltaria a levar uma coça no quinto final do livro). Os autores retrocedem também com densidade ao momento da Ação Penal 471 - o Mensalão -, para mostrar os embates internos do tribunal, principalmente o conflito constante entre o relator, Joaquim Barbosa, e o revisor, Roberto Lewandovski. Descascam também a ambos. Nas páginas derradeiras, convocam as circunstâncias que cercaram a prisão e as tentativas de soltura de Lula para condenar a quase totalidade do tribunal. Ao jogar luz sobre estes dois maiores temas da esfera político-criminal do século XXI no Brasil, os autores exibem o atual STF como uma instituição política, um Poder Moderador em constante queda de braço com o Câmara e o Senado. Ao dar destaque a uma outra máxima da Suprema Corte americana, desta feita de Antonin Scalia, o livro deixa claro que o currículo ideal para chegar a ministro do Supremo tem motivações pouco acadêmicas: "a diferença entre um advogado e um ministro do Supremo é que este último é um advogado que conhece o presidente". A sentença, espirituosa, talvez não se encaixe tão bem aqui. Lula mal conhecia quem indicou, Dilma idem. Mas não pense que os autores escreveram um livro contra o Supremo - escreveram, sim, um livro contra este Supremo. Não que o Supremo dantanho fosse um modelo de virtude; definem os autores que "por muitos anos o tribunal fora essencialmente expressão de uma elite política dirigente". Quando ameaçou deixar de sê-lo, no galope do julgamento do Mensalão, o ex-presidente Lula, apreensivo, analisou, bem ao seu estilo: "Os caras estão com cagaço da opinião pública". Este temor, aliás, é empregado diversas vezes no texto para rotular o ministro Luís Fux, próximo presidente do STF. Defende a dupla de jornalistas que Fux tinha um perfil, enquanto candidato ao tribunal, de um juiz garantista, e, uma vez instalado na cadeira, mudou para punitivista, pressionado que foi pela mídia e pela opinião pública, após seu voto contrário à Lei da Ficha Limpa. Mais do que mero vira-casaca conceitual, Recondo e Weber associam Fux ao maior condenado por corrupção da história da justiça brasileira ("Fux chegou ao Supremo graças à costura de muitos padrinhos, mas publicamente apoiava Cabral como o jóquei de sua candidatura. 'Uma pessoa que contribuiu muitíssimo para mim, na caminhada para o Supremo, foi o governador Sergio Cabral', contou Fux à FGV.") Mas um ponto que os autores destacam com ênfase é a lenta progressão do Supremo ao protagonismo político, postura esta que se estendeu para muito além da coletividade do tribunal. Se em 2008 o cientista político Oscar Vilhena havia popularizado o termo "supremocracia", cunhando uma expressão que representasse a crescente influência do STF sobre os demais poderes, um artigo dos professores Diego Arguelhes e Leandro Ribeiro, em 2018, referia a "ministrocracia" que passou a imperar, quando as decisões monocráticas de exceção passaram à regra (os mesmos professores haviam também elaborado a expressão "individual judicial review", para se referir ao cabuloso poder de cada ministro de revisar as decisões do Congresso e do Executivo).  Após estas oportunas referências, Weber e Recondo sintetizam sua visão do Supremo: "Onze ministros com poderes de conceder liminares sobre temas sensíveis, atuando isoladamente, debruçados sobre um texto constitucional verborrágico, de olho nas timelines e adeptos da 'Living Constitution." Complementam os autores: "Tudo é possível." Pior que é, como acompanhamos diariamente. Não à toa, eles exibem a contradição de Gilmar Mendes, que em 1999 se jactara de ser "o pai dessa porra", ao se referir à Lei 9868 (que reza que "medidas liminares decididas de forma monocrática são de regra ilegais"). Mas o próprio "pai dessa porra", em 2016, suspendeu por liminar a nomeação de Lula como Chefe da Casa Civil de Dilma, decisão tomada de forma monocrática - ou seja, ele agiu de forma contrária a que preconizava a lei que ele mesmo criara e da qual se gabara. Para quem ficou surpreso com o linguajar chulo do ministro matogrossense, os autores mostram que há muito mais da mesma lavra. Quando a Crusoé denunciou os patrocínios privados da faculdade particular da qual Gilmar era sócio (isso mesmo que você leu, ministros do nosso Supremo são empresários e o produto é o próprio Direito), ele foi interpelado por um repórter da Folha de São Paulo, e respondeu de chofre: "Devolva a pergunta a seu editor, manda ele enfiar isso na bunda". A postura belicosa de Gilmar costuma deixar o clima tenso entre os próprios integrantes do STF. Há dois anos, quando Fux cruzou com Mendes no corredor, e este disse àquele que precisavam conversar, Fux, judeu faixa-preta de jiu-jitsu, antecipou: "Se me ofender, eu te meto a mão na cara". O diálogo foi testemunhado e divulgado pelo veterano jornalista Augusto Nunes (que no mês passado trocou sopapos entusiasmados com Glenn Greenwald), mas foi refutado por Mendes, que escreveu a ele ("Augusto, vc tah abusando da cocaína: se cheirar, não grave, não fale, não escreva") e ao patrão de Nunes, chamado intimamente pelo apelido: "Tutinha, vc viu a informação divulgada pelo Augusto Nunes. Ele parece estar abusando da cocaína." Um dos personagens dominantes de "Os Onze", o Gilmar descrito no livro é o dono do tribunal (chegou a se aliar a um senador, Renan Calheiros, para derrubar a liminar dada pelo colega Marco Aurélio contra o senador em questão), um capo que abusa do estilo mafioso e da multi-ramificada rede de relacionamento, que faz questão de manter ativa e alimentada, com políticos e jornalistas. A sua própria decisão monocrática que impediu a posse de Lula como ministro de Dilma teve origem, de forma invertida, nos encontros ecumênicos que gostava de manter. Um deles foi com Lula e Nelson Jobim (defensor da doutrina do consequencialismo, que aconselha balancear as consequências antes de se proferir uma decisão), na casa deste, amigo também do ex-presidente Fernando Henrique e ex-colega de STF de Gilmar. Em meio a alguns uísques (hábito que Lula e Gilmar costumavam dividir, os dois, a sós, no próprio gabinete de Lula enquanto presidente) e entrega de uma lembrancinha de Guiomar para Marisa, o pernambucano teria sondado o matogrossense sobre o julgamento do Mensalão. Um mês depois, parte do que foi dito na reunião a três veio a público, de forma desfavorável a Lula. Nas palavras de Mendes, "ele veio com aquele cerca-lourenço", "uma conversa de bar, como diria a Guiomar". Segundo os autores, Gilmar resolveu vazar a conversa, de forma comprometedora para o ex-presidente, como vingança às notícias que ele considerava plantadas nas duas últimas semanas pelo PT, sobre sua proximidade com o senador Demóstenes Torres, que acabou cassado. O desentendimento entre Lula e Gilmar iria desaguar, de forma contundente, em 2016: ao dar a liminar que impediu a confirmação do nome de Lula no ministério de Dilma em Brasília, Gilmar declarou que "aqui ocorre uma ironia que na psiquiatria diz que o criminoso volta ao lugar do crime". Águas passadas. Se antes amigos e depois passaram a adversários, hoje são aliados novamente. E águas ainda mais antigas passam pelas margens de "Os onze", que bem poderiam ser "Os vinte", de tal forma os autores foram além da atual composição do STF. A performance de ministros que marcaram época na casa, dos anos 70 para cá, ganha holofotes. Alguns com mais aplombe do que outros. Dos ministros que já deixaram o Supremo, à exceção de Joaquim Barbosa, protagonista natural do Mensalão e portanto um dos mais citados, quem aparece em muitos dos papos conciliatórios é o boa praça Carlos Ayres Britto. Ele é, a propósito, o ponta-de-lança de uma série de magistrados petistas que passaram a dominar o tribunal. Pouco depois de ter assumido a toga, Ayres não se fez de rogado, e falou ao Correio Braziliense: "Eu sou convictamente petista. Acho que é o partido que mais tem condição de responder aos desafios do novo tempo. Uma coisa que eu admiro muito no PT é esse compromisso mais orgânico, mais visceral, com a ética administrativa. Acho isso notável do ponto de vista partidário." Houve outros ministros ligados ao partido que foram além, se queixando inclusive de terem sido ignorados, a despeito do seu grau de comprometimento. Lewandovski, que vinha trabalhando pela indicação de Alberto Torres para a vaga do próprio Ayres Britto, reagiu indignado, ao saber por Gilmar Mendes que Luís Roberto Barroso era o indicado, e chamou um auxiliar de Dilma Rousseff ao seu gabinete: "Como, na condição de aliado, ele podia tomar conhecimento da indicação por alguém que considerava adversário do Governo? Isso eu não posso admitir". Anos antes, Lewandovski fizera o que estava ao seu alcance, como revisor, para inviabilizar o julgamento do Mensalão, assim protegendo o governo. Bate-bocas entre ele e o relator não faltaram, como quando, já na fase de julgamento dos recursos dos condenados, Lewandovski sugeriu adiarem para o dia seguinte a continuação dos debates sobre o acolhimento do recurso. "Presidente, nós estamos com pressa de quê? Nós queremos fazer justiça", ressaltou. "Nós queremos fazer nosso trabalho. Fazer nosso trabalho e não chicana", retrucou Barbosa. O revisor, ofendido, tartamudeou um pedido de retratação, que não veio. Fato é que atrapalhou, mas não impediu a condenação de muitos petistas. Ainda que sem sucesso, sabia que havia demonstrado seu comprometimento com a causa. Um dos primeiros a serem indicados pelo governo do PT ao Supremo, Lewandovski sempre apregoara ser de "esquerda". Não mentia. E foi, realmente, um aliado: apesar da falta de empatia, Lula sempre o escalou entre os ministros que "não o decepcionaram". Com tudo isso em pauta, a presidenta entendeu por panos quentes na fervura e a partir daí passou a trocar figurinhas com o ministro. Em uma ocasião, uma reunião secreta com Lewandovski, em Lisboa - que foi descoberta pelos jornalistas e gerou denúncias do enorme gasto de dinheiro público com a hospedagem sofisticada da presidenta e do seu séquito -, o tema foram os desdobramentos da Lava Jato. Outro ministro que envergou a camisa rubra com a estrela branca é o atual presidente, Dias Toffoli, que já tinha provado sua utilidade quando era apenas assessor jurídico do PT, no governo Fernando Henrique. Toffoli, no dizer dos autores, "se especializara numa estratégia de oposição sistemática, manobrando os regimentos internos da Câmara e do Senado e recorrendo ao Supremo sempre que possível". O objetivo não era ganhar no Judiciário - era elevar ao máximo o desgaste do governo e marcar posição junto à opinião pública. Foi o suficiente para conquistar a confiança do dono do partido. Muito antes da sua indicação se concretizar, Lula já dizia aos seus ministros, sobre o seu jovem advogado paulista: "Esse vai ser o meu menino no Supremo." Mas não foi sem obstáculos. Tanto, que às vésperas da sabatina no Senado, Lula conversou com seu lider no Senado, Romero Jucá: "Porra, Jucá, estou com medo do Toffoli ser barrado". O peemedebista matou no peito e disparou: "Eu garanto a aprovação". Dito e feito. E olhe que não faltavam inimigos - incluindo dois ex-guerrilheiros, a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e o ministro das Comunicações, Franklin Martins. Para barrar as pretensões de Toffoli, Franklin plantou notinhas na imprensa destacando o currículo pobre do advogado, reprovado nos dois concursos públicos em que se candidatou a ser juiz de primeira instância. Toffoli foi até Martins questioná-lo e levou na lata: "Eu vou te foder", disse Franklin. Não foi bem sucedido. Jucá cumpriu o prometido e Toffoli foi para o STF - não sem antes jurar Franklin e Dilma: "O dia deles vai chegar". Se Toffoli teve que superar contratempos internos para conquistar a indicação, ele próprio, seis anos antes, foi um dos intermediários nos bastidores da indicação de Joaquim Barbosa. À época subsecretário de assuntos jurídicos da Casa Civil do governo Lula, Toffoli avisou: "Mandei chamar o Joaquim de novo". A questão é que a ex-mulher de Barbosa o acusava de agressão. Toffoli, a mando de Lula, que temia "ficar mal com as mulheres", queria ouvir do próprio magistrado o potencial danoso de uma eventual denúncia pública. O cuidado se justificava: Lula havia intimado seu então ministro da Justiça, o falecido Marcio Thomaz Bastos, a encontrar um negro que pudesse ser sua primeira indicação ao STF. Tinha que ser negro. Pode ter sido a razão precípua da indicação, mas a cor da pele sempre foi um fator de atrito com Barbosa pelos anos seguintes. Sobre o colega, Cesar Peluso, presidente do STF no início do julgamento do Mensalão, disse, em uma entrevista de cinco horas ao site Consultor Jurídico: "Ele é uma pessoa insegura, se defende pela insegurança. (...) A impressão que tenho é de que ele tem medo de ser qualificado como arrogante. Tem receio de ser qualificado como alguém que foi para o Supremo não pelos méritos, que ele tem, mas pela cor". Peluso reconheceu o erro da sua entrevista, mas a amizade dos dois estremeceu. Joaquim se queixava: "O racismo se manifesta nas pequenas coisas". Seja pelo sim, seja pelo não, logo depois da nomeação de Joaquim Barbosa o PT veiculou em sua propaganda institucional que Lula foi o primeiro presidente a indicar um negro para o Supremo (Joaquim não foi consultado sobre a peça). As indicações, a propósito, são, metaforicamente, um capítulo à parte no livro. Pelo relato dos jornalistas, Fachin chegou a chorar de apreensão. Tentando uma audiência com o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, foi esnobado pelo deputado, que disse que só o receberia em casa, depois do expediente, à meia-noite. Fachin não foi - mas o desdém de Cunha dá uma ideia do nível de subserviência a que os candidatos ao Supremo se submetem. Nem todos - Rosa Weber preteriu outras 25 candidatas apenas porque o ex-marido de Dilma a indicou, e passou sem dificuldades. Já Barroso sofreu resistência dos próprios futuros colegas, que o consideravam um poço de vaidade. Ao descerrar as cortinas e exibir os conchavos, poucos ministros saem bem na foto (e lembrando quem decide quais conchavos serão publicados é a dupla de jornalistas que assina o livro). E, como eu frisei a princípio, se os autores são deferentes quanto ao Supremo, repreendem este Supremo: "No passado, o Supremo, colegiadamente, promovia um balanceamento na distribuição de forças e poderes nas disputas que envolviam poder político e a governança econômica. Hoje, cada ministro faz seu cálculo individual, e o colegiado perde importância em sua função de prover equilíbrios e estabilidade." Recondo e Weber ressaltam que o novo perfil de atuação do STF embute uma mensagem: "Nos últimos anos, o tribunal, conforme vem funcionando e lidando com as decisões do Executivo e do Legislativo, dá causa a um sistema viciado que se retroalimenta: com as liminares monocráticas - ou mesmo as decisões colegiadas - que interferem no funcionamento do Congresso ou emperram decisões do governo, ele manda para a política um sinal de que vale a pena apostar no STF como arena de revanche para disputas perdidas." Migrando do genérico para o pontual, a cobertura do mirabolante e enviezado telequéti do tribunal se encerra com a tentativa de um grupo de ministros em enterrar a Lava Jato. Weber e Recondo dão nome aos bois, numa definição perfeita da mudança de cenário para os criminosos: "Por outro lado, quem defendia a execução antecipada da pena desconfiava que alguns ministros - sobretudo Mendes, Lewandovski e Toffoli - miravam o coração da Lava Jato." Os autores vão além, na sua análise da reação dos suspeitos de corrupção presos: " A prisão após julgamento em segunda instância mostrou o poder de coerção sobre os investigados. Antes, os alvos das operações de combate à corrupção apostavam na impunidade - essencialmente por algum erro processual cometido pelo Ministério Público ou pelos magistrados - ou, no mínimo, em anos de tramitação pelas quatro instâncias judiciais, incluindo o Supremo. Não colaboravam com a Justiça e obrigavam o MP a se desdobrar atrás de provas. Com a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância, políticos e empresários passaram a confessar seus crimes e buscar acordos de delação para aliviar sua situação." Desta maneira, entre retrospectos, flagrantes e sermões, a edição dá seu tom, revelando parcialmente os bastidores de decisões recentes do Supremo que interferiram de maneira importante na História do Brasil. Boa parte delas vistas com reservas pelos autores. Na carraspana passada no STF, em que não pouparam ninguém (mas deram uma boa aliviada em dois deles, uma discreta ex-juíza do trabalho e um veterano que gosta de preparar seu texto com negritos e itálicos em profusão), o apanhado final dos jornalistas angustia mais do que dá esperanças: "Cada juiz é um tribunal em si, mas a adição das individualidades não recompõe o Supremo. Sua legitimidade fica comprometida. Sua institucionalidade também. Ministros passam a ver processos como meios para os fins de suas agendas. A colegialidade, por vez, não é o instrumento para construir melhores decisões, mas alguns passam a encará-la como obstáculo para suas metas." Segundo os jornalistas, o STF "deixa no ar o recado de que o texto constitucional pode ser lido, torcido e espremido para concluir o que cada grupo político quiser". Me parece que a opinião pública brasileira segue para o mesmo veredito, de acordo com as últimas pesquisas. O Datafolha publicado neste início de janeiro aponta que quatro entre cada dez brasileiros adultos (39% do total) reprova o trabalho dos ministros do STF (entre os mais instruídos, 48% o avaliam como ruim ou péssimo). Daí dá para ver o tamanho do problema. Lendo esta lauta exposição, você, leitor, pode ser levado a pensar: "Para que comprar o livro? já achava isto mesmo e já li tudo aqui". Redondo engano seu. Só trouxe aqui o aperitivo. Os autores escolheram o que contar e eu escolhi o que citar. As citações que pincei mal cobrem 0,5% do farto banquete servido pela obra, que oferece conteúdo relevante. Adquira o seu exemplar e farte-se. Daqui a pouco começa a temporada 2020.

Companhia das Letras, 372 páginas

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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