"O português que nos pariu", por Angela Dutra de Menezes

quarta-feira, junho 28, 2017 Sidney Puterman

Na orelha da publicação o colunista de O Globo, Arthur Dapieve, informa que "Angela explica Portugal sem as pompas e circunstâncias dos livros didáticos". Daniela Machado, do Estado de Minas, diz que "quem espera um livro didático, vai se surpreender com a linguagem absolutamente coloquial". Veronica Aguilera, também de O Globo, diz que "em linguagem clara e simples, Angela dessacraliza fatos e personagens". Há outros elogios, comuns às contracapas. Para vermos ao que os resenhistas se referem com tanto entusiasmo, vamos a algumas das passagens do livro. Por exemplo, esta, sobre a batalha de Aljubarrota, em 1385: "O estandarte real não caiu uma só vez. Os castelhanos chegaram a ameaçá-lo. Mas o mestre-sala viu e, gingando o corpo, afastou o perigo. A porta-bandeira, elegante, curvou-se para a flâmula e saudou o distinto público. A Sapucaí delirou." Sobre o papa: "Em 1215, o papa Inocêncio III emitiu sinal de SOS e, antes do continente espatifar-se, assumiu o comando. Mas apertou os botões errados e a nave europeia entrou em forte turbulência. Inocêncio II não tinha vocação nem para piloto de avião." Sobre os templários: "Em 1312, quando o pau comeu na França, quem pôde se mandou. Antes de escapar, os sobreviventes fizeram um DOC para o Banco de Portugal, remetendo os seus muitos milhões." Sobre a Inquisição: "Os inquisidores demonstravam tanta preocupação que desistiram de viajar pela Navigator Class, da TAP. Com a Navigator lotada, eles se conformaram em se apertar na classe-galinheiro." Sobre a República: "Um belo dia, exatamente 15 de novembro de 1889, o marechal Deodoro da Fonseca acordou entediado e proclamou a república. Carioca curte tudo, foi uma badalação." Sobre seu texto: "Há milhões de outros entretantos, sequer foram citados. Competem, exclusivamente, aos livros de economia. A nós interessa que a vaca foi pro brejo." Não costumo gastar tanta tinta com citações. Mas há vezes em que elas se impõem - este é um dos casos. Ao viajar para Lisboa, pus na bagagem dois livros [que imaginei] sobre a história portuguesa, para ter o prazer de lê-los no próprio ambiente onde a História se passou. Um deles foi o imprescindível "Por mares nunca dantes navegados", que resenhei há pouco, de Ronald Watkins. O outro foi este, um tolo amontoado de frases pretensamente engraçadas. À guisa de um suposto coloquialismo, o que temos é um texto indecifrável, onde, para falar da região ibérica medieval, até a Rede Globo é citada. Frases que poderíamos classificar como "espirituosas" não são exceção, e sim a obsessão. Metáforas que poderiam cumprir seu papel se empregadas moderamente, para tornar um ou outro ponto mais claro, por lúdico ou malicioso, são cuspidas na litragem de duas ou três por parágrafo, oito ou nove por página, oitenta a cem por capítulo. Daí que o que temos é um amontoado de firulas sobre um conteúdo que reputo ininteligível. A contracapa é pródiga em elogios. Sinceramente, creio que os que os escreveram não leram o livro. Se muito, o folhearam - e o que superficialmente lhes pareceu divertido era, com o perdão do termo, babaca. Peço desculpas ao meu leitor por ter tomado o seu tempo descrevendo essa lambança pseudo-histórico-literária. Mas minha intenção era tão somente poupar o seu, já que, mal aconselhado, não poupei o meu.

Editora Record, 204 páginas

Obs.: Para dar uma aliviada no meu mau-humor, a foto exibe a linha do Rio Tejo em três diferentes planos - ao fundo, visto do Miradorouro da Nossa Senhora do Monte; ilustrando a capa do livro; e no belo painel de azulejos que adorna o miradouro. O belo Tejo não tem nada a ver com isso.

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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