"Lava Jato", por Vladimir Netto
A maior operação contra a corrupção já ocorrida na História do Brasil não começou com essa pompa toda. Aliás, não tinha pompa nenhuma. Começou bem furreca: por conta de uma denúncia de um empresário, extorquido por um político do PP, policiais monitoravam um posto de gasolina, onde funcionavam também uma lavanderia, uma lanchonete e uma casa de câmbio. No telefone grampeado do dono do posto os policiais descobriram Alberto Youssef, conhecido doleiro, condenado em uma operação de muitos anos antes. Seguiram a pista. Foram prender Youssef em São Luís do Maranhão, onde ele tinha ido fazer um repasse de R$ 1,4 milhão para um funcionário do governo de Roseana Sarney. Bingo. Ao vasculhar os demais repasses de Youssef, deram de cara com conexões na Petrobras e com um mimo dado de "presente" para um diretor da empresa, Paulo Roberto Costa. Um Range Rover Evoque. Coisinha simples de R$ 250 mil. Costa, chamado nas altas rodas por "Paulinho", foi preso e negou tudo. Solto, por conta de ordem do Ministro do STF Teori Zawascki, respondeu o que quis em uma CPI amigável e achou que estava fora de alcance do MPF. Errado. O MPF da Suíça descobriu uma conta "esquecida" de Paulinho que tinha R$ 23 milhões. Lá foi o Paulinho preso de novo. Este início, a princípio banal, foi o singelo fio da meada que permitiu que o pequenino puçá lançado ao mar trouxesse, em vez de um bagrinho, um cardume de tubarões. Quem conta esta estória é o experiente jornalista Vladimir Netto, em capítulos sóbrios e bem cerzidos. Ao listar cronologicamente os fatos noticiados (pois que a obra carece de maiores novidades), ele permite que o brasileiro interessado na história do País acompanhe esta operação de drenagem dos recursos públicos - desde o seu nascedouro. Presta ainda um outro serviço importante à memória do Brasil: perpetua em livro as declarações esfarrapadas com que os acusados e seus defensores justificaram suspeitas, inquéritos e prisões (que, de outro modo, seriam injustamente varridas pela passagem do tempo). Mas a obra de Netto não se resume à transcrição monocórdia. Ela diverte. Como ao contar que o posto lava-jato que batizou a operação não tem lava-jato. Ou o desabafo matemático de Alberto Yousseff, transtornado com a gulodice do Paulinho: "Ele acha que foi prejudicado. Porra, o tanto de dinheiro que nós demos para esse cara. Vê quanto o Paulo Roberto levou. Vem falar pra mim que tá prejudicado? Ah, porra, ninguém sabe fazer conta." A aritmética é madrasta. Outra passagem que fala muito do Brasil de hoje é a citação lapidar de Sergio Moro: "Há um sistema que favorece o êxito dos corruptos e o fracasso dos honestos". Mais à frente, na página 286, dei de cara com uma inversão financeira que eu ainda não conhecia, e que, por minha própria conta, batizaria como "suborno consignado" e que Vladimir descreveu assim: "O PT tinha uma dívida, o empresário (Bumlai) se endividou para pagar a dívida, o banco (Schahin) deu um empréstimo, que foi quitado quando a empresa de engenharia do banco (Schahin Engenharia) ganhou um contrato (Vitória 10000) sem licitação com a Petrobras" (os parênteses são meus). O consignado é assim. Debita direto na conta. Modelo engenhoso, mas criminoso. Em um país desmemoriado como o Brasil, livros como este organizam e acumulam, para a posteridade, fatos que, de outra maneira, embrulhariam peixe. A capa é ruim e o título é horroroso: faz crer se tratar de um manifesto panfletário que, na verdade, não é. Certamente, porém, assim venderá mais e exercerá melhor a sua função de suporte à própria operação. Sergio Moro citou a Operação Mani Pulite, sobre a qual escreveu um livro, e que teria inspirado a Lava Jato: "A opinião pública é também essencial para o êxito da operação judicial." Luís Nassif, em artigo publicado em 19 de outubro de 2015 em Carta Capital, comenta o paralelo entre a Mani Pulite e a Lava Jato: "O jogo de Moro consiste em trazer a disputa judicial para o campo da mídia." Sob este aspecto, este livro integra este jogo, que, até o momento, vem sendo surpreendentemente vencido pelo lado mais fraco: de um lado, um juiz de primeira instância; do outro, o Governo Federal, o Senado, o Congresso e o Supremo. Vladimir Netto e a editora Primeira Pessoa nos entregaram uma obra que talvez prenuncie uma gênese de edições de qualidade sobre a política brasileira. Tomara. Um país sem História está fadado a ser coadjuvante no cenário mundial. E eu - tolinho - não paro de sonhar com o nosso protagonismo no planeta. Bobo, eu, né?Editora Primeira Pessoa, 381 páginas
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