"Vidas secas", por Graciliano Ramos

quarta-feira, março 02, 2016 Sidney Puterman

Embora o hábito esteja em voga no mercado literário, eu não tenho a menor pretensão de resenhar clássicos da literatura nacional. Não me pretendo à altura - e porque são clássicos. E até mesmo porque comecei com essa mania de resenha mais pelo prazer de falar de livros nem sempre muito lidos. Falo dos que são registro documental; e não da criação medíocre ou monumental. Escrevo mais para falar da relevância de livros de não-ficção e de quão bem eles cumprem sua tarefa de narrar os desdobramentos dos fatos, para os interessados em saber como tudo se deu, como tudo começou e quem naquilo se meteu. Resenhas do tipo: aconteceu isso, fulano escreveu sobre e mandou bem. Ou mal. Acertou - assim, assim - ou vacilou - assim, assado. Na minha opinião. Que nem é das mais modestas, mas também não é a última flor do lácio. Mas li "Cangaços", que falava do banditismo na obra de Graciliano Ramos. O que achei você pode bem ver no post da obra em questão, em 13 de janeiro. Fiz até uma presepada estilosa, pra contar o que pensei. Deu vontade e fiz. Mas os trechos de "Vidas Secas" que li em "Cangaços" me aguçaram o desejo de reler o livro, que havia lido menino. E aí achei que a prosa de Graciliano é mesmo de exceção. O recurso de narrar cada capítulo sob a ótica de um dos personagens (incluindo a cachorra Baleia), de produzir uma narrativa como que partida de um raciocínio atrofiado (como o fez na maior parte do livro, sob a ótica de Fabiano), já demonstra o quão contundente, na forma, no estilo e no conteúdo, não terá sido a chegada desta obra no fim dos anos 30. Embora creia que a passagem do tempo influi na avaliação de qualquer uma destas valências (forma, estilo, conteúdo), o texto mantém a violência e a aridez. O que, neste caso, somente depõem a favor do livro. Vale destacar que o que motivou minha leitura foi a recente análise da obra de Graciliano, por Thiago Mio Salla e Ieda Lebensztayn. Por mais bem intencionados que fossem, não me agradou o que produziram e editaram. Mas, ao me levarem ao romance original do autor, me deparei, ao fim, com um estudo de uma dúzia de páginas sobre a obra de Graciliano Ramos, escrito em 1947, por Álvaro Lins. Um estudo contemporâneo. Assim, sem o distanciamento histórico, provável fosse muito mais difícil a percepção da relevância do escritor alagoano - principalmente por um erudito com um discurso mais apropriado à primeira metade do século XX do que ao século XXI no qual vivemos. Ledo engano. Lins é brilhante. O que encolhe ainda mais a estatura da tentativa analítica praticada em "Cangaços". Mas escrever não é mesmo fácil.

Record, 155 páginas

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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