"Tudo ou nada", por Malu Gaspar

quinta-feira, março 19, 2015 Sidney Puterman

Eike Batista se auto-denominava alguém que lia "o jornal de amanhã". Já seu pai, Eliezer Batista, ex-presidente da Vale, achava que Eike merecia um diploma de idiota. A biógrafa de Eike, Malu Gaspar, concordou bem mais com o pai do que com o filho. Bem, eu, que até então ignorava todas essas opiniões, resolvi começar a leitura da bio do Eike Batista na praia. Não tinha nada a ver com nenhum deles, pobre coitado que sou, e só me interessava aprender sobre os grandes homens do Brasil. Enquanto farofeiros de Cascadura e sereias de Rocha Miranda dividiam comigo um inclinado banco de areia na Praia da Macumba, eu refletia sobre qual lugar o personagem Eike Batista merecia nessa lista. Homens de destaque no Brasil os há de todo tipo - e o bilionário eu confesso que encaixava (ops) no estereótipo do sujeito cafona, típico ricaço canastrão de novela da Record. Associar, porém, a idéia de um empresário globalmente competitivo a um ostentador extravagante me parecia contraditório. Lógico que era. Mas, ao comprar o livro e dar início às suas 508 páginas, todos os meus pré-conceitos foram subvertidos pela cadência peripatética de Batista. Declaro, por isso, minha gratidão à Malu Gaspar pelo paciente relatório que ela alinhavou. Me diverti à beça. Pelas mãos competentes da autora, fui guiado por um labirinto econômico no qual eu provavelmente não conseguiria entrar e jamais lograria sair. O livro começa fazendo troça com o leitor - e, por tabela, com o próprio Eike -, fingindo tratar do momento atual. Mas o que faz é dar uma cambalhota no tempo, mostrando que o Eike fracassado é uma reprise: conta as bandas dadas pelo jovem empresário no exterior, na década de 90, quando deu uma senhora volta nos canadenses, que até então o idolatravam. Mostra como acabou persona non grata no país (e, pior, lá ninguém tem memória curta). Idem na Grécia, onde enterrou o rico dinheiro alheio e fez investimentos impopulares. Foi a primeira grande derrocada de um sujeito de comportamento inusual, que foi à Cuzco, Equador, apenas para deitar-se em um gramado à meia-noite; que adorava impressionar os convivas traçando quilos de lagostas e sushis, entremeados com idas ao banheiro, para vomitar o que comeu e poder voltar à mesa para comer mais (argh); que topava reuniões com tipos estapafúrdios - que faziam propostas ainda piores -, como um inventor que clonaria seres humanos a partir de pelos pubianos e um outro que queria dinamitar o Pão de Açucar atrás de ouro. Mas devagar com o andor: as esquisitices de Eike, quando isoladas, o reduzem a uma caricatura. Há que se ponderar. Já basta a crueldade da própria autora, nada simpática ao personagem. Seu perfil do ex-bilionário descreve um jogador otimista que, sucessivamente favorecido pelas circunstâncias, avaliou a si mesmo mui generososamente e, auto-iludido, despencou das alturas. Quem quiser que se aventure na obra e forme sua própria opinião, em meio a um torvelinho de compras, vendas, lançamentos de IPOs e outras apostas. Mesmo a despeito do intrincado da trama, é um livro facinho de ler. Malu tem o bom vício dos demais editores de Veja: o domínio da narrativa, o texto curto, os parágrafos palatáveis. É cavalo de boa andadura. O inevitável economês é destrinchado com maestria por Malu, que acaba por conceder uma aula magna sobre o mercado de capitais aos beócios como eu. Por meio das suas lições, acompanhamos uma holding em pujante crescimento e nos envolvemos com as nuances do mercado de exploração de petróleo. Não só: vemos o nefasto envolvimento entre política e negócios. Todo o desagradável conluio entre os ocupantes do poder e o empresariado freguês do dinheiro público - e que em troca transfere recursos por baixo do pano à autoridade de plantão - está descrito aqui. No fundo, a obra de Gaspar é um ensinamento sobre gestão - às avessas. O Eike apresentado pela jornalista é um administrador incompetente, hesitante e manipulável, que se deixa facilmente fascinar e avalia mal as pessoas com as quais se cerca. Por outro lado, seu carisma e irresistível talento para vender os próprios projetos - aliado a um visionarismo megalomaníaco -, deu a ele sete vidas no universo empresarial. A saga das empresas X soçobrou em escolhas erradas de gente e de investimento. Análises erradas conduziram a decisões erradas que, agravadas pela gestão temerária e perdulária, precipitaram as empresas, uma a uma, penhasco abaixo. Malu nos pinta um retrato do empresário onde desequilíbrio emocional, inflada auto-estima, inaptidão administrativa, frouxo controle financeiro e uma delegação de poderes de cunho passional se combinaram de forma suicida. Por fora, um dândi de negócios que se enfeitava com terno preto risca-de-giz, gravata e camisa rosa; por dentro, um indeciso homem-bomba. Terminou em frangalhos, assistindo ao derretimento de tudo que pariu. Ao fim, Eike Batista criou um conglomerado ciclópico, que gerou, recebeu e pulverizou 63 bilhões de reais. Onde centenas de milhares depositaram suas fortunas, contribuindo para que Eike construísse um império, só restou poeira, desespero e chacota. Durante a exibição desse enredo que oscilou entre a comédia e o terror, o protagonista e sua turma viveram em um Olimpo revestido de ouro - mas, para desconsolo geral, descobriu-se ao fim da sessão que o Olimpo era financiado pelos investidores arruinados e o cenário era de isopor. O livro, que não merecia a revisão desleixada e a capa de má qualidade, traz uma epopéia que ajudará a posteridade a entender o Brasil dessa primeira década do século XXI.

Record, 508 páginas


Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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