"O Rio de Janeiro do bota-abaixo", por Augusto Malta e Marques Rebelo

quarta-feira, fevereiro 18, 2015 Sidney Puterman

Acabou mais uma apuração do desfile da Sapucaí. A Beija-Flor de Nilópolis, sob protestos, homenageou a Guiné Equatorial - e levou. Sintomático enredo, para uma quarta-feira de cinzas em que cinzas são justamente o que há de sobra na cidade. Para onde quer que se vá, há obras, com direito a trânsito interrompido ou invertido, temporária ou definitivamente. O Rio é um grande canteiro. Tomara que, em tudo se acabando, fique um registro decente da confusão armada. Pois é de registros que falo. "O Rio de Janeiro do bota-abaixo" se propôs a exatamente isso: uma compilação de imagens retratando a transformação visceral que foi imposta ao centro da capital do País - que aspirava Paris, mirava Buenos Aires e cheirava a peste. Foi um momento em que parte importante do centro urbano foi desapropriado e posto abaixo (embora nada que se compare, em termos de interrupção da vida alheia, ao atravancamento de agora), em prol de uma cidade melhor. À época, o Rio trocou seu tapete urbano de cortiços decrépitos por um malha de avenidas largas e elegantes, que mereceram palacetes e carruagens. Ventos do passado. Hoje não se entende bem o que é feito, nem como ficará, mas já há um bom par de anos que nada anda. Paciência. Voltemos, novamente, cento e dez anos: ao livro. A bem impressa edição da Salamandra, patrocinada pela Prefeitura da década de 90, traz belas fotos desse Rio oitocentista e sua roupa nova para um novo século. A maior parte das imagens captadas pelas lentes do habilidoso e dedicado fotógrafo Augusto Malta exibe o Rio pré-reforma, e apenas um terço do acervo expõe a capital verdadeiramente esburacada. Há - vá lá - duas dúzias de retratos exibindo uma cidade com palácios em andaimes e avenidas com montes de entulho. Uma boa noção, mas que mais atiça a curiosidade do que extasia. Agrava o fato de que o tamanho das fotos não ajuda - não enchem as páginas, na maioria -, e também a impressão aparenta estar mais lavada do que o ideal. Não obstante, a curta mostra permite um passeio pelas avenidas empoeiradas e revela um pouco da metrópole afrancesada em que se tornaria o Rio (cuja boniteza não durou no tempo, essa ansiada nova cidade já se foi há muito). Contudo, um registro, ainda que acanhado, é rica memória. Para nós, cariocas, vale ouro, ainda que desse "ouro" só se tenha o reflexo - com o brilho do seu insinuante passado ofuscando seu desconfortável presente.

Editora Salamandra, 150 páginas

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

3 comentários:

  1. Faltou, se não me engano, colocar que o livro citado no post também é de autoria de Antônio Bulhões. Se souber mais sobre os autores do livro, por favor, poste informações pessoais e profissionais dos mesmos. Gostei do blog!

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  2. Obrigado pela moral, PC! É muito bom saber que mais pessoas compartilham o mesmo entusiasmo pelo assunto. O livro está em casa. Deve ter me passado despercebido o nome desse terceiro autor, vou ver por quê - mas já fica aqui o registro.

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  3. Gostei da informação. Estou preparando um projeto monográfico sobre este período histórico do Rio de Janeiro.
    Vou ver se consigo adquirir o livro pra usar como referencial bibliográfico.

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