"As ilusões armadas", por Elio Gaspari

terça-feira, março 31, 2015 Sidney Puterman

Hoje é aniversário do golpe. Ou da revolução. Geralmente, a forma como aquele acontecimento bélico-político-teatral de 1o de abril é chamado denuncia o ponto-de-vista de quem o comenta. Um acontecimento de memória tão controvertida que sua data inaugural retrocedeu 24 horas - ninguém queria ser patrono de um movimento revolucionário (ou golpista) que destituiu o presidente no dia 1o de Abril, Dia da Mentira. Giraram, então, os ponteiros do relógio para trás. Ficou valendo a data em que o General Olímpio Mourão Filho, solitário e alucinado personagem que detonou a ação, calçou as botas. Essa data - de uma estória decisiva para o Brasil de agora, mas tragicômica - é contada com maestria por Elio Gaspari em suas "As ilusões armadas". Pelo clamor das últimas semanas, o título escolhido por ele para sua monumental obra analisando o período do último governo militar no Brasil - de 1964 a 1985 -, ganhou renovados ares de atualidade. Mais e mais pessoas vêem hoje uma eventual intervenção militar como a panacéia que resolverá todos os males. Essa prescrição já foi aceita pelo doente, 51 anos atrás. É do que tratam o texto e a pesquisa. O jornalista Elio Gaspari teve sua principal motivação para escrever os quatro livros que integram a obra - "A Ditadura Envergonhada", "A Ditadura Escancarada", "A Ditadura Encurralada"e "A Ditadura Derrotada" - ao obter permissão para publicar as dezenas de fitas gravadas com depoimentos pessoais do ex-presidente Ernesto Geisel, o penúltimo dos generais no poder. Um farto manancial de revelações, oriundo de quem esteve no elenco fixo da ditadura, seja como coadjuvante, protagonista ou crítico tardio. Deu no que deu: seus livros são até hoje a mais substanciosa fonte para quem se propõe a compreender a política de caserna, cujos personagens estiveram no controle do país por vinte e um longos anos. A obra, hercúlea, foi recém-reeditada, com novo projeto gráfico. Eu, que sequer tive o novo layout em mãos e que antecipadamente abomino novos projetos gráficos (por pura implicância e ranzinzice), fico feliz por ter em minha estante a edição original, comprada e lida (melhor, devorada) no já um tanto distante ano de 2002. Elio Gaspari tem um texto medido a régua e uma ironia sempre à espreita. A abordagem funciona bem para relatar uma era de boçalidade e privilégios. Antes dela, houve o Brasil de Jango e de Jânio. Depois dela, veio o Brasil de Sarney e de Collor. É. Talvez o Brasil seja mais cúmplice do que vítima.

Companhia das Letras, 1.987 páginas



Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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