"Sem vestígios", por Taís Morais
Taís Morais é bem intencionada e escreve um livro
revelador. Com base em um diário
pré-concebido por seu autor para ser revelado apenas postumamente - quando ele,
morto, já estaria em lugar inalcançável por seus ex-companheiros -, Morais apresenta a trajetória de
Carioca (um dos quatro rapazes da foto acima, mas que Taís não revela qual deles é), militar subalterno que se tornou agente secreto da ditadura e executor
de um sem-número de serviços sujos. A despeito das ações deploráveis, a autora
vê o personagem com simpatia e ressalta seus (dele) questionamentos íntimos, em
sua condição de cumpridor das ordens covardes do regime: a descrição das
dezenas de crimes em que Carioca foi coadjuvante ou testemunha descerra um
sórdido painel do período,
suficientemente repulsivo para manchar a história dele e do país. Porém, apesar
da gravidade do tema, o livro parece que se desenrola em um outro contexto,
descrevendo o cenário de atrocidades de forma mais amena do que o assunto
exige: Taís
emprega uma linguagem mais próxima de uma aventura de escoteiros do que o
manual de tortura e perfidez que de fato se trata, reduzindo a responsabilidade
dos “soldados” e assim minimizando a dimensão do ocorrido. O biografado foi
agente de sequestro, tortura, morte e ocultação de cadáver - que não são menos
crimes por terem sido cometidos sob ordem do governo instalado. Embora simultaneamente facilitada e empobrecida por tal abordagem, a autora é corajosa e a leitura é válida (excluindo as passagens
irrelevantes com as conquistas amorosas de Carioca; terão sido um ato falho de Taís, seduzida pelos
manucritos do seu personagem?). Os capítulos finais são dedicados à depressão,
ao esfacelamento familiar e à misteriosa morte do agente, empregado, após seu
desligamento do exército, como capanga do jogo do bicho no Rio. Dá matizes
irônicas e fatalistas à vida do ex-agente, que não logrou morrer limpo após
passar décadas mergulhado no mais fétido esgoto. Além de autor de mortes
sem vestígios, Carioca foi um matador sem paz.
Geração Editorial, 234 páginas
Obrigada pela resenha. tentei dar leveza ao que não era leve. Espero que tenha gostado do livro
ResponderExcluirabraços
Taís,
ResponderExcluirGostei. Enriquece o nosso entendimento do período. Entendi a sua opção pela humanização do estereótipo do agente da repressão, e também pelo tom mais leve - tornando-o o assunto mais digerível -, mas, não obstante, sua abordagem do tema me surpreendeu. O que me deixa curioso: como foram a repercussão do livro e os resultados comerciais? Essa "leveza" lhe trouxe leitores inesperados, diferentes daqueles que naturalmente têm foco no assunto? Seria bom que sim. Não sei qual será o seu próximo trabalho, mas, se o assunto me interessar, certamente estarei na fila.
Obrigado pela gentileza do comentário. Uma outra surpresa.
Grande abraço
Sidney
oi, Sidney.
ResponderExcluirA repercussão do livro não foi o que eu esperava. Logo que lançado houve uma espécie de boicote da imprensa. A resenha que saiu no Valor foi sofrível. O foco foi apenas para a afirmação do Coronel Lício de que o Zé Dirceu havia sido informante. O restante das denúncias foram literalmente enterradas. Não deixou de ser finalista do Jabuti, mas fiquei muito triste com a forma que a imprensa petralha divulgou o livro.
Denúncias e mais denúncias, desde o meu Operação Araguaia, foram jogadas no esquecimento para que surgissem as tais comissões da INverdade.
abraços
Taís, pena! Não somos um país que retribua o esforço de um escritor. Salvo alguma hecatombe inesperada que faça do livro um queridinho da mídia, são muitos os níveis de dependência para se ganhar espaço. Quem deveria fazer diferença - o leitor - é um ser mais imaginário que real. E, ao ver você falar nessa tal comissão, me parece que o infelizmente oportuníssimo título do Stanislau Ponte Preta - Febeapá - nunca vai desgrudar do Brasil. Permaneço aqui na torcida por você. Desculpe ter demorado a responder. Me deixe saber seus próximos passos - um leitor você já tem garantido aqui. E, num país como o nosso, um leitor esforçado nunca é tão pouco assim...
ExcluirEstou lendo o livro. Posso estar completamente errada,mas não acho que tenha sido um erro mostrar as conquistas amorosas de Carioca. O livro não se resume só a relatos da ditadura mas também a um personagem e fatos sob sua perspectiva. Desse modo, a história de Carioca deve ser contada para que possamos entendê-lo psicologimente. Se a autora foi seduzida pelos manuscritos de seu personagem, não enxergo isso como algo ruim.
ResponderExcluirTenho lido muitas obras sobre a ditadura, até para desvendar a tal polêmica sobre o Gen. Ustra mencionado pelo deputado Bolsonaro, e cheguei a esse livro indicado pela minha filha. Encontrei vários erros, um mesmo personagem com dois codinomes diferentes, relatos confusos, o Gen. Ernesto Geisel, um dos presidentes do período militar, foi chamado de Oswaldo Geisel, o que põe a prova a credibilidade do tal agente "revelador". Poderia ter se aprofundado no por que determinados grupos foram perseguidos e não uma visão unilateral. Se fosse um conteúdo jornalístico seria, no mínimo, tendencioso. Decepcionante.
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