"No Surrender", por Hiroo Onoda
Eu era guri. A notícia no jornal me deixou pasmo: “Encontrado soldado japonês em
ilha do Pacífico que achava que Segunda Guerra Mundial não tinha terminado.” O
guerreiro não soube que a guerra acabou e continuou lá, entocado – por 30 anos!
Menino, achei inadmissível. Me doeu. Queria saber mais; não consegui (era um tempo em que não
existiam computadores, muito menos google na internet… estávamos em 1974). A história do japa que não se
rendeu, entretanto, nunca saiu da minha cabeça. Sofria, imaginando suas três
décadas desperdiçadas. Esqueci. Quando, recentemente, dei de cara na web com um livro trazendo seu relato,
encomendei de pronto, mesmo não tendo sido traduzido para o português. Por sorte, o
idioma não foi obstáculo; o maior empecilho foi mesmo a inabalável monotonia do
texto, sem timing, recheado de descrições banais. Nem isso me afastou
da leitura. Acompanhei o cotidiano e o exótico (para nós) raciocínio patriótico
do tenente Onoda. Vivendo como selvagem em uma ilha inimiga, para onde foi organizar guerrilhas já no último ano
do conflito, Onoda desenvolveu um inacreditável sistema de sobrevivência, ao lado de três outros compatriotas
que, pouco a pouco, o abandonaram – por morte ou deserção. Empreendendo uma
guerra solitária contra todos os nativos filipinos, confiante na vitória
japonesa, o soldado rechaçou todas as tentativas de
aproximação lançadas por seu país, que a certa altura soube da sua resistência. Teimoso,
Onoda conduz o leitor às raias da irritação, ao interpretar a seu modo todos os
indícios de que a guerra havia acabado, levando-o sempre à conclusão de que
tudo ao redor (até mesmo as notícias transmitidas pelo rádio que encontrou) era sempre parte de uma insidiosa
armadilha americana. Deixando de lado as imperfeições da obra e nos
concentrando no personagem singular que era o obstinado tenente, conhecemos uma
história ímpar, levada a cabo por
um sujeito único. Leal, comprometido e corajoso – além de maluco, burro e inamovível
-, Hiroo Onoda já era, na minha remota
infância, um homem pertencente a um passado anterior, lendário, que já há muito
não existia. Agora percebo que o caráter desse tenente japonês pertencia, de
fato, às lendas de séculos distantes. Doido e bravo Onoda.
Bluejacket Books,
219 páginas
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