"Hitler" (volume 1, 1889-1933; volume 2, 1933-1945), por Joachim Fest
Se você considera um reducionismo e um mero estereótipo a demonização de Hitler, bem como não dá crédito aos que atribuem a um fatalismo irreversível a ascensão ao poder do nacional-socialismo alemão, essa é uma obra que vai lhe interessar. Porque o autor mergulha nas entranhas da política germânica na República de Weimar e nas incontáveis idas e vindas que caracterizaram a trajetória do partido nazista até o instante em que este enfim chegou ao gabinete, em janeiro de 1933. Sem revoluções ou derramamento de sangue, Fest revela um percurso sobretudo político, à custa de traições e dissimulações - e feito de uma maneira que não nos é estranha em nosso íntimo e exótico país sul-americano, no alvorecer do século 21. O livro tem por preâmbulo a história do partido e de um opaco morador de um albergue de desocupados - um amante das artes, contemplativo e desprovido de talento, que poderia, em outro contexto, não avançar uma única polegada além do próprio ostracismo. As virtudes do orador e cenógrafo que foi Adolf Hitler tiveram peso maior no evento nazista do que um hipotético pendor de estadista – e o livro “Hitler, 1889-1933” possibilita o conhecimento de como um partido paranóico e, por uma década, estigmatizado e ridicularizado, conquistou, etapa após etapa, o poder absoluto na Alemanha. O segundo volume, que vai de 1933 a 1945, descreve o período mais conhecido da trajetória do líder nacional-socialista. Comparado ao percurso revelador do primeiro volume, são menores as surpresas, mas a constatação do presumidamente já sabido é contundente. O historiador alemão Joachim Fest esmiúça as convulsões internas do regime que nos habituamos a observar à distância. Emblema da insanidade e animalismo dessa guerra, o assassinato dos judeus é um efeito colateral assinalado, mas posto em segundo plano, na conta das obsessões do ditador – de tal forma que Eichmann, oficial-carrasco protagonista no holocausto judaico, sequer é mencionado na obra. Seu ponto de observação é a guerra de um só contra o mundo, um dirigente obcecado que condena a Alemanha à destruição enquanto executa sua sinfonia de traição e morte. Vemos Hitler trair seus companheiros de primeira hora, seus aliados de segunda hora, seu próprio exército e, acima de tudo, o povo alemão, oferecendo propositadamente a população civil para o banquete sanguinário dos soviéticos. Assistimos a plebe rude (que com Hitler ergueu o partido nazista) tombar executada por ordem pessoal do führer. O auto-intitulado líder da raça ariana cerziu pactos de cooperação e não-agressão com os governos polonês e russo - que traiu à sorrelfa, atacando seus “aliados” em ações de extermínio, onde os civis foram alvo preferencial. No campo de batalha, seu “brilhantismo” na ofensiva foi sepultado pelo analfabetismo na defensiva, conduzindo seus efetivos militares à morte em todas as frentes; desonrando seus próprios comandantes; fuzilando seus generais derrotados. Quando se viu perdido, quis que a Alemanha fosse à ruína total, se recusando a proteger mulheres e crianças alemãs, na convicção de que um povo derrotado merecia ser extinto. Só não foi cruel consigo mesmo: sem coragem para enfrentar o inimigo, optou pelo suicídio, com a dupla garantia do veneno e da bala de revólver. Não deixou projeto, ideologia ou legado - é tão somente um ícone do primitivismo moral. Sob a perspectiva da História, Hitler foi um vigoroso fluxo de energia carregando ódio. Nada mais.
Editora Nova Fronteira, 931 pgs

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