"O leitor", por Bernhard Schlink

sábado, dezembro 14, 2019 Sidney Puterman

Uma estória de amor sui generis, entremeada a reflexões sobre o extermínio de civis inocentes. Na primeira parte, o autor descortina, com delicadeza, o envolvimento de um adolescente com uma balzaquiana de atributos incomuns - seca, rude e enigmática. Seus encontros são clandestinos e o fim do relacionamento é abrupto. Na segunda parte, há um salto no tempo e os ex-amantes se reencontram em um tribunal. Vêem-se, à distância, mas não se falam. Um é observador e o outro é réu. Não vou dar spoiler. Dá para falar do livro e das opções do autor sem revelar sua trama. A sociedade alemã retratada é a do pós-guerra, com a nova geração sob a sombra das atrocidades perpetradas na década anterior pelo regime nazista. O texto de Schlink é diáfano. A forma como ele nos conta sua estória parece uma paisagem vista das janelas de um trem em movimento. Grandes quadrados de cor e luz, de uma beleza borrada, e sempre insuficientes para que tenhamos uma dimensão do todo. Não obstante, esta imprecisão não nos cansa, ao contrário, seduz. A leveza da sua narrativa não filtra (nem me parece seja esta sua intenção) a perversidade do genocídio, mas diabolicamente humaniza os carrascos. Por este aspecto, por belo, o livro de Schlink é uma pequena joia, ainda que obtida ao custo de um latrocínio. Há quem deplore estas abordagens e suas concessões, como faz "O leitor", quando atribui virtudes ao verdugo, mas faço parte do time que acredita que a arte não deve se sujeitar às restrições da moralidade. O lado sujo é parte integrante do ser humano e ninguém supera a arte na função de interpretá-lo. À parte os crimes do passado, a paixão que une os personagens leitor e ouvinte já é por si só uma estória de amor que vale a pena ser lida. O pano de fundo histórico fala dos fantasmas que assombram um país que fez por merecê-los. A mistura das duas narrativas, cerzida com talento por Bernhard Schlink, resulta num bom livro.

Record, 239 páginas

P.S.: Tirei a foto no interior de um alojamento para prisioneiros, no campo de extermínio nazista de Birkenau. Este era reservado às crianças. Catres triplos de madeira nua, corredores estreitos, teto baixo. Acomodações para quem ia morrer. Ali mesmo, de fome; ou nas câmaras de gás, ao lado. Sem chance.

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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