"O inferno dos outros", por David Grossman

segunda-feira, agosto 14, 2017 Sidney Puterman

Um stand-up hipotético, lentamente esparramado por duzentas páginas, onde o sujeito enumera episódios da própria vida: a ideia do livro, o argumento, é esse. O formato, por sua vez, encaixa dois narradores, Dovale, o cara do stand-up (alter ego do escritor, David Grossman, que por meio dele conta a própria infância e sua estranheza em relação ao pai), e um amigo na plateia, a testemunha, convocado para assistir o espetáculo, que narra o que acontece no palco e a reação nas mesas (se riem, se xingam, se vão embora, etc). A esta altura você já se pergunta se isso pode dar um bom livro. Eu já lhe tranquilizo: não dá. Um mimimi sem fim. Verborrágico e piegas. Ao colocar sua ladainha como sendo o discurso de um comediante numa birosca qualquer de uma cidade pequena em algum canto arenoso de Israel, Grossman pretende ser espirituoso e profundo. Em vão. Não sei onde o personagem termina e onde começa o autor, mas são ambos tremendamente chatos (só depois de ler o livro e publicar o post é que fui dar uma fuçada nos artigos sobre o dito cujo, onde descobri que o autor é cultuadíssimo, que seu texto é brilhante e que eu devo ser uma besta por não saber apreciar tal portento literário). Um livro queixoso, medonho, constrangedor. Meia dúzia de piadas péssimas e um comentário sério sobre a final do campeonato de Israel, onde os times teriam jogado um futebol de primeira - piada. As inúmeras menções sobre como os espectadores riam, se emocionavam e pediam para o humorista prosseguir só consternam o leitor, diante da mínima impossibilidade de que isso de fato acontecesse. Se o show fosse numa favela carioca, o artista iria direto para o microondas antes do segundo ato. Aí você me questiona: caraca, não sobra nada de bom nesta joça purpurinada? Tem: a capa. Eu já critiquei o mau-gosto de tantos bons livros com péssimas capas, mas este traz uma ótima capa embrulhando um péssimo livro. Uma silhueta dum guri plantando bananeira sobre uma capa vermelha laminada (andar de cabeça para baixo teria sido um pretenso recurso do autor durante a infância). Registre-se que o proverbial humor autodepreciativo dos judeus está presente - e seria uma das poucas coisas passáveis, não fosse o livro, em essência, um autêntico pé no saco. Desculpe, me repito. É que este inferno dos outros é o pesadelo do leitor. Evite o contato.

Companhia das Letras, 201 páginas


Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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