"Pimenta Neves", por Luiz Octavio de Lima

terça-feira, novembro 17, 2015 Sidney Puterman

Execução sumária. Pimenta Neves, o assassino, tocaia Sandra Gomide, a vítima. Não foi difícil. Ele sabia onde ela iria; o local era amplo e deserto. Ele a viu se aproximar. Revelando a emboscada quando ela já não poderia evitá-lo, pega-a pelo braço e tenta sequestrá-la. Sem sucesso. Era um velho, fraco, tentando puxar à força uma jovem. Ela, ao se desvencilhar, vê a arma. Pressente o passo seguinte. Implora: "Não atira, Pimenta!" Mas conhecia o caráter do algoz. Por isso, Sandra correu. Não foi longe. Habitué de clube de tiro, Pimenta ergueu o braço, apontou e disparou. O tiro pegou a mulher pelas costas. Sandra, a vítima, cai. O assassino se aproxima, e, com a arma a 30cm da cabeça da mulher baleada, de bruços, ele finaliza a execução, com um tiro atrás do ouvido esquerdo, perfurando o crânio. Etapa concluída. Recolhe os projéteis, entra no carro e deixa o local do crime. O cadáver ficou na estrebaria. Na estrada, enquanto o sangue ainda escorria da cabeça da ex-amante assassinada, Pimenta ligou para a imprensa. Avisou que havia matado Sandra Gomide - e que em breve se entregaria. Mentira. Sem o flagrante, o Pimenta assassino (e também advogado) sabia que, a partir dali, a burocracia jurídica e seu variado leque de chicanas teriam o protagonismo. No julgamento do caso, seis anos depois, o médico psiquiatra Marcos Pacheco de Toledo Ferraz iria afirmar: "Tenho uma convicção. Pimenta Neves não tinha a intenção de matar. Foi o encontro da perda de controle com o porte de arma." A advogada de defesa, Ilana Muller, alegou que Pimenta era inimputável, pois a "a perturbação da saúde mental só lhe permitiu parcial capacidade de discernimento do caráter criminoso do fato." Como você, que me lê, bem sabe, este é um país em que a dimensão do cidadão depende do seu capital financeiro e político. Quem o tem, pode o que os outros não podem. Pimenta Neves, como disse o pernambucano Lula da Silva sobre o maranhense Zé do Sarney, "não era um homem qualquer". O homem que matou a mulher pelas costas, era, na ocasião do assassinato, um cidadão bem relacionado. De alta hierarquia em sua profissão: jornalista de renome, financeiramente bem resolvido e com farta bagagem profissional. Ocupava o cargo de editor do jornal O Estado de São Paulo. Sandra Gomide, 33 anos mais nova, jornalista, ex-amante e ex-protegida do editor, era, àquela altura, uma mulher perseguida. O cerco, cada vez mais agressivo, vinha desde que a jovem dera fim ao relacionamento entre ambos - término que o chefe, impotente, não aceitou. O mais-que-típico caso de desinteresse sexual e rejeição. De atípico, o emprego e o status do assassino. O que faz a diferença em um país de cidadania frouxa. São estas circunstâncias que o livro de Luiz Octavio de Lima, que trabalhou com o criminoso (na condição de subordinado) e com a vítima (da qual foi colega), enumera e denuncia. Seu texto busca a isenção, como dita o bom jornalismo. Fontes, ângulos, perfis, depoimentos e transcrições. Mas, nas entrelinhas, seu livro condena o assassino. Eu também. Sumo exemplo de covardia e fraqueza de caráter, esta história merecia uma reportagem que lhe desse sobrevida além do noticiário. Porque, se a pouco confiável Justiça brasileira o presenteou com pena branda (condenado a 19 anos pelo crime hediondo, e sendo aprisionado somente 11 anos depois do assassinato, mal cumpriu 3 anos na pacata cadeia de Tremembé), o livro de Luiz Octávio, como uma maldição, condenou o nome Pimenta Neves a não ser esquecido. E este é um registro que não prescreve.

Editora Scortecci, 366 páginas

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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