"Gracias a la vida", por Cid Benjamin

terça-feira, abril 21, 2015 Sidney Puterman

Há exatos 45 anos - em 21 de abril de 1970 -, era emboscado pelo DOI-Codi, numa padaria na esquina da Vilela Tavares com a Dias da Cruz, no Méier, Rio de Janeiro, o agente subversivo Cid Benjamin. Você pode vê-lo acima: Cid é o rapaz mais à direita, com jeitão de Dan Henderson, integrando o grupo de presos políticos trocados pelo embaixador alemão Von Hollenben. Cid era durão. Faixa-preta de judô, proporcionou uma autêntica canseira para a poliçada no instante da captura. Eles estavam de olho no dublê de estudante e terrorista já há algum tempo. Até aquele momento, Cid vinha sendo um quadro de destaque do DI-GB (Dissidência Comunista da Guanabara) e, por consequência, um dos alvos mais cobiçados pela repressão. Cid foi um dos líderes do sequestro do embaixador americano Charles Elbrick - a mais impactante ação terrorista durante a ditadura - e participou de dezenas de ações armadas em 1969/70. Porém, nesse dia 21, um ano e meio após aderir à guerrilha urbana, acabou preso e barbaramente torturado. Sobreviveu. Sem sequelas e sem entregar ninguém. Oito semanas depois, com o sequestro do embaixador alemão, Cid foi incluído na lista dos prisioneiros a serem trocados e embarcou no vôo dos banidos, com destino à Argélia. No exílio, viveu em três países (Cuba, Chile e Suécia), teve duas esposas e uma filha. Saudoso dos pais e do país, foi um dos primeiros exilados a voltar ao Brasil com a Lei da Anistia, em 1979, e, no ano seguinte, foi um dos que fundaram o PT. Velhos tempos. Muita coisa mudou, mas Cid, nem tanto: hoje, deputado pelo PSOL, se mantém socialista e ainda crê na existência da direita. Votou no PT em todas as eleições presidenciais, de Lula a Dilma; mas isso não o impede de condenar o partido em que o PT se transformou. Cid é um idealista. E, bacana, Cid é meu xará. Eu, que também sou Sid, confesso que desconhecia sua história - minha ignorância não conhece limites. Seu livro é uma excelente introdução para aprendermos mais sobre aqueles anos difíceis - há farta literatura sobre a guerrilha urbana e rural, mas um volume bem menor sobre o cotidiano dos exilados. Essa é a biografia de um brasileiro corajoso, que combateu o regime militar equipado apenas com algumas armas, roubadas, e uma irresponsabilidade juvenil, que lhe era própria. Amadureceu. Hoje condena a mesma luta armada na qual tomou parte. Essa é uma das suas mudanças de perspectiva - mas muita coisa nele não mudou. Sua convicção ideológica permanece quase inalterada. Cid é até hoje tributário de Cuba e da sua revolução. Cid acredita cabalmente na existência da esquerda. Cid ainda enxerga um mundo dividido em dois grandes blocos, formados por seres humanos de qualidades diferentes e interesses opostos. Arrisco dizer que ele crê estarem a maior parte das virtudes com aqueles perfilados à esquerda. Pela legitimidade da sua trajetória e pela sinceridade das suas crenças, são memórias que valem ser lidas. Nelas, em seu retorno ao Brasil - que são assim uma segunda parte do livro, um tanto dissociada da primeira -, Cid revela como, após fundar o Partido dos Trabalhadores, se decepcionou com Lula e com os inegáveis focos de corrupção que pululavam ao seu redor e se multiplicavam nas prefeituras administradas pelo PT. Vocifera contra a incompetência petista e sua constante dubiedade, com um discurso de socialização que é negado quando assume a prática executiva. Cid acusa também os sindicatos, repletos de pelegos, e o seu sindicalismo falso, dirigido ao enriquecimento pessoal. Esmiuça o assassinato de Celso Daniel, prefeito petista de Santo André, e a sórdida trama que o matou e que depois eliminou todos os envolvidos (maiores detalhes sobre esse crime em "Assassinato de reputações", de Romeu Tuma Jr, também resenhado neste blog). Cid faz isso sem ataques gratuitos; mas com firmeza. A forma como expõe suas convicções leva o leitor - pelo menos eu, que além de leitor, sou seu xará - a dar crédito à honestidade do seu depoimento. Por ele, se vê que Cid é um um humanista. São cidadãos assim que constroem uma nação - até mesmo os equivocados. Ninguém é perfeito.

José Olympio Editora, 292 páginas


Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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