"1565", por Pedro Doria
Ler é uma das maiores pechinchas da praça. A tal relação custo-benefício que neguim tanto gosta de trazer à liça não poderia ser mais recompensadora do que no relacionamento entre o leitor e o autor de um livro. A gente, que lê, paga uma ninharia - que não compra meio quilo de estrogonofe nesses restaurantes meia-boca do centro - e se apropria de um conhecimento que ao autor custou fortunas (em tempo, dinheiro e talento) para pesquisar e escrever. Uau. É trocar uma ferrari num alicate de unha. Falo isso porque fiquei feliz com o livro de Pedro Doria, sujeito jornalista que enfiou o nariz nos sebos e bibliotecas para aprender a história do Rio de Janeiro e depois nos contar. Um altruísta. Como ele mesmo diz, um dia quis saber a história da cidade e não descobriu onde. Foi fuçar e trouxe a trajetória dos Sá, e, mais que todos, de Salvador de Sá e Benevides, um herói macunaíma, de pouco caráter e muito bestunto, governador carioca que chefiou os tupis numa guerra em que derrotou os holandeses e uma rainha angolana nos confins da África (o passado, às vezes, cheira à folclore). Curioso é que por isso ganhou pouco, e, pelo que no governo usurpou, ganhou muito. Complexidades da vida. Voltando aos primórdios do Rio e ao início do livro, o autor se vale da sua boa e calejada narrativa para destrinchar a fundação da cidade, numa terra tomada de volta aos franceses - que nem grande uso andavam fazendo dela. Relata o heróico ataque à Ilha de Villegaignon (na ausência do próprio) e a morte do jovem Estácio de Sá, "sobrinho" de Mem de Sá (os dois Sás que deram origem a uma centenária dinastia), no confronto que marca o dia inaugural da história carioca. A partir daí, Pedro Doria traz sempre o Rio paripassu com as ricas cidades do Nordeste - Salvador e Recife - e, como contraponto, com a interiorana e maltrapilha São Paulo, tratada aqui como co-irmã fundadora. O autor enaltece os vínculos oficiais do Rio com Lisboa e explica que, com a transferência da tecnologia de cultivo da cana para as Antilhas Holandesas (funesto sintoma colateral da expulsão dos holandeses do Brasil) e o consequente empobrecimento de Bahia e Pernambuco, a representatividade da capital carioca mudou de patamar. E aí, além das benesses do Reino e da força bandeirante de São Paulo, o Rio, naqueles tempos difíceis, respirou viabilizado pela firme presença dos jesuítas. Dessa maneira, a cidade se viu protegida e, ainda que pobre, sobreviveu. Pondo de lado a história graúda, fruto de abundante traça e muita síntese, as curiosidades salpicadas no livro divertem. O primeiro carnaval carioca foi organizado para puxar o saco do rei português. O Rio foi por um século uma cidade indígena, com portugueses casados com índias, com filhos mamelucos e escravos também índios (enquanto a cidade de Salvador tinha 3.000 famílias brancas e a de Recife 2.000, o Rio de Janeiro tinha 150). E por aí vai. O livro é bom e, para os que, como eu, são apaixonados pela história do Rio, essa descrição dos pormenores é irresistível. Quem queira fazer um tour imaginário pela cidade em seu nascedouro que vá à página 146, suba os morros e contorne os pântanos. Ou, como aconselha Doria, por cautela, pegue uma canoa e vá pelo mar. Decida-se. Mas, pena, nem só de paisagens luxuriantes e gordas virtudes vive esse aprazível compêndio: tem entre suas fraquezas uma capa botúlica, com o título semi-estourado na caixa superposta sobre a ilustração sangrada. Não é solução gráfica das melhores, por cansada, nem eficaz, por descuido. A bela imagem de fundo, um mapa de época, está oculto pela caixa, a qual, suavemente transparente, busca amenizar a própria presença permitindo a tênue visão do que por opção esconde. Outra bola fora são os "olhos" (destaques que reproduzem o texto), distribuídos aleatoriamente por uma dúzia de páginas, sem com isso trazer a mais ínfima contribuição à obra - nem funcionalidade, nem estilo. Má ideia. No mais, um livro saboroso sobre a história da nossa terra, escarafunchada com propriedade por um colunista de tecnologia (o que é inusitado e cosmopolita, características que tão bem se encaixam nessa cidade mal-resolvida, erguida nesse lugar exuberante). Por pura provocação, Doria fecha o livro pondo lugar e data: "Gávea, agosto de 2012". Isso é o Rio. O próprio endereço tem um quê de desbunde. Desbunde?? Periga de, em você não sendo um carioca das antigas, não entender...Nova Fronteira, 277 páginas
Comprei o livro por impulso e tive o mesmo pensamento que vc. O cara ralou para colocar essa história e eu aqui lendo assim... "facinho" ! Muito bom. Espero que muitos brasileiros possam ler este livro !
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