"Uma história dos povos de língua inglesa", por Winston Churchill

domingo, agosto 03, 2014 Sidney Puterman

Winston Churchill é um semi-anônimo no Brasil. Sua trajetória ao longo de três quartos de século como político e agente transformador da História é aqui quase que ignorada, salvo a foto clichê de cartola e charuto e sua incensada frase "só prometo sangue, suor e lágrimas" (chupada de um poema de Lord Byron, ídolo do estadista quando jovem). O ex-premier inglês foi polêmico, enérgico, radical, controverso - e nem a soma desses atributos, geralmente pouco invejáveis, impediu que se consagrasse liderando o Reino Unido na Segunda Guerra. Pena que não seja adequadamente estudado em nosso país, devedores que somos da vitória aliada no conflito mundial (até 1944, a Argentina de Perón era o manda-chuva sul-americano e uma ostensiva cabeça-de-ponte do Terceiro Reich nas Américas). Ao refletirmos, não soa descabido conjecturar que, em um continente sob domínio nazista, o Brasil se tornaria um coadjuvante manietado e submisso em um imenso território germano-argentino ("Brasil, decime que se siente, tener em casa tu papa..."). São apenas elocubrações. Ainda que válidas, pedem mais espaço e fundamentação. Digressão feita, porém, por oportuna e esclarecedora, o que importa aqui é o autor e sua realização. Uma obra ímpar, por inexistir termo de comparação quando o historiador é ele mesmo protagonista da história e, excluindo-se, discorre retrospectivamente sobre os dois mil anos de lento progresso da sua nação. Não bastasse a elegância e concisão do texto - onde não raro a ironia e o humor tipicamente inglês pontificam -, a análise de Winston Spencer Churchill sobressai pela pertinência de quem desfrutou do ônus e do bônus do poder. Finalizado por um Churchill já octagenário, bem diferente do jovem que aos 25 anos já havia lutado em 4 guerras e publicado 5 livros, o que se tem nessa obra é um exercício de ponderação. Seus pontos de vista são serenos, ainda que vez por outra uma esnobe vaidade transpareça. Muito poucos que não um líder da envergadura de Churchill poderiam avaliar tão bem o processo de tomada de decisões de quem ocupa o trono e as pressões a que estão sujeitos os soberanos - reféns póstumos das consequências de suas ações e omissões. O script seguido pelo livro inicia na colonização romana, passa por Boadicea e pelas sucessivas invasões vikings, e ganha estabilidade no período medieval, com o crescimento da Igreja e a sedimentação de um espectro de linhas sucessórias, eivadas de traição e sangue. Churchill vê de forma crítica e também com generosidade a atuação de cada monarca, bem como sua contribuição para a grandeza do reino inglês -  não os eximindo de fracassos e retrocessos. Naturalmente, suas considerações ganham incisiva profundidade à medida em que o tempo avança, pois o volume de informações disponível sobre o contexto político se torna extenso e confiável. Mas nada se pode comparar às suas descrições pormenorizadas dos teatros de guerra e da performance dos generais. Nesse terreno, Winston está em seu habitat. A guerra é sua essência. Mesmo sendo um aristocrata de berço, WSC cresceu na guerra, ansiou por guerras, se envolveu com elas desde a mais tenra idade e venceu a mãe de todas as guerras (contra Hitler e o nazismo). Delas íntimo e amante, o autor as vê e analisa como complexas movimentações de tropas e logística, articuladas por comandantes subordinados a conjunturas políticas, disputadas sobre um gigantesco tabuleiro - que se espraia não somente pelo solo bretão, mas por todo o globo. Ao não se restringir somente à ilha, Churchill aborda a colonização além-mar, com óbvio destaque para os Estados Unidos da América. Não só o ex-Primeiro Ministro inglês descreve a lenta formação do país que se tornaria o grande império do século XX (substituindo o próprio império britânico), como disseca a Guerra da Secessão, batalha por batalha. Seu relato se interrompe justamente na virada do século XIX para o XX. Comenta ainda a Guerra dos Boêres, na África do Sul (da qual ele participou e a qual catapultou-o para a fama), mas sem mencionar a si mesmo. Não era dele que tratava o livro, e sim da sua visão da história dos povos de língua inglesa. A sua ótica sobre a formação do povo britânico e da obra inigualável construída por essa ilha enevoada é o presente que Winston Spencer Churchill concedeu aos leitores e à posteridade. Fiquei feliz de estar entre aqueles e - inquietamente conformado - pertenço a esta última, tributária do seu esforço e gênio.

Editora Univercidade, 572 páginas

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

3 comentários:

  1. Amigo, eu vi que você leu Minha Mocidade do Churchill. Eu queri muito ler esse livro, mas não estou conseguindo encontrar nos sites tradicionais de sempre e por alguma razão não estou conseguindo concluir a compra na saraiva. Por acaso você conhece um bom e seguro sebo online ou quem sabe uma livraria mesmo. Como eu moro no interior do MT fica difícil comprar em loco. Obrigado!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Alan, fui dar uma checada aqui nos meus alfarrábios e constatei que encomendei esse exemplar na Siciliano em 27/9/2011, e ainda paguei uma baba (R$ 79,90). Fui dar uma olhada no site da Saraiva (que comprou a Siciliano, mas creio que estão ambos ativos) e o livro está lá, pelo mesmo preço. Segue o link: http://www.livrariasaraiva.com.br/produto/3540212 Espero que consiga, vale a pena. É um relato fascinante. Depois me diga. Abração!

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