"Mahatma Gandhi", por Huberto Rodhen
Selecionava algum livro na estante para ler – vi a lombada
descorada e peguei. Chequei a folha de rosto: o exemplar nas minhas mãos foi
impresso em junho de 1960, pouco mais de uma década após o assassinato covarde
de Mahatma Gandhi. Como aquele livro veio parar na minha estante? Herança do
meu gigantesco tio Felipe Mayer, a quem eu tanto devo e que tanto me influenciou na paixão pelas palavras encadernadas, amante dos livros e dos cigarros de palha, sempre com uma
cuia de chimarrão na mão e rodeado de cães senis e gatos fedorentos? Ou era produto
de algum arrastão que empreendi num sebo acanhado no centro antigo do Rio, que eu já nem me lembrava?
Não importa. Iniciei a leitura e vi que era, acima de tudo, uma dissertação em
cima da trajetória e dos feitos do Mahatma. Não estava recordado também do nome
do autor – havia uma certa familiaridade, mas nenhuma certeza. Dei uma googlada
e vi que ele foi um intelectual místico, profícuo e, provavelmente, bastante
respeitado em seu tempo. O tempo, a propósito, é implacável: o livro tem um ritmo característico d'antanho, do período analógico de disseminação de conteúdo, onde éramos poupados da overdose de informação que hoje nos soterra – é um texto reflexivo, com estorietas salpicadas e muita
apologia do, com o perdão da palavra, biografado. Sobremodo datada, a obra se dedica a
defender a postura crística do
hindu Gandhi e tem também passagens exóticas, como a denominação de
“sofrimento-crédito” e “sofrimento vice-gerente”, neologismos que, à época, poderiam ser admissíveis - mas que hoje soam somente estapafúrdios. O livro em tudo destoa da prosa atual: arrastado, opinativo, deifica o personagem seguindo parâmetros demasiado pessoais e dá esparsas pinceladas na história do homem a quem se propôs biografar - vide o título. Assim, episódico, seletivo, o autor
encerra projetando o nome de Vinoba Bhave como legítimo sucessor do Mahatma, líder espiritual de quem eu nunca havia ouvido falar. Parti para uma nova pesquisa no Google, onde a Wikipédia me
chamou de ignorante e revelou a extraordinária personalidade de Bhave, que
morreu em 1982, deixando importante legado. Em sua coletânea de reflexões e referências, Rodhen buscou escrever um livro à frente do seu tempo, mas que não resistiu à
avalanche do futuro. Normal.
Freitas Bastos, 143 páginas
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