"Marighella", por Mário Magalhães

sexta-feira, junho 07, 2013 Sidney Puterman


Biógrafos são tão importantes para o país que deveriam desfilar em carro aberto pela cidade. Falo dos bons. Mário Magalhães joga nesse time. Trocou anos de conforto pela ingrata tarefa de Hércules em um país sem oráculos. Fez de toneladas de material esparso, oculto e heterogêneo um quilo de História do Brasil. Lapida a pedra bruta e nos extasia com um meticuloso trabalho de ourives. Ele sabe: biografias são jóias únicas, são a projeção eterna da figura finita. Há que se ter cautela na sua confecção. Nelas, a pressa e a superficialidade do artesão transformam o trigo em joio. Mário não: faz broa saborosa. Cuida dos pequenos detalhes. Pra falar de Carlos Marighella, foi buscar a história do pai imigrante. E da sua chegada à São Paulo. Do fascínio pela morena recatada, mal desembarcado na Bahia. Do lar na Fonte Nova, endereço antigo também dos meus avós. Simpática coincidência. O autor conta muito, mas fala pouco. Seu texto é exato. Não libera um mínimo par de linhas à pieguice. É óleo de motor derramado. Não deixa lacunas: tudo é preenchido com um caldo negro e viscoso. Pena que, sob ele, os personagens vão morrendo. São muitos – e Magalhães acompanha cada um deles. Poucas vezes se viu um biógrafo tão carinhoso com os personagens periféricos do seu tema. Em sua obra, cada coadjuvante tem ares de protagonista (mesmo os bandidos a soldo do Estado, como Borer e Fleury, têm sua mini-retrospectiva); e o seu herói deriva de Ulisses a Dom Quixote. Quanto mais lemos, mais nos afeiçoamos ao seu texto justo. Vejo nele um pouco do estilo de Dines, biógrafo de Stefan Zweig no ótimo “Morte no Paraíso”. Mário é um esteta das frases. Gosta-as concisas, ricas e irônicas. Escreve com uma régua. Às vezes, com um cinzel. Inconformado, o autor não se contentou em terminar sua obra com a morte do inimigo público número 1 e desbastou as versões. Perscrutou as alegações da ditadura sobre sua execução. Peneirou cada versão insidiosa, em busca da verdade – que redime uns e incrimina outros. Sua descrição nos larga a pensar sobre como teria sido se Carlos Marighella tivesse, como tantos outros, optado pelo exílio e retornasse, com a “anistia”, para ocupar espaço na política brasileira. Aí talvez as atitudes assumidas nessa sua hipotética sobrevivência ao regime militar não justificassem o empenho em sua biografia, mais um que seria. Curioso cogitar - mas desperdício de conjectura. Ele não sobreviveu. Nos ficou dele a biografia tardia. Brilhante, porém. Como o autor. Bem vindo, Mário. A História do Brasil precisa de craques. 

Companhia das Letras , 732 páginas

Em tempo: a foto da capa é pop e emula o Obama We Can. Marighella He Could? Viajei.



Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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