"As entrevistas de Nuremberg", por Leon Goldensohn
Lombroso não foi o primeiro a tentar decifrar a mente criminosa; tampouco o último. O metódico e sereno dr. Leon Nathaniel Goldensohn ingressou na 63ª Divisão de
Infantaria Norte-Americana em 1943, sendo em 1945 designado psiquiatra da prisão
do Tribunal Militar Internacional de Nuremberg. Lá teve a oportunidade - mediante o estrito consentimento
de cada réu - de entrevistar boa parte dos principais acusados pelos crimes de guerra da Alemanha nazista (que, frente ao dr. Leon, oscilaram, em seus depoimentos,
da laconicidade às tentativas de persuasão). A retórica dominante se constituiu de reiteradas
negações e da recusa em assumir responsabilidades - ainda que, nas
entrelinhas, seu discurso
denunciasse deformado senso moral (coadunando, sintomaticamente, com as atrocidades que
negavam ter cometido). Ainda que recalcitrantes a princípio, Goldensohn extrai, de muitos deles, o último depoimento antes da
morte por enforcamento, e seus
relatos revelaram benevolência quanto à auto-imagem (julgavam a si mesmos bons cidadãos e familiares, que meramente cumpriam ordens para o bem da pátria). Confrontados com o genocídio praticado pela
máquina de guerra alemã, atribuíram aos mortos – ou, maliciosamente, aos vizinhos de cela – a culpa pelos
crimes em massa. Quanto aos campos de concentração, se muito "talvez tivessem ouvido falar, vagamente", mas não tinham absolutamente nada a ver com isso - inclusive, eram totalmente contra. Em sua grande maioria, acusavam Hitler e Himmler e buscavam salvar a
própria pele, com baixíssimo índice de sucesso (o Tribunal foi contundente na
maioria das sentenças). Alguns dos nomes de maior importância e visibilidade do
regime deram seus depoimentos: Göering, Ribbentrop, Frank, Papen, Jodl,
Rosemberg, Streicher, Schacht, Hess, Speer. Goldensohn colheu seu derradeiro manifesto pessoal. Ouvir da própria boca dos
principais personagens a sua versão dos acontecimentos pode não nos trazer a
verdade, mas provoca reflexões,
que geram convicções. É aprendizado imprescindível para quem busca entender
melhor essa absurda passagem recente da história da civilização ocidental. E, ao contrário do que tentou definir Lombroso, o criminoso raramente exibe suas más tendências na própria fisionomia: a maldade pode muitas vezes estar camuflada sob a aparência mais angelical. É aí que mora o perigo, Lombrosão.
Companhia das Letras , 551 páginas
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