"Minha razão de viver", por Samuel Wainer
Confesso: o nome “Última Hora” era, para mim, uma simples lembrança de infância, um jornal de tinta azul, que vira-e-mexe eu via citado por personalidades e nostálgicos. Talvez seja isso para você também. Ou nem isso. Ou você tenha escutado que era um jornal vendido, a serviço de Getúlio. Ou que o título revolucionou o jornalismo brasileiro. Ou que o dono era um crápula judeu que Lacerda jurou mandar de volta para a Bielorússia. Ou que Wainer furou o monopólio dos donos de jornal e deu um novo status à função de repórter. Ou... Eu li e vou lhe contar: o cara foi ímpar. Imigrante judeu do Bom Retiro, foi íntimo dos presidentes brasileiros durante 15 anos, influenciando decisões e dando suporte a candidaturas e estratégias de governo. Apelidado por Vargas de “O Profeta”, acompanhou Juscelino na construção de Brasília e tentou pôr Jango nos eixos (em vão) até sua deposição. Quando jovem, não fez por menos: foi o único repórter sul-americano no julgamento de Nuremberg e foi correspondente na criação do Estado de Israel, sob fogo terrorista em plena Palestina. No Brasil, experimentou formatos em revistas e jornais cujo objetivo constante foi dar curso à opinião editorial. Foi perseguido, preso e exposto à execração pública. Avesso a dinheiro, das centenas de milhões de dólares que passaram por suas mãos não ficou nada, e no fim da vida viveu de salário, empregado do próprio jornal que um dia foi seu. Deixou de herança um telefone. Viveu intensamente: cercado por centenas de amigos e comendo as melhores mulheres (embora isso ele deixe para as entrelinhas). O fato é que o seu livro de memórias tem o Brasil por personagem. E um jornal de tinta azul por paixão.
Record, 282 pgs
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