"Apostas encerradas", por Flavio Neves
Sou duplamente suspeito. Quem ler esse post sobre o Quitandinha pode me indiciar antecipadamente. Primeiro, sou amigo do autor. Segundo, passei dias inesquecíveis da minha infância correndo naquele piso de mármore alvinegro e jogando bola no ginásio do subsolo. Tudo no Santa Paula Quitandinha Clube (nome posterior do cassino) me assustava e seduzia. Fascinava. A macabra piscina térmica, com o largo pilotis dentro dágua, a profundidade de cinco metros e as portas de escotilha para os vestiários, que, sei lá por que, me lembravam os incas venusianos (para quem não faz a menor idéia, eram os bandidos de uma das séries do Nacional Kid… não sabe quem é? bem, deixa pra lá). As sessões de cinema das duas da tarde de domingo. O boliche subterrâneo e seu cheiro de mofo. A congelante pista de patinação no gelo. O salão mecanizado, onde assisti, desinteressado (queria jogar pingue pongue), Vinícius de Moraes e Maria Betânia se apresentarem. Ora, falei de mim. E o livro? Imperdível. Texto objetivo e fotos a rodo. Fala do construtor, fala de Getúlio, fala de Hollywood. Traz panfletos de época, que asseguravam que os turistas teriam uma linha exclusiva de helicópteros para trazê-los do Rio até Petrópolis. Mostra a incrível praia que Rolla construiu em plena serra. Os folders do gigantesco condomínio hoteleiro projetado por Niemeyer e do qual a cidade imperial, sortuda, se livrou. Simultaneamente enxuto e minucioso, entrevista antigos funcionários e descortina o panorama político. Como a saída do Pai dos Pobres (e de alguns ricos) precipitou o fim do jogo e provocou o enterro em vida do cassino. Ou seja, se você ainda não foi à Petrópolis e não conhece o faraônico castelo, não vá sem ler esse livro. A cuidadosa obra de Flavio Neves dá espaço a cada um dos que ajudaram a erguer o palácio e aos fatos que contribuíram para sua derrocada. Mas, por destino, a implosão foi apenas conceitual. Anime-se. Há os que vão à Ricoleta, na capital argentina, ver a beleza funérea de um cemitério. Pois aqui o sonho natimorto de um cassino sem paralelo permanece absolutamente encantador na entrada de Petrópolis. O livro conta essa história. O título, independente, está à venda em algumas poucas livrarias. Quem tiver a sorte de possuí-lo, não se desfaça, mesmo que – santa ignorância – por ele não se interesse. No futuro será peça de colecionador e valerá uma fortuna. Esse é o meu palpite. Apostas abertas.
Produção independente, 216 pgs
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