"A batalha do Avaí", por Lilia Schwarcz


É comum dizermos que a história "é escrita pelos vencedores". Não só, mas também. Quer um exemplo? O Paraguai perdeu a guerra, mas conta essa história segundo a sua própria conveniência. 

(Lembrando que até o nome da guerra requer perspectiva. No Brasil ela atende pelo nome do oponente - a "guerra do Paraguai". Em Assunção eles se referem aos seus três algozes juntos. Nos bancos escolares paraguaios, as crianças chamam-na "la guerra de la Triple Alianza".)

Se hoje o confronto é contado por uma multiplicidade de plataformas, no passado os meios se restringiam aos livros e às pinturas. Os quadros, mormente os de dimensões monumentais, eram o canal predileto dos governos - pois resumiam a narrativa a uma única cena grandiosa. O pintor reproduzia o momento (congelado e maquiado) que interessava ao governante e fim de papo.

Pronta, a obra era exibida publicamente, com festa, e depois iria decorar alguma parede palaciana.

Importante era ser encomendada ao cara certo. Vindo com a grife adequada, já era garantia de aprovação prévia. Nesse sentido, em termos de pintura histórica, dois nomes monopolizavam o mercado de grandes encomendas: o catarinense Victor Meirelles e o paraibano Pedro Américo.

Victor Meirelles foi o autor de "A primeira missa no Brasil", "Combate Naval do Riachuelo", "Passagem de Humaitá" (ambas da Guerra do Paraguai) e "Batalha dos Guararapes".

Pedro Américo foi o autor de "Fala do Trono", "O Grito do Ipiranga", "Chaco", "Batalha de Campo Grande" e "A batalha do Avaí" (as três últimas sobre a Guerra do Paraguai).

Curioso é que Américo fechou contrato para pintar a batalha dos Guararapes, ocorrida duzentos anos antes, e resolveu por conta própria pintar a batalha do Avaí, que tinha "acabado" de acontecer.

Aí a encomenda sobrou pro Meirelles, que fez a pintura do confronto com os holandeses. Prontas praticamente ao mesmo tempo, as telas foram expostas ao público lado a lado. Choveram críticas.

Caxias ficou estressado. Américo o retratou em posição de destaque, mas desabotoado. O duque achou um acinte a representação. Alegou que nunca estivera descomposto em batalha.

Houve também quem criticasse a representação do general Osorio, apartado do comando, em meio à soldadesca. Zoaram que ele era o comandante "de si mesmo". 

Não foram estes os únicos comentários negativos. Muitos chamaram Américo de empreiteiro de pintores (acusavam-no de ter posto onze diferentes artistas para executar o quadro) e, pior, de plagiário. Julgue você mesmo. Schwarcz, a autora do livro sobre a obra, exibe as pinturas, de outros autores famosos, dos quais Pedro Américo havia surrupiado as cenas.

A área nobre de "A batalha do Avaí" exibe o Duque de Caxias, montado a cavalo, em um promontório iluminado, ao lado de outros dois oficiais. Confira no livro uma representação idêntica na obra de Gustave Doré em seu "Bataille de Montebello", uma litografia de 1859.

O que mais denuncia a cópia é que os três cavalos estão em posição corporal absolutamente idêntica, assim como seus três cavaleiros. A única sutil diferença é que um deles segura um binóculo. Aos olhos de hoje, seria uma tremenda cara-de-pau. À época, provável que Américo apostasse que ninguém jamais iria constatar a "coincidência".

Que não se restringiu a essa, vale frisar. Se a representação de um dos dois grandes personagens da guerra - Caxias - foi copiada de um outro autor, o outro personagem de destaque, Osorio, também teve sua postura plagiada de uma outra obra.

Paul Delaroche, em seu "Charlemagne traversant les alpes", um óleo sobre tela datado de 1847, exibe o francês em posição semelhante à escolhida por Américo para representar Osorio. O plágio, neste caso, não é tão evidente. Schwarcz presenteia o leitor, permitindo a comparação entre as duas obras.

Antes de vir para o Brasil, a pintura foi vista, ainda na Europa, por Pedro II. Ou seja, já desembarcou por aqui com o selo da aprovação imperial. O quadro foi pintado na Itália, de 1872 a 1877. 

A historiadora Lilia Schwarcz disseca o quadro e o contexto do período. Seu estudo analisa diligentemente o momento político e os poderes envolvidos - o Império, o Senado e o Exército. 

Traz também a ironia dos cartunistas brasileiros sobre a celeuma entre os quadros de Américo e Meirelles. Mostra a divertida caricatura de Angelo Agostini, publicada na Illustrada, em 1879, onde os personagens da sangrenta e caótica pintura d' "A batalha do Avaí" invadem a pintura mais estática e (me pareceu) conspiratória de "Batalha dos Guararapes". 

Voltando à questão inicial, de que cada país é dono da sua própria história e a chancela como lhe agrada, o livro exibe também o óleo sobre tela "Batalla do Abay" (isso mesmo, com "b"), atualmente exposto no Museo Nacional de Bellas Artes do Paraguay.

Na tela paraguaia (sem data e autor), ao contrário do massacre das forças imperiais, em um dia tempestuoso, sobre um exército acuado e seminu, temos uma refrega mais contida, onde, em um dia ensolarado e verdejante, um bem composto exército paraguaio encurrala as tropas brasileiras, com direito a um mastro da bandeira paraguaia enfiado em uma garganta imperial.

Cada um conta a história como lhe apraz. Aí você tem que ler, para depurar o que realmente sucedeu...

Graficamente, o livro é espetacular. Com capa dura e sobrecapa em couchê (mesmo papel e gramatura do miolo), a obra de Schwarcz reproduz dezenas de obras do período. E, o principal, o quadro que é motivo do livro é desdobrado em uma página tripla, com 37,5cm de altura e generosos 79cm de largura (além da ampliação de cenas específicas e substanciosas).

A edição, pena, não está mais disponível nos principais sites livreiros. Mas exemplares usados são encontrados, na Amazon e no Estante Virtual, a partir de R$ 89,00. Uma pechincha. 

Editora Sextante, 172 páginas   |   1a edição,  2013



"General Osorio", por Francisco Doratioto


Aposto que você não sabe patavinas sobre o General Osorio. Morto, o general não passa de um endereço: praça, rua, avenida etc. Vivo, ele, além de general, foi o Marechal Osorio, o Senador Osorio e o Marquês de Herval - uma vasta série de títulos, empoeirados, de um passado remoto.

Não conheço ninguém que saiba que esse cara foi o tal. Na boa, quem quer saber? 

Devíamos. Porque houve certos momentos na História do Brasil em que um sujeito, sozinho, fez diferença. É o caso dele. Osorio (isso mesmo, sem acento) foi para o Brasil, na Guerra do Paraguai, o que Garrincha foi para a Seleção nas Copas de 1958 e 1962. Era Osorio quem matava no peito, gingava, ia pra dentro do adversário e conquistava as vitórias.

Sem Mané dificilmente o Brasil teria conquistado as duas Copas. Nesse meu paralelo maluco, poderíamos dizer que Osorio foi o grande craque da guerra. Mesmo que, nas batalhas finais, estivesse sem conseguir andar, montar ou comer - já que sua mandíbula foi estourada por um petardo guarani - e que se resumisse a um espantalho pendurado à frente das tropas.

Para sabermos disso, dou todo o crédito à Francisco Doratioto. O autor, que já havia dissecado a Guerra do Paraguai, aproveitou o material obtido com as pesquisas que fez em seu seminal "Maldita Guerra", para escrever a biografia do maior protagonista brasileiro do confronto.

O historiador relata a origem humilde do gaúcho Manoel Luís Osorio e sua entrada para o exército com apenas 14 anos, em um cerco a Montevidéu (besteira pouca, cercar uruguaio). Na verdade, ele sequer queria ser militar - foi por forçação de barra do pai, o Major Osorio, um ex-peão de fazenda que ascendeu no Exército Imperial, força que era uma mistura de gringos e portugueses.

Nesta e em seguidas circunstâncias o garoto se viu em meio ao tiroteio. Osorio foi literalmente forjado no fogo, na fronteira mais incandescente do país, na divisa do Rio Grande com o Uruguai.

Doratioto então nos oferece um painel sintético da política sul-americana do período, com destaque para o Rio Grande e seus vizinhos hispânicos, sempre em ebulição (seja nas disputas intestinas, seja no acima referido confronto com os rivais fronteiriços).

Fala também da política imperial: afinal de contas, Osorio nasceu no Brasil Colônia, em 10 de maio de 1810, e se alistou para defender um Brasil recém-independente, com vínculos ainda umbelicais com Portugal e com um Imperador que logo iria abandonar o país.

Osorio tomou parte na Guerra Cisplatina - na qual a ex-Província Cisplatina brasileira se tornou um país estrangeiro soberano, o Uruguai - e também na longa revolução civil gaúcha que foi a Revolução Farroupilha, onde lutou contra os rebelados (na maioria, seus próprios ex-companheiros do confronto anterior com os uruguaios).

Um sinal de como era tudo embaralhado naqueles rincões, Osorio, assim que pôde, juntou um pecúlio, que usou para comprar uma estância... no Uruguai! Ou seja, ele era um gaúcho que defendia o Império dos farroupilhas, que lutavam pelo separatismo; era um militar brasileiro, volta e meia peleando contra militares e bandidos uruguaios; mas era também um estancieiro uruguaio.

Voltando à sua adolescência, Osorio saiu da guerra contra os uruguaios promovido a tenente, com meros 17 anos. O soldo, porém, era baixo, e não dava para ter uma vida estável com o dinheiro pago pelo Império. Por isso, até o fim da vida, nunca quis que seus filhos entrassem para o Exército.

O roubo de gado era uma constante na região. Perseguindo bandidos, Osorio matou alguns deles no lado uruguaio, o que lhe valeu uma cana de onze meses. O pior é que caiu em desgraça e demorou mais de dez anos para conseguir uma nova promoção nas forças armadas.

É durante a Revolução Farroupilha que Osorio mais se destaca, defendendo a monarquia e a integridade do território brasileiro (que Bento Gonçalves, cercando Porto Alegre, e Seiva Netto teimam em dividir, proclamando a República Rio Grandense).

Osorio, na verdade, a princípio entrou nessa briga ao lado dos farroupilhas. Bento Gonçalves fora seu superior. Mas sua adesão era mais por ver a província mal administrada, e não por ser republicano. 

Seu pai, monarquista, ficou possesso. Escreveu para o filho, alertando-o que lutariam um contra o outro. Tudo somado, filho leal, bom cidadão, Osorio mudou de lado - ou permaneceu onde estivera antes, uma espada a serviço do Imperador.

Sua atuação no conflito foi decisiva para cair nas graças de Caxias e do governo imperial. A partir daí, as promoções se sucederam. Foi a capitão (antes pediu reforma do Exército, o que não foi aceito), depois a major e a tenente-coronel. O Imperador, grato, faz dele Cavaleiro da Ordem.

Seu prestígio cresce. Tanto que, quando D. Pedro II e Teresa Cristina visitam o Rio Grande do Sul, onde ficaram por cinco meses, coube a Osorio a missão de guarda-costas do casal.

Suas funções se diversificam. Com ótimo trânsito entre os países vizinhos, é designado para missão de "espionagem" em Corrientes e Entre Rios. Recebe 700 contos de réis para subsidiar sua viagem. Faz o serviço e devolve 503 contos de réis à Coroa. Pois é. Osorio era diferente.

Osorio se torna mais útil e relevante com o acirramento das guerras platinas. Os principais caudilhos da época - Rosas, Urquiza e Uribe - disputam o controle de Uruguai e Argentina. O Brasil, parte interessada no conflito, se une aos uruguaios, correntinos e entrerrienses e derrota Rosas na Batalha de Monte Caseros. Osorio entra marchando em Buenos Aires e é promovido a coronel.

Alguns anos depois, após umas picuinhas políticas, Osorio é alçado a "Brigadeiro", o equivalente hoje ao "General". O contexto platino mudara (outra vez). A Argentina, pouco tempo antes adversária, era agora aliada - coisa rara entre brasileiros e argentinos, mesmo naquela época.

O Uruguai, dois parágrafos atrás aliado, era agora adversário - ou vítima, como queiram. O governo de Aguirre fazia ouvidos surdos aos protestos dos latifundiários brasileiros com terras no país, que vinham sofrendo roubos e violências. O Império resolveu proteger os brasileiros, e estacionou uma esquadra, sob o comando do almirante Tamandaré, em frente ao porto de Montevidéu.

O Paraguai estrilou. Seu caudilho, Solano Lopéz, reagiu ao cerco, declarando apoio ao governo blanco uruguaio. Aprisionou o navio mercante brasileiro Marquês de Olinda, que navegava próximo a Assunção, e ameaçou mandar seu exército à guerra (para que se tenha uma dimensão, as forças militares paraguaias dispunham de 77 mil homens, contra 18 mil de todo o exército brasileiro).

O Brasil ignorou Lopéz e apoiou a rebelião do colorado Venâncio Flores (seu ex-adversário na Guerra Cisplatina de 1825). Sob as ordens do Ministro da Guerra, Visconde de Beaurepaire-Rohan (quem?), Osorio assume o comando da 1a Divisão, invade o Uruguai e toma Paysandú, em dezembro de 1864.

(Parênteses. Tive que ir fuçar para saber quem foi esse tal de Beaurepaire-Rohan, do qual eu jamais tinha ouvido falar. Seu pai, Jacques Antoine Marc, foi um marechal-de-campo do exército francês perseguido por Napoleão, que fugiu para Portugal e veio para o Brasil com D. João VI, naquela mesma leva que trouxe os Taunay e os D'Escragnolle do meu amigo Dionísio. Fecha parentêses.)

O bagulho estava tão sinistro que, por precaução, Osorio, antes de invadir o Uruguai, mandou a esposa e os filhos saírem de Jaguarão e se refugiarem em Pelotas. Foi previdente. Os blancos uruguaios, com 1.500 soldados, efetivamente invadiram e saquearam a cidade brasileira.

A ausência de defesa nas fronteiras, naquele tempo, era uma festa.

Enquanto isso, Montevidéu estava sob sítio da esquadra brasileira, e Osorio marchou de Paysandú à capital uruguaia para fazer sua parte no cerco. O Império era arame liso: cercava, mas não machucava. Já Lopéz pagou para ver. Sob o pretexto de prestar solidariedade ao Uruguai, os paraguaios invadem o Mato Grosso, tomam o Forte Coimbra e saqueiam Corumbá.

Tinha sido dado o pontapé inicial na "Guerra do Paraguai". 

Ele não contava é que, naquele mês, com as eleições no Uruguai, o governo blanco seria substituído por um governo colorado. Viva a democracia. Saiu Aguirre e assumiu Villalba, que assinou um protocolo de paz com brasileiros e argentinos, evitando que o cerco redundasse em mortes desnecessárias de ambos os lados. Bom, né? que nada.

O imbroglio político era tal, que Paranhos, o diplomata brasileiro que fora enviado em substituição ao Conselheiro Saraiva, justamente para costurar uma saída diplomática para o impasse no Uruguai (e que assinou a paz), foi espezinhado e demitido pelo governo imperial. A questão era que a "honra brasileira" tinha sido ultrajada, com a nossa bandeira arrastada pelas ruas de Montevidéu, e que o tratado de paz não previa a punição dos autores. Sem comentários.

Osorio era agora o comandante do Exército brasileiro no Uruguai, substituindo seu desafeto Menna Barreto, que pedira para ser exonerado. A força, que contava com dez mil homens, logo subira para treze mil, mas a qualidade da tropa era "sofrível", com os cavalos em estado de miséria.

A situação era mais crítica ainda, porque tudo indicava que o Exército de Solano Lopéz estava a postos para invadir o Brasil, nas cercanias de São Borja, e o Exército brasileiro estava todo no Uruguai. Osorio escreveu ao ministro da Guerra, o Beaurepaire, alertando para o fato e pedindo providências.

Você fez alguma coisa? Pois é, o ministro da Guerra também não.

Antes de invadir o Brasil, Lopéz ocupou a cidade argentina de Corrientes, com um Exército de 22.000 paraguaios. Osorio foi a Buenos Aires, onde se reuniu com Bartolomeu Mitre, e depois, secretamente, com Urquiza, que não queria se comprometer contra os paraguaios. Depois que Osorio fez de Urquiza fornecedor exclusivo de cavalos para o Exército imperial, o uruguaio garantiu apoio.

(Foram milhares de cavalos comprados, por valor inflacionado, sem possibilidade de uso pelas forças brasileiras. Mas acabou com o estoque de cavalos argentinos à disposição dos paraguaios.)

Diante da agressão paraguaia, Brasil, Argentina e Uruguai assinaram o acordo da Tríplice Aliança, em 1o de maio de 1865. A sorte de Lopéz foi selada ali. Haveria dezenas de batalhas até que o paraguaio fosse enviado para o outro mundo, mas o conjunto de forças que pesariam contra ele era insuperável.

Em detrimento de Caxias, Osorio foi nomeado Comandante Efetivo do Exército Brasileiro na guerra contra o Paraguai. A indicação foi contestada, porque ele não possuía base acadêmica, nem grande lustro estratégico. Mas ninguém conhecia mais do que ele o combate, a região e o povo local.

Osorio era o cara certo, no lugar certo e na hora certa.

Coube a ele organizar o 1o Corpo do Exército, em boa parte formado por civis. Partindo de Salto, no Uruguai, "marchou quinhentos quilômetros pelo interior argentino até a fronteira com o Paraguai", explana Doratioto, que considerou o avanço "uma verdadeira epopeia feita por milhares de homens, cavalos, carroças com suprimentos e pesados armamentos puxados por animais em terreno sem estradas, cruzando pântanos, rios e riachos que não dispunham de pontes, durante o rigoroso inverno da região".

Em dias de grandes jogos no Maracanã, as ruas ao redor do estádio são interditadas. Uma das soluções para quem vem da Tijuca em direção ao Centro e Zona Sul é pegar a General Canabarro. A ruela, dividida ao meio por um calçadão arborizado, dá vazão ao trânsito. Pois é, era a ele, Canabarro, a quem estava confiada a defesa das fronteiras contra uma eventual invasão paraguaia. Foi um fiasco.

No dia 10 de junho, doze mil soldados paraguaios invadiram São Borja, e no início de agosto já ocupavam Uruguaiana. Se a tomada de Corumbá era incapaz de produzir resultados práticos, as cidades fronteiriças gaúchas eram outros quinhentos. O Paraguai estava duas jogadas à nossa frente nessa guerra.

E toma-lhe promoção. Em 24 de julho, Osorio foi promovido a marechal-de-campo. Com os aliados se aproximando de Corrientes, os paraguaios deram no pé, levando tudo o que fora saqueado.

É que o avanço, ousado, não tinha como se sustentar. Não havia linha de suprimento, disciplina ou comando. Apenas muita gente. E mesmo esta tal quantidade, bêbada, esfarelou.

A partir daí, a dinâmica da guerra se inverteria. Os Aliados é que invadiriam o Paraguai, em perseguição a Lopéz. Na lentidão de deslocamento de grandes forças que caracterizava a época, somente em abril do ano seguinte a ofensiva se concretizou, com o bombardeio de Ita Piru.

A decisão foi tomada no dia 10 de abril de 1866, quando os comandantes aliados se reuniram e definiram que a invasão se daria no Paso da Patria. "Osorio detestava participar de conselhos de guerra e neles costumava manter atitude modesta, justificando-a com a frase de Napoleão que, nas juntas de generais, prevalecia a opinião do mais fraco", destaca o biógrafo.

A única coisa que o marechal-de-campo brasileiro afirmou foi: "Qualquer que seja a decisão, o primeiro a pisar em território inimigo serei eu". E assim foi. Às nove da manhã do dia 16, na vanguarda do Exército, Osorio foi o primeiro a invadir o Paraguai. 

Foi criticado. Disseram que pusera em risco "as forças que comandava". O brasileiro rebateu: "Deram-me civis e não soldados para combater o inimigo. Eu precisava provar aos meus comandados que o seu general era capaz de ir até onde os mandava". A invasão foi um sucesso.

Se os pares criticaram, o chefão aprovou. Duas semanas depois, ao saber da performance do general na invasão, o Imperador D. Pedro II concedeu a ele o título de barão do Herval (na Monarquia brasileira a condição de nobre não era hereditária, mas obtida por mérito). O valente Osorio subia.

Com o Paso da Patria ocupado, os Aliados já estavam dando o Paraguai como favas contadas. Osorio pregara precaução, mas Flores, o general uruguaio, ignorou. Pra quê. Lopéz determinou uma contra-ofensiva surpresa, com quatro mil soldados atacando a vanguarda brasileira. Dois mil e quinhentos guaranis morreram na ação. Do lado aliado, mil e quinhentos.

E a ofensiva só fracassou porque Osorio, que almoçava com Bartolomeu Mitre em um navio na hora do ataque, largou o prato, organizou a tropa da retaguarda e partiu em socorro a Flores, sem sequer escovar os dentes. Foi seu apoio que levou o ataque paraguaio ao fracasso.

"Osorio conquistou a maior gloria desta jornada e todo o apreço do Exército argentino", escreveu o coronel argentino Emilio Conesa. O diplomata Almeida Rosa assinalou "que os sábios e literatos do Brasil e daqui não o valem". Dionísio Cerqueira, ao invés de elogiar Osorio, foi para o campo de batalha contar cabeças, como relata o historiador.

Encontrou "uma grande área com cadáveres mutilados, com cabeças decepadas presas ao tronco por músculos ensanguentados e outras rachadas ao meio, além de membros partidos e peitos esburacados". Como ressalta Doratioto, "era a imagem dantesca de uma época em que a guerra se travava corpo a corpo". Uma mutilação decorrente do uso maciço da espada, a arma da cavalaria contra a infantaria.

Poucas semanas depois teria lugar a Batalha de Tuiuti, o maior enfrentamento militar jamais ocorrido na América do Sul. Tuiuti, onde acamparam os aliados, era "um local seco, de apenas quatro quilômetros de comprimento por 2,4 km de largura, cercado por terreno inundado, o qual tinha juncos com mais de dois metros de altura, onde o inimigo podia esconder-se", esclarece o autor.

Essa área apetecível era cercada por pântanos, com passagens conhecidas somente pelos paraguaios. Para piorar, eles ergueram ali aquela que ficou conhecida como a "trincheira de Sauce", com três quilômetros de extensão, protegida por vinte canhões e fossos camuflados com estacas de madeira.

Conhecido o terreno, vamos aos times: 24 mil paraguaios atacando 32 mil aliados (sendo 21 mil brasileiros). Os paraguaios avançam a cavalo, destroçando a infantaria (nossos cavalos estavam mortos ou esgotados). Osorio, precavido semanas antes, dessa vez deu mole.

Os guaranis vieram jantando a brasileirada, dando um apavoro nas forças aliadas. O barata-voa foi contido, entretanto, pelo próprio Osorio, que, a cavalo, aos gritos de "Viva a nação brasileira" e "Viva o Imperador", evitou que a vanguarda recuasse e coordenou para que a retaguarda avançasse.

A peleja, que passou para a história como a Batalha de Tuiuti, teve a duração de um jogo de futebol americano, pouco mais de cinco horas. O campo ficou coberto por milhares de cadáveres, sendo seis mil paraguaios e mil aliados. Foram ainda sete mil paraguaios feridos e três mil aliados postos fora de combate. Os seja, Lopéz perdeu treze mil homens e a Aliança perdeu quatro mil.

"A ferocidade com que a batalha de Tuiuti foi travada pelas duas partes e as perdas humanas impactaram Osorio", escreveu Doratioto. "No dia seguinte ao da batalha, Silveira da Motta encontrou o general, que estava com a aparência de um 'esquálido fantasma', mal se reconhecendo nele o guerreiro cheio de energia da véspera".

Os aliados não tiveram forças para perseguir os paraguaios em fuga. Osorio, ao saber do número de mortos, se disse envergonhado. Posteriormente, perguntado sobre o que sentia ao entrar em batalha, respondeu que "ao avistar o inimigo, entusiasmo; ao primeiro choque medo e ao derrotá-lo pena".

Aos 58 anos, o general Osorio sentiu o esforço da campanha. Pediu para ser substituído. Estava tão doente e inchado que não podia andar a pé ou montar a cavalo. Francisco Otaviano (que viraria a última rua da praia de Copacabana) ainda tentou demovê-lo, em vão. Para seu lugar foi nomeado o General Polidoro.

A sua ausência era temida, pois Osorio era o principal elo com as lideranças argentina e uruguaia. Ainda em Corrientes, foi "inspecionado por três médicos da Marinha imperial e Tamandaré comunicou ao governo que o estado de saúde do general 'foi julgado gravíssimo".

Osorio partiu para o Rio Grande em 20 de julho de 1866. "Partia após ter organizado e treinado o Exército que invadiu o Paraguai e desempenhou papel decisivo na destruição da capacidade ofensiva paraguaia, com a vitória em Tuiuti", Doratioto deixa claro. "Após essa batalha, Francisco Solano Lopéz tinha condição de defender-se mas não mais de se impor ao Exército aliado", conclui.

Àquela altura, a maioria já dava a guerra como favas contadas. Mas Lopéz era carne de pescoço. 

O caudilho fez da fortaleza de Humaitá o bastião paraguaio. O Exército aliado se imobilizou nas cercanias. Como debocha o adágio popular, "nem trepava, nem saía de cima". Os generais não se articulavam. Os soldados morriam vítimas de balaços dos franco-atiradores ou de doenças.

Havia uma queda-de-braço entre Mitre e Tamandaré. Este pensava que aquele queria que os navios brasileiros atacassem Humaitá para serem destruídos pelos defensores e, assim, deixarem o terreno livre para um domínio argentino do Prata. Estultices. O autor afirma que Mitre era "fiel à aliança".

Para romper a a imobilidade, os generais aliados decidiram por um ataque maciço contra Curupaiti, fortificação paraguaia cinco quilômetros abaixo de Humaitá. Pra quê. Levamos um pau histórico. A esquadra brasileira gastou toda sua munição errando os alvos. O ataque da infantaria foi dizimado.

Os aliados perderam nove mil homens. Os paraguaios, apenas cem. Catastrófico.

Tudo bem, o assunto aqui é Osorio, e não, necessariamente, a Guerra do Paraguai. É que as duas coisas são uma coisa só. O fiasco em Curupaiti levou à nomeação de Caxias - que, por sua vez, fez questão de reconvocar Osorio para o conflito (ainda que sem a menor condição, registre-se).

Não só "reconvocou". Caxias, que ainda era marquês, saiu renomeando Osorio a torto e a direito, primeiro como comandante das armas do Rio Grande do Sul e depois como comandante-em-chefe do 3o Corpo do Exército. Nomeações à revelia do nomeado. E Osorio mal conseguia se por em pé.

A verdade por trás das nomeações é que Caxias queria que Osorio formasse o 3o Corpo do Exército. Não havia soldados. E os políticos gaúchos, ao invés de ajudar, estavam dificultando ao máximo. Ainda andou às turras com o marquês de Paranaguá, que, nessa dança das cadeiras de nomes históricos, é justo o meu prédio. Fazer o quê. O apartamento é bom e os porteiros são calados.

Na impossibilidade de andar, de montar, engatinhar ou rastejar, Osorio "utilizava-se de charretes e carruagens adaptadas para que pudesse manter a perna esquerda, inchada e com ulcerações, em posição de descanso", esmiuça o historiador. 

Caxias, a esta altura no Paraguai, estava estressado. Escreveu a Osorio, em carta datada de 17 de fevereiro de 1867, que "encontrara mais dificuldades do que previra". Queixou-se dos que "ficavam em casa" criticando, julgando "que tudo é fácil e que a guerra pode ser feita sem gente, sem dinheiro, sem armamento e sem fardamento".

Não deixou barato. Lastimou que "assim vai tudo em nossa terra e por isso é que estamos, há dois anos, a braços com uma guerra que já estaria concluída há muito, se as nossas coisas não tivessem, desde o começo desta campanha, sido tão mal dirigidas pelos chamados políticos e diplomatas".

Sorte é que Osorio era mesmo o cara certo, na hora certa e no lugar certo. Conseguiu amealhar quatro mil homens. Era um feito, pois que ninguém mais queria ir para a guerra. Herói, mas mortal, como nós, Osorio escreveu à esposa confessando que estava "morto de cansado".

O 3o Corpo do Exército atravessou o rio Uruguai. "A força de Osorio foi praticamente a responsável por abrir o caminho e a marcha se estendeu por sessenta quilômetros", conta o autor. Finalizado o cerco terrestre a Humaitá, pela primeira vez ousaram subir o rio - para descobrir que três grossas correntes, de uma margem a outra, impediam a navegação rio acima.

O que fez o vice-almirante José Ignácio, substituto de Tamandaré? Fundeou os navios "em uma enseada e aí permaneceu por seis meses, executando bombardeios sobre a distante posição paraguaia, sem maiores consequências. Não achavam possível superar as correntes, que neutralizaram a esquadra imperial.

Ficou assim: os aliados cercaram os paraguaios e ficaram a esperar, sem infligir dano. Já Lopéz não era dado a essas calmarias e, em 3 de novembro de 1867, invadiu o acampamento aliado com 9 mil homens. O resultado foi uma debandada geral de brasileiros e argentinos. Pernas para que te quero. 

O problema da paraguaiada foi que, ao invés de perseguirem os fujões, aproveitaram para saquear o acampamento, se abarrotando de comida e bebida. Foi o tirocínio do general Porto Alegre, que aglutinou o recuo, comandou a resistência e esperou a chegada de reforços enviados por Caxias, que fez a maré virar.

O contra-ataque à baioneta acabou com os paraguaios, que foram surpreendidos enquanto se refestelavam e não conseguiram se reorganizar. O saldo foi de 2.734 paraguaios mortos, 155 presos e 294 aliados mortos. Lopéz não conseguiu se recuperar de mais esse fracasso.

Osorio participava das refregas, mas cheio de limitações. Passava boa parte do tempo de cama, à base de medicamentos, mas, a qualquer sinal de melhora, se enfiava na charrete, com o cavalo encilhado ao lado - para combater o inimigo ou para supervisionar a soldadesca.

Em abril de 1868, D.Pedro II elevou Osorio a visconde. O general completou 60 anos em Humaitá.

Dois meses antes a esquadra brasileira havia ultrapassado - com facilidade - as correntes do rio e cercara Humaitá também por água. O que deteve os navios (por quase um ano) não passara de um temor infundado. Lopéz, esperto, ordenou a retirada de dez mil homens. Ficaram três mil.

Caxias bombardeou a fortaleza e enviou Osorio para um reconhecimento armado e para tomar Humaitá. Osorio avançou com seis mil homens, mas deu ruim: armadilhas engoliram os cavalos e 46 bocas de fogo causaram um morticínio. O cavalo de Osorio morreu, mas ele continuou a pé.

"A pé, ele pegou uma espingarda e matou um soldado paraguaio e pôs em fuga os companheiros do morto com outros dois tiros, enquanto o ponche que vestia foi perfurado por várias balas", descreve Doratioto. Depois dessa, os soldados passaram a acreditar que o general tinha "o corpo fechado".

Posteriormente, a ação foi considerada inútil e Caxias tirou o corpo fora, culpando Osorio pelo fracasso. Era para ter sido uma ação de "reconhecimento" e não um ataque. Esse toma-que-o-filho-é-teu se estendeu por anos e azedou a relação dos dois monumentos do Exército brasileiro. Até hoje não se sabe quem estava certo. Cada um atribuía a lambança ao outro.

No dia seguinte, Humaitá amanheceu às moscas. Os últimos paraguaios retiraram à noite para o Chaco. Osorio entrou na cidadela vazia. Escreveu para a esposa: "A guerra acabou". Nonada...

Enfermo, sem conseguir se locomover por conta própria, Osorio permaneceu no teatro de guerra. Logo percebeu que o pau continuaria a cantar. O Exército paraguaio se reagrupara em Lomas Valentinas.

Caxias e Osorio continuaram batendo cabeça e se estranhando na linha de frente, naquela que foi a Batalha de Itororó. Nesse dia, o baiano general Argolo (uma comprida rua em São Cristóvão onde minha primogênita trabalhou antes de partir para Paris) meteu os pés pelas mãos e atacou precipitadamente, sem esperar as forças de Osorio.

Segundo Doratioto, Argolo morreu no ataque, à uma da tarde. De acordo com a Wikipedia, morreu dois anos depois, na Bahia, devido a ferimentos de guerra. Não vou meter minha mão nessa cumbuca.

A dificuldade de agir de forma articulada tinha se repetido em Itororó. Osorio se atrasou para o ataque coordenado (por conta de uma escaramuça) ou o ataque havia se precipitado? Também essa questão se tornou alvo de um debate que varou as décadas. 

Seja como for, seis dias depois brasileiros e paraguaios se enfrentaram em um terreno seis quilômetros à frente, cortado pelo riacho do Avaí. Solano Lopéz mandou seu general Caballero interceptar a marcha do Exército imperial. Mais uma vez, Solano errou. Dos quase seis mil paraguaios que enfrentaram os brasileiros, três mil morreram, contra apenas 297 brasileiros.

A batalha do Avaí, que aconteceu em 11 de dezembro de 1868, completa hoje 157 anos.

Se para os aliados a carnificina foi vantajosa, para Osorio a batalha do Avaí foi fatídica. "Foi travada sob chuva torrencial e Osorio iniciou a ação, atacando o centro da linha paraguaia, dividindo-a em duas e tomando a artilharia inimiga", descreve o autor. Mas "os soldados brasileiros fraquejaram e ameaçaram debandar", diz.

Para conter o pânico da tropa e assegurar uma vitória que era próxima, Caxias desceu do seu posto de observação e se meteu na refrega. Osorio, por sua vez, se deslocava pela linha de frente, "dando ordens rápidas". Um paraguaio, trepado em uma árvore, mirou seu fuzil e acertou a cara de Osorio.

"A bala atravessou-lhe o rosto, de cima para baixo, partindo-lhe o maxilar inferior esquerdo, derrubando-o", narra Doratioto. "Ele voltou a montar a cavalo, mas o sangue jorrava e, como não podia estancá-lo, passou a galope por todas as linhas, com o rosto semi-escondido pelo poncho enrolado", gritando palavras de ordem. 

(A batalha do Avaí foi eternizada naquele que é um dos mais famosos - e dispendiosos - quadros a retratar a guerra do Paraguai. Pintada por Pedro Américo, a contratação e criação da obra mereceu recentemente um estudo historiográfico assinado por Lilian Schwarcz. Em breve falo dele aqui.)

Ferido, Osorio não participou da destruição final do Exército paraguaio. Foi levado para Assunção e dali partiu para o Rio Grande do Sul, onde chegou dois meses depois, "alquebrado, com o ferimento do rosto em ferida viva", como conta o biógrafo. A população o recebeu com entusiasmo e festa.

Neste ínterim, Lopéz fugiu e Caxias se demitiu. O caudilho paraguaio recusou a rendição e sacrificou o que restava do seu povo. Formou unidades com mulheres, velhos e crianças para protegê-lo, fazendo com que ficassem entre ele e o Exército imperial. Que morram os outros, não ele.

D. Pedro II nomeou seu genro, o conde d'Eu, para assumir o comando das forças brasileiras na perseguição ao fugitivo. O conde fez das tripas coração para não ir, mas não teve jeito. Nomeado, escreveu ao estropiado general Osorio, pedindo que fosse com ele, à frente das tropas.

Doratioto conta o estado de Osorio, na ocasião em que o conde d'Eu implorava sua participação. 

"Osorio não tinha condições físicas para esse retorno, pois fora ferido havia apenas três meses e continuava com a saúde precária", detalha o biógrafo. " Não conseguia movimentar o queixo, falava com muita dificuldade, tinha o rosto inchado e era alimentado por uma bomba de mate, com a qual tomava caldos e leite".

"Sofreu com dez fragmentos de osso que cresceram em meio à carne - esquírolas - das mandíbulas quebradas", diz Doratioto. Além dos dois dentes que perdera com o tiro, Osorio tivera que extrair outros quatro. Escreveu ao filho dizendo que não tinha como "comandar um Exército em guerra, pois nem mesmo conseguia fechar a boca ou falar".

Acabou capitulando. Em 14 de abril de 1869, escreveu ao conde d'Eu que, "apesar de doente e inútil para o serviço", aceitava a missão. "A Pátria ainda precisa dos meus serviços, sou soldado, tenho que cumprir o meu dever". 

Embarcou em meados de maio para o Paraguai, fazendo escalas em Montevidéu e Buenos Aires. Em um domingo, 6 de junho, encontrou com o conde d'Eu em Piraju, aonde chegou "com o queixo seguro por um lenço preso no alto da cabeça e acompanhado de um médico".

Osorio, recebido com festa pela soldadesca, ainda se alimentava por canudinho e, para falar, "amparava o queixo com as mãos, em forma de concha".

"Em 2 de julho foram-lhe extraídas, da ferida no rosto, duas esquírolas, e, no dia seguinte, ele desmaiou, chegando a perder a pulsação - 'estive morto por alguns minutos', escreveu -, antes de ser reanimado. Ainda assim, dois dias depois, participou da tomada da trincheira de Sapucaí".

A batalha seguinte foi a de Peribebuí, numa vergonhosa desproporção de forças. O exército paraguaio estava em frangalhos. Eram 21 mil soldados brasileiros contra 1.800 pessoas ("soldados, velhos, mulheres, adolescentes") que, carecendo de armamento, "jogaram todo tipo de projétil, como pedras, tijolos, pedaços de madeira, vidro etc".

Mas não só pedras e paus - tanto, que o general Menna Barreto foi morto não por um cacete, mas por um tiro de fuzil. Conta Doratioto que o conde d'Eu, "enfurecido, ordenou a degola dos prisioneiros". 

A situação absurda - de um militar idoso e arrebentado permanecer à frente de um exército como contrapeso à insegurança de seu comandante, o genro do Imperador - não tinha como se estender. Já não havia, de fato, uma "guerra". Apenas uma caça à Lopéz. "A saúde de Osorio se agravou e o conde d'Eu não pode dessa vez negar-lhe licença para retirar-se para o Rio Grande do Sul".

Seguiu no transporte de guerra Alice. Na escala em Montevidéu, soube que sua esposa morrera.

Finda a guerra, viúvo, lhe restaram as glórias e o prestígio. Foi elevado a Marquês do Herval e depois escolhido, pela regente Isabel, como senador. É promovido a Marechal do Exército e depois nomeado Ministro da Guerra. Morre em 4 de outubro de 1879, como o maior nome do Exército brasileiro.

O autor assinala que por muitas décadas foi Osorio, e não Caxias, o patrono do Exército nacional. Explica as questões políticas que geraram a "substituição". Mas aí já é outro assunto.

Este livro sobre Osorio ilumina a trajetória de um brasileiro que merecia ser mais bem conhecido. Eu, que sou um mero curioso, achei a biografia escrita por Francisco Doratioto um presente. E, para quem não dispuser do mesmo tempo que eu (para ler a íntegra), resumi aqui quem foi Osorio.

Sem acento, por favor.

Companhia das Letras, 262 páginas  |  1a reimpressão  |  Copyright 2008






"Elize Matsunaga, a mulher que esquartejou o marido", por Ullisses Campbell


Ullisses Campbell não cai na esparrela de glorificar a criminosa que biografa. O retrato que pinta da assassina é cheio de nuances, mas azedo. Somado ao domínio do texto, à vasta pesquisa, às muitas entrevistas com os personagens da vida de Elize e ao talento para a estrutura narrativa, Campbell mata a cobra e mostra o pau.

A propósito, não se engane quem pensa que, ao narrar a vida de uma prostituta e de diversas das suas colegas de profissão, o autor descambe para a pornografia ou revelações vulgares. O biógrafo é preciso na descrição, mas avesso à impudicícia.

Já a cobra é personagem frequente nas páginas do livro. A ex-prostituta e o marido japonês priápico (em termos de frequência, não de centimetragem) adotaram uma jibóia - Gigi -, que vivia com eles e era tratada como filha. Não a pão-de-ló, mas a ratazanas. Tinha um quarto, ambientado, só para ela.

O autor conta a infância, o pai ausente e violento, o padrasto que a estuprou, o início na prostituição com caminhoneiros, a formação como enfermeira, o retorno aos programas em Curitiba e a ida para São Paulo, onde investiu na carreira de prostituta de luxo.

O milionário Marcos Matsunaga, herdeiro da Yoki (e da Kitano, cujo molho shoyo é imbatível), é retratado como um consumidor compulsivo de prostitutas (às vezes, mais de uma no mesmo dia), dos mais variados níveis profissionais - da mais rameira à mais sofisticada.

As prediletas ele promovia à condição de "namoradas". Viajava com elas Brasil afora e pagava altas mesadas (R$ 27 mil reais mensais, no início dos anos 2000, o que equivalia a 15 mil dólares) para que elas lhe prometessem "exclusividade". Nem todas cumpriam o que prometiam.

Depois de ter promovido Elize à "namorada", resolveu promovê-la à esposa (embora já tivesse uma).

Casado com uma ex-funcionária humilde da fábrica da família, a quem deixava em segundo plano e depois deixou na miséria, ao casar com Elize, Marcos participava de grupos de avaliação de prostitutas na internet e era apaixonado por armas e por caçadas aventureiras.

Além do sexo diário, a vida conjugal de Marcos e Elize era repleta de viagens para predar animais de grande porte. Depois do nascimento da filha do casal, entretanto, Marcos despromoveu Elize e se envolveu com uma nova "namorada", a quem também pagava mesada e com quem viajava.

Marcos nunca fôra muito delicado e Elize, ciumenta, fazia com que o marido frequentemente perdesse as estribeiras. Em uma discussão na cobertura cinematográfica em que viviam em São Paulo, Marcos mais uma vez chamou a esposa de "puta", gritando que "uma vez puta, sempre puta". Puta, Elize pegou uma das muitas armas da casa e varou a testa do japonês com um tiro certeiro.

O marido morto no chão da sala era um problema. Elize optou por resolvê-lo esquartejando o cadáver em sete pedaços. Serrou à mão. Pôs os pedaços do pai da filha em três malas grandes, meteu no SUV  e a ideia erá desová-lo em Chopinzinho, no Paraná, sua terra natal.

A falta de pagamento do licenciamento do carro fez com que policiais - que a pararam na estrada, em ação de rotina - mandassem ela retornar para casa. Ela voltou, mas antes a viúva achou um lugar ermo para se desfazer das sete partes avulsas do falecido.

Astuta, Elize simulou que o marido a abandonara, produziu mensagens falsas do computador do morto e até mesmo movimentações bancárias. Chorou a cântaros nos ombros da sogra. Em vão. Pedaços de Marcos surgiram aqui e acolá. As partes foram reconhecidas pelo irmão no necrotério.

A viúva, já a principal suspeita, negou tudo. A polícia, entretanto, não se deixou levar pelas desculpas lacrimosas da assassina. Elize foi confrontada com as provas. Acuada, confessou.

Campbell conta essa estória com minúcia e esmero. O biógrafo pertence à nata da categoria e faz de um crime repulsivo uma novela de suspense - ainda que todos saibamos o final.

Para quem gosta do gênero "mundo cão", o texto não decepciona. O autor é do ramo.

Editora Matrix, 368 páginas  |  1a edição, 2021

P.S.: Condenada a meros 19 anos de prisão pela morte e esquartejamento do marido, depois reduzidos a exíguos 17 anos, em 10 anos saiu da cadeia, desfrutando da progressão de regime. Elize hoje vive em liberdade e é motorista de aplicativo em Curitiba. A sniper comemorou semana passada 44 anos. 

"É tempo de Botafogo", por Rafael Casé e Claudio Portela


"É tempo de Botafogo" é um livro oportunista. Como se diz no futebol, centroavante oportunista é aquele que não perde uma oportunidade de por a bola no barbante. Casé, um dos autores, ao lado do Portella, é veterano no ofício. Não deixou a oportunidade passar. Saco.

Cá pra nós, uma oportunidade ímpar. Porque há muito tempo não era tempo de Botafogo. Desde que o seu império futebolístico ruiu, o Botafogo era um nobre falido. Os novos ricos o espezinharam. As novas gerações debochavam das ruínas alvinegras.

Até mesmo o período de ouro, os anos sessenta, foram reescritos, despojando o clube do seu momento áureo. Times de expressão reduzida foram premiados com muitos novos velhos títulos. Ao Botafogo, o bicho papão, coube uma solitária migalha. Os poderosos de agora mandam na história.

Os torcedores adversários - a enorme maioria - deploravam: "Quem vive de passado é museu".

Mas nos negaram até isso. As conquistas internacionais, em solo estrangeiro, com craques lendários, que eram o tesouro do Glorioso, foram depreciadas, como se fossem estórias-pra-boi-dormir.

Ou seja - até o passado, quando em remotas eras havia sido "tempo de Botafogo", lhe foi roubado.

No novo boom das redes sociais, o tal do passado é escolhido a dedo. As Copas do Mundo que os jogadores do Botafogo conquistaram, em solo inimigo, para a pátria brasileira foram jogadas às traças. Viraram uma arcaica Guerra do Paraguai, da qual ninguém quer ouvir falar. Garrincha quem?

Como o galeão do qual herdou o nome, o Botafogo (que fôra, no século XVI, o maior navio de guerra do mundo, com seus 366 canhões), o clube foi desmontado. Só que, teimoso, se recusou a morrer.

Aqueles que testemunharam seu auge contaram suas estórias para os filhos, que as contaram aos netos e, assim, o navio fantasma continuou singrando mares imaginários na cabeça dos sonhadores.

Décadas à deriva. Vez por outra uma ilhota e um filete dágua. No mais, o inclemente mar aberto.

Até que, literalmente do nada, surgiu um gringo com cara de maluco que comprou o Botafogo. Semi incógnito, a primeira coisa que fez ao desembarcar no Brasil foi beijar a bandeira alvinegra.  

E aí, como num conto de fadas, a história voltou a ser reescrita. Esse livro conta uma parte dela.

Não vou esconder: eu comecei a leitura da obra de Casé e Portella do jeito que eu sou - cético. Não é má vontade, pelo contrário; estou sempre pronto para me deixar seduzir pelo texto, pela pesquisa, pelos fatos, pelo autor. Mas sou crítico por natureza. Então, não esperava muito.

E o livro não entrega muito, mesmo. Não ousa, nem precisa. Põe na mesa apenas o feijão com arroz. Mas o feijão com arroz, meus amigos alvinegros, é preto e branco. E, bem temperado, dá conta do serviço. Quando a gente vê, é a melhor refeição da vida.

Os autores, cascudos, fazem o dever de casa. Vão costurando histórias, voltando no tempo, e daí avançam passo a passo. Começam do fim, com o torcedor que levou as cinzas do pai para se misturarem à grama do Monumental. Mas, antes, voltam para a série B de 2021. Como esquecer?

Contam a chegada do gringo e o maldito (bendito?) ano de 2023. As denúncias de manipulação de resultados, que escoaram pelo ralo e não foram repercutidas no Fantástico. Pelo contrário: uma campanha debochada exigia que o denunciante provasse o que caberia à Justiça investigar.

Para a conveniência de geral, deu em nada. Quem ameaçou abrir o bico, logo se calou.

O livro passa pelo que orgulha e pelo que envergonha. Inclui aí o desclassificado do Lage. Traz a chegada do LH, a formação do scout, a lista de todas as contratações da SAF e a tirada de satisfação do Gatito com o Cabelinho, no jogo que o Botafogo meteu 4x1 no Flamengo.

No dia seguinte, o bilionário time da Gávea chorou nos jornais, pedindo fair play financeiro.

O Palmeiras merece um espaço generoso na narrativa de Casé e Portella. Na minha, ainda mais. O primeiro jogo de futebol que assisti dentro do estádio foi um Botafogo x Palmeiras, pela Libertadores de 1973. O jogo foi à noite e o Maracanã parecia uma nave espacial. Ganhamos por dois a zero, dois gols de Roberto, o parceiro matador do furacão Jairzinho. Que dupla, que jogo.

Então era lógico que eu estivesse no Nílton Santos, meio século depois, para testemunhar um Botafogo x Palmeiras, pela Libertadores de 2024. Entre os 40 mil botafoguenses que estavam lá nessa noite, aposto que dava para contar nos dedos os que estiveram em ambos (em 73 e em 24).

Se é que eu não era o único abençoado com essa façanha.

Tal e qual 1973, o Palmeiras foi eliminado pelo Botafogo. Já tinha tomado um pau no Rio, pelo Brasileiro, e agora, pela Libertadores, tomou outro pau. No jogo de volta, em São Paulo, mais uma lambada. Metemos dois a zero e, faltando cinco minutos, no abafa, os caras acharam dois gols.

Fizeram um terceiro, ajeitando com a mão, mas VAR taí pra isso. O time da amiga da CBF, a dirigente Leila Pereira, foi zunido da competição, dentro do Allianz Parque. O tal estádio ao qual o Estevão se referiu (após a segunda derrota no Niltão): "Lá no Allianz, os 90 minutos são muito longos", caçoou o guri. "A gente sabe jogar lá e tenho certeza de que vamos passar por eles". 

Não passaram. Igor Jesus, o Kamehameha, confiante, troçou: "Falar, até papagaio fala".

Os autores lembram também a patuscada do São Paulo, que, no dia do jogo de ida das quartas-de-final da Libertadores, alugou um teco-teco para sobrevoar Copacabana. O aviãozinho trazia a frase "Tradição não se compra". Falar essa sandice, justo contra o clube "mais tradicional"?

No Nílton, o tricolor tomou um amasso de cinema, mas escapou. Escoriado; porém ileso. Por ter sobrevivido ao atropelamento, saiu cheio de esperança, apostando que no Morumbi se daria bem. 

Empolgados, Julio Casares e demais dirigentes bambis (chamar são-paulino de bambi é que nem chamar palmeirense de porco?) alugaram um zepelim meia-boca, decorado com mais frases idiotas, para sobrevoar São Paulo no dia do jogo. O zepelim caiu, mas ninguém morreu. Exceto o São Paulo, eliminado nos pênaltis.

O Flamengo pipocou e foi feito de gato-e-sapato pelo Peñarol, que se gaba de ser "el capo del continente" por ter ganho cinco vezes a Libertadores - no tempo do guaraná de rolha. Veio enfrentar o Botafogo com essa marra. Por isso, estampava o número "5" na divulgação do jogo e no instagram.

Morreu pela boca. O Peñarol tomou de CINCO a zero do Botafogo na semifinal da Libertadores. "Pero luego de cinco, carajo?". O marqueteiro correu para apagar os posts. Era tarde. A piada vingou.

(Lembrando que esse mesmo Peñarol também tinha sido goleado pelo Botafogo na Libertadores de 1973, levando um sacode de 4 a 1 no Maracanã.)

A presença do clube uruguaio no Rio de Janeiro deu espaço para uma série de criminosos internacionais darem as caras. Trezentos baderneiros uruguaios foram presos, depois de roubos, incêndios e depredações na praia da Macumba. Dois deles, passado um ano, continuam no xilindró.

Já o colombiano Andrés Rojas, que roubou o Botafogo no gramado, não foi detido, e reincidiu no crime um ano depois, ao roubar o Flamengo contra o Estudiantes. A força rubro-negra na Conmebol fez o criminoso ser afastado das atividades. Ainda que, dizem, roubar ladrão dê cem anos de perdão.

Hats-off, mermão, pro recibimiento da equipe uruguaia em Montevidéu. Os caras tomaram uma piaba de cinco e foram recebidos como heróis. Eu tava lá, no Centenário, ao lado de centenas de outros botafoguenses teimosos. Ignoramos as ameaças - até do governo uruguaio, que afirmou não se responsabilizar pela nossa segurança (!) - e comemoramos a classificação para a final in loco.

Um agradecimento especial ao goleiro do Peñarol, Aguerre, que, além de não agarrar nada, ainda pisou o pé do John no intervalo. Ahn? Um goleiro pisar o pé do outro quando se dirigem para o túnel? Foi isso. Uma cretinice histórica que matou uma eventual reação uruguaia, que já vencia por 2x0.

Os autores não esqueceram de reservar uma página para os psicólogos da mídia, que passaram o ano analisando o "mental" alvinegro. Em qualquer podcast tinha neguinho vaticinando que os jogadores do Botafogo amarelavam. Engraçado é que estes catedráticos todos evaporaram, depois da dobradinha. Onde estão?

Uma outra que o livro fez bem em resgatar foi a frase do ano, "O Galo é uma merda". Tudo por conta do bafafá do jogo em Beagá, entre o Botafogo e o Mineiro, pelo Brasileiro, dez dias antes da final da Liberta. O Hulk, sempre chorão, embarcou na onda da mídia e quis mexer com o psicológico dos jogadores botafoguenses. LH teria dito que "o time do Galo é uma merda". É. A história confirmou.

E não era só essa baboseira do mental, como destacam Casé e Portella. A verdade por trás disso é que havia milhões de torcedores secando o Botafogo. Schadenfreude. Mas secaram errado, como dizia o Cantarelli. Naquela tarde em Buenos Aires, o Botafogo era insecável.

Éramos quarenta mil botafoguenses aboletados no Monumental de Nuñez, para participarmos da primeira final de Libertadores disputada pelo El Glorioso. O estádio estava tomado pelos nossos. Que bandeirão foi aquele que o Movimento Ninguém Ama Como a Gente fez, ehm? Uau. Nunca antes. 

Começa o jogo. No gramado e nas páginas de "É tempo de Botafogo". O subtítulo do capítulo é "Os dez do Monumental". Não eram mais onze. O juiz mete o vermelho no nosso pitbull (se fosse o Pulgar, era amarelo) e todo mundo concorda. Até os jogadores. A mídia foi consensual. Eu discordo. Não foi pé na cara, foi cara no pé. Não é nem pra advertir. Para mim, fatalidade e jogo que segue. 

Estávamos aos trinta segundos do jogo da final. Com a respiração presa. Nesta sucessão de jogos, pelas duas competições, os autores seguram o ritmo e não deixam a peteca cair. O torcedor revive, a cada parágrafo, o que se temia fosse uma via-crucis e acabou se tornando uma passarela iluminada. 

A esta altura, não há dúvida: o livro é um presente.

Gabriel Milito, treinador do Mineiro, também pensou que a expulsão fosse um presente. Era. De grego. Um presente de gregore... Ele, erradamente, não mexeu no seu time, com um a mais. Artur Jorge, treinador do Botafogo, acertadamente, não mexeu no seu time, com um a menos. 

A covardia de um e a coragem de outro foram fundamentais para o resultado: Botafogo campeão.

O livro traz as minúcias da decisão da Taça Libertadores de 2024. A obra-prima que foi o primeiro gol do Botafogo, um tirambaço à queima-roupa de Luís Henrique. O pênalti cobrado impiedosamente pelo Alex Telles. O tiro de misericórdia pespegado por Junior Santos, o jacaré artilheiro.

Poderia adicionar memórias pessoais daquele dia. Não tenho muitas. Lembro da longa caminhada até o estádio. Uma romaria. A incredulidade diante da expulsão. A perplexidade, logo seguida pela euforia. As dezenas de torcedores deitados nos corredores do Monumental, tomados pela ansiedade (ou era pânico?). Já eu não saí da arquiba. Não por bravura. Estava em transe catártico.

O livro (a essa altura, essencial, caixa de ressonância daquela emoção) conta a conquista, a festa, o retorno ao Brasileiro, o golaço de Almada & Savarino, novamente o São Paulo, a conquista, a festa.

Irônica foi a confraternização dos cartolas, que os autores registram na página 238, no depoimento do presidente do Botafogo, Durcésio Mello: "Eu, Montenegro e o John Textor entramos no salão de mãos dadas. De repente, o Montenegro se ajoelhou e engraxou o sapato do John". Deliciado, revela que "em seguida, o John repetiu o gesto com o Montenegro. Foi mágico".

A mágica gorou. Essa semana, ameaçado na Justiça por um pau-mandado do Montenegro, Textor, traído na crocodilagem, refletiu: "In all of the excitement of our victory, I polished the wrong shoes!".

Pois é, tudo passa. Os aliados de ontem podem ser os antagonistas de hoje. Já os títulos ficam.

Na folha de rosto do livro eu sapequei meu ex-libris, onde estou trajado com a alvinegra e tenho nas mãos o "21 após 21", livro do mesmo Casé que biografa a epopeia botafoguense para encerrar o jejum de títulos. Meti ao lado do selo minha foto, no Monumental, agradecendo aos céus.

Se aquele era o "21 após 21", este aqui é o "1 após o 1". O primeiro ano após o primeiro título da Libertadores. Como dizia o slogan criado pelo genial publicitário corintiano Washington Olivetto, o primeiro a gente nunca esquece. Rapá, eu num vou esquecer isso mas é nunca.

Em Buenos Aires, em 30 de novembro, foi a redenção. Estávamos livres da maldição. No Engenho de Dentro, em 8 de dezembro, foi a confirmação. A dobradinha. Éramos o melhor de time do país e do continente, de fato e de direito.

Éramos o Botafogo outra vez.

Saravá Carlito, epa-rei seu Emil, benção, padinho John. Bamo por más.

Editora Gryphus, 264 páginas  |  1a edição, 2025