"O Rio pelo alto, 1930 - 1940", por Patricia Pamplona

terça-feira, março 20, 2018 Sidney Puterman

Para você que gosta do Rio desde antes dele estar sob intervenção militar (após décadas como vítima de um conluio dos governos municipal, estadual e federal para roubar, extorquir e tiranizar o solo e a população carioca), este é um livro de lamber os beiços e abrir os olhos. O prato servido - ou melhor, banquete - são fotografias de reconhecimento aéreo do município, tiradas na década de 30. Nelas, registros impensáveis do século anterior ainda estão ali - incluindo um transatlântico de concreto construído para se comemorar o Carnaval, em pleno descampado oriundo do desmonte do Morro do Castelo. Este é um brinde suplementar de cada época: os anos têm, em si, além da própria circunstância temporal, as estruturas ainda vivas das gerações anteriores. Assim, as fotos aéreas do Rio dos anos 30 mostram não só a cidade de então, mas também a metrópole se preparando para o colosso de sedução que viria a ser nos anos 50 e 60 - e, também, o que da segunda metade do século XIX ainda restava em pé. O livro é uma soberba edição de luxo patrocinada pelo Museu Aeroespacial. Vistoso e bilíngue - o que invariavelmente enfeia o projeto gráfico, entulhando e dificultando a diagramação -, ele é dividido pelas regiões fotografadas: Centro, Zona Norte, Zona Oeste e Zona Sul. O Rio de oito décadas atrás nos surpreende: o edifício de A Noite, na Praça Mauá, como o único arranha-céu da cidade; o absurdo, já na abertura referido, transatlântico ilhado na Esplanada do Castelo, um quilométrico terreno baldio resultante do desmonte final do Morro do Castelo (conhecido como o Navio dos Laranjas, o iate de concreto teve quebra de champanhe no casco e venda de ingressos no Teatro Municipal); a Ilha de Villegagnon com o Santos Dumont ainda por construir; a cidade pré e pós Avenida Presidente Vargas;  o Mercado Municipal, com seus 4 torreões (o único torreão remanescente virou o restaurante Albamar); o Maracanã ainda nos primeiros andaimes; o campo do Andaraí, celebrado no samba de Zeca Pagodinho; o Campo dos Afonsos com os zeppelins e seus hangares, inclusive com um deles (o zepellin, não o hangar) sobrevoando Copacabana; as chácaras de uma Ipanema plana, onde a praça Nossa Senhora da Paz era o principal destaque; idem para a Praça do Lido, na já mais desenvolvida Copacabana; a Lagoa deserta e sem aterros;  o morro atrás do Copacabana Palace; o início da enseada de Botafogo, com o campo alvinegro em General Severiano ainda dominante; a Rua Paissandu conduzindo, garbosa, à residência da Princesa Isabel; etc. Um Rio de perder o fôlego e que justifica, com sobras, seu protagonismo de musa na marcha "Cidade Maravilhosa". Consolador que a música tenha resistido aos tempos, ainda que hoje ela pareça mais um deboche, diante do caos que é sua rotina e do filme de terror que é o seu noticiário. O Rio, este lugar a se evitar, já foi sonho de consumo em França, Oropa e Bahia. Por isto, esta edição é reveladora. Só compreende o glamour sem fronteiras desta minha arrasada cidade natal quem vê o esplendor da sua juventude. Coração do meu Brasil.


Editora ID Cultural, 156 páginas

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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