"O drible", por Sérgio Rodrigues

quinta-feira, setembro 28, 2017 Sidney Puterman

Entrei em campo mal-humorado com o livro -  faço o tipo difícil quando leio ficção. Começo de pé atrás. Ao mesmo tempo que assunto, implico. O autor deu uns moles. Tem umas barrigas, uns momentos em que as palavras vão para lugar nenhum. Fracionado, às vezes o romance sugeria ser uma sucessão de contos, ainda que entremeados ao redor dos mesmos personagens. Rodrigues alterna dois narradores, pai e filho, os quais, para quem "ouve", parecem o mesmo sujeito falando. Fluentes, ambos têm a mesma prosódia e ironia. São dois murilos, o Filho (o Dickens) e o Neto (o Tiziu). Acontece do leitor construir uma imagem mental dos protagonistas. Pela descrição, o primeiro eu cismei que devia ter a cara do Mário Andreazza. O outro me inspirava ser um magrelo mal lavado, que nem me dei ao trabalho de imaginar. Este é o mestre-sala do livro, que remói o pai e traça a Gleice Kelly, achadaço do autor. Falando em achados, foi uma das coisas que mais gostei - as referências. A obra é cheia delas, a maioria de esguelha, onde você vê a época, a atmosfera, o ambiente pré-desbunde - mas geralmente em segundo plano, en passant. Entre elas, ver citada a idiotice do Simonal sem os clichês - fazendo justiça, ou quase, à história. Escroto e cafajeste, sim, mas não dedo-duro da tigrada (um dos maiores intérpretes que o país já teve, morreu cantor de churrascaria em São Paulo, túmulo do samba e, com ele, da pilantragem suingada). O velho Simona é a prova de que o boicote viral já tinha sua versão analógica muito antes dos atos de repúdio top trend na internet. Outro insight bom é o do tenente Tibiriçá, que entrou de trivela, no canto. Sem falar na análise do ex-maconheiro sobre a erva ("não há nada ali além de um coquetel de autossabotagem feito de paranoia, leseira e descoordenação motora"). As resenhas que despertaram meu interesse para o livro batiam muito na tecla da tal descrição soberba do lance do Pelé no Mazurkiewicz. Vale a leitura, mas não vale o livro; o livro é melhor, ainda que seu desenrolar nos engane. O roteiro desenha lentamente um círculo e nos dá a impressão de que estamos cada vez mais distantes do ponto de partida, sem nos darmos conta da curvatura. De repente, pimba! surge a conexão entre início e fim, juntando os dois fios da meada e sugando o leitor para dentro da obra. Queria dizer umas coisinhas sobre o terceiro personagem, descrito pelo autor como um "cruzamento de Grande Otelo com Wilson Grey" (que suspeito de costas, tomando um come na imagem que ilustra o post), mas ia ser um puta dum spoiler e vocês três que me leram até aqui não mereciam isso.

Companhia das Letras, 218 páginas

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

0 comentários: