"Vida antes da vida", por Jim B. Tucker

sexta-feira, maio 20, 2016 Sidney Puterman

O subtítulo da edição em português, "uma pesquisa científica das lembranças que as crianças têm de vidas passadas", conta porque comprei o livro. Eu o li e posso assegurar: livrinho chato. Segue a mesma toada compulsiva de outros autores americanos que investem em temas que tangenciam a espiritualidade: escrevem para quem não acredita. Com isso, passam o livro todo tentando provar que checaram todas as fontes e todas as possibilidades de fraude. Tucker não faz isso uma vez. Nem duas ou três. Faz cinquenta vezes, cem vezes. É como se ele não acreditasse no que vê e no que diz. Suas centenas de estudos são insípidas. Os casos - a maior parte asiáticos - são muito mais uma descrição ginecológica do que um relato sensual. Não há nenhuma entrevista que desperte a mínima curiosidade - ele se esmera em retirar toda a emoção, à guisa da objetividade científica. Mas esta ele também não atinge, pois os depoimentos são, por si mesmos, subjetivos (mais ainda quando tomados de crianças, o que é exatamente o caso). A primeira parte do seu livro é um esquisito prontuário sobre mortes violentas que produzem marcas de nascença semelhantes às provocadas pelo acidente fatal, no novo corpo de um espírito reencarnante, relato que toma mais de um terço do livro. A linguagem é maçante e a abordagem idem. A sua suprema ignorância sobre a teoria dos Espíritos, formulada pelo professor francês Leon Hippolyte Denizard Rivail (mais conhecido como Allan Kardec), há mais de um século e meio, não tem justificativa. Pretender analisar o mundo espiritual sem considerar os pressupostos da Doutrina Espírita - nem que fosse para negá-la - é um equívoco. Na ausência dela, não há nada. E, ao estudá-la, você pode reunir os elementos para refutá-la - ou não. Mas desconhecê-la é um erro crasso, como fica patente à sua afirmação na página 161: "Não há uma teoria para a reencarnação." Ahm? Como assim, doutor? O senhor se autodenomina estudioso e ignora 150 anos de estudo doutrinário, prático e teórico, exposto e discutido por centenas de autores respeitáveis? Difícil levar a sério essa falta de estofo. Por conta dessa lacuna no seu cabedal teórico, dispara bizarrices do quilate de "a reencarnação não é para todos", afirmando que somente uma (não estimada) minoria da população mundial reencarna, apenas os que cometeram erros. Com isso nos leva a concluir que a maior parte da humanidade não reencarnará, porque... não cometeu erros! Exdrúxula abordagem, em um mundo sabidamente imperfeito como o nosso. Bem, voltando ao livro, o dr. Tucker acredita que as pessoas fazem marcas com argila branca na nuca dos parentes e eles vão renascer com um círculo na nuca, e serão reconhecidos porque renascerão na vizinhança. A obsessão por catalogar os casos (que ele chama de "resolvidos" e "não resolvidos", observando um critério de quantas citações comprováveis de uma vida anterior a criança pode afirmar e que são checadas), faz com que ele ignore as pessoas por trás de cada caso. Importa a Tucker confirmar se o vizinho do morto que a criança diz ter sido tinha, ou não tinha, um carro vermelho. Se tinha, ponto pra criança. Se não acham um vizinho que tinha um carro vermelho, zero ponto. E por aí vai. Contaram os pontos (cor do carro, tia gorda, primo com joelho machucado, casa com sacada no fim da rua), criança fichada, vamos pra próxima. Me poupe. É muito mais um Faustão com um show tipo "Essa era a sua vida?" do que uma obra reflexiva sobre uma porta oculta da trajetória espiritual. Um relato monótono, que li com o entusiasmo de quem espera na fila do banco para pagar a conta de luz.

Editora Pensamento, 205 páginas

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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