"As vidas sucessivas", por Albert de Rochas
A pergunta "Há vida depois da morte?" é uma obsessão do ser humano, diante do vazio opressivo. Mesmo os mais céticos hesitam. Todos querem crer que a vida não se encerra aqui. Alguns poucos conseguem. Felizardos. As religiões vêm cultuando o monopólio da resposta. Discordam entre si e apostam seus óbulos em uma explicação exclusivista. O céu passa por elas. Mas por uma delas, apenas. Como se fosse um Silvio Santos místico, possuído pelo Mr. Natural de Robert Crumb, há um deus no Olimpo perguntando: "É eessaaa? É eessaaa?". Vá saber. Talvez sejam todas. Se o misticismo é pródigo em explicações, já a ciência não tem tido essa generosidade. Madrasta, para ela a morte é o fim de tudo. C´est fini en le Maracanã. Para ela, o corpo e a personalidade que animava o corpo eram indissociáveis. Com a morte de um, o outro também pede a conta. Ou não. Porque, mesmo que dominante, este é o entendimento de apenas parte da ciência. Assim como nas religiões, há correntes. O saber humano comporta várias "ciências". Há, por exemplo, estudos sobre a fisiologia humana que são aceitos por um determinado círculo acadêmico, mas questionados em outros. Ou mesmo simplesmente rejeitados alhures. Podemos classificá-las como áreas controversas, onde o processo empírico que norteia o saber científico não foi esgotado. Nesta categoria temos, entre outras, a homeopatia, a acupuntura e a fisioterapia. Cada uma delas, a seu tempo e a seu grau, foi negada, tolerada, aceita (ou quase) e absorvida. Então, mesmo a ciência, tão rígida, volta e meia abre seu flanco. Uma destas raias, porém, permanece na vala acadêmica, sem acesso ao salão nobre da medicina: o Magnetismo e sua frequente companheira, a Hipnose. É uma faculdade mais bem aceita nos shows de auditório, com assistentes de maiô, do que nos consultórios. A discriminação é justa? Há algo de procedente no hipnotismo ou ele é mero charlatanismo? Ó dúvida. Um dos mais abrangentes livros sobre o tema foi escrito há um século atrás - e permanece sendo uma das obras mais citadas pelos estudiosos do assunto. Seu autor, Eugéne-Auguste Albert de Rochas d'Aiglun, foi um francês que, na primeira década dos 1900, se dedicou à hipnose e aos resultados dela advindos. Sem convicções prévias ou teses a provar. De Rochas era um pesquisador. Um curioso. E se viu exposto a um mundo que antes não imaginava - e para o qual não tinha rótulos. Dos seus pacientes (denominados sujets, no jargão dos entendidos) ele colheu um largo espectro de reações. E, mais do que tudo, uma surpresa: à medida em que o processo hipnótico avançava, em estágios que ele ia classificando de acordo com a profundidade do transe, relatos de outras vidas começaram a surgir - e de Rochas se viu diante do que ele não imaginara: a regressão da memória às vidas passadas do hiptonizado. Cético, não partidário da doutrina espírita ou qualquer outra tese reencarnacionista, ele incentivou o mergulho em épocas cada vez mais distantes. Para uma melhor aferição e idoneidade dos procedimentos, zelava para que houvesse sempre observadores externos em suas sessões - e, muitas vezes, ele saía da condição de hiptnotizador e passava à de observador, responsável pela transcrição dos relatos. Sem ideias pré-concebidas e sem defesa de teses, o pesquisador francês investigou os diferentes níveis de reação do cérebro humano à hipnose. O leitor, além da farta, convincente e criteriosa produção, se vê cativado e desconcertado pela honestidade intelectual do autor. De Rochas, em seus viés puramente científico, descarta qualquer doutrina mística ou religiosa. Frente ao que lhe parece inconclusivo, deixa diversas questões em aberto e questiona os casos em que atuou, os que assistiu e aqueles de outrém, cujo relato lhe parecia confiável. Parte das transcrições nos é fornecida, com a reprodução dos diálogos mantidos com dezenas de sujets hipnotizados. Assim, se a narrativa sobre as supostas vidas anteriores merece crédito, ou não, cabe, em parte, ao leitor decidir. O fato é que surpreende que hoje, cem anos depois, tão pouco se saiba sobre os meandros da mente. Que janelas para um universo desconhecido e enigmático permaneçam fechadas, por um rigor que, no futuro, podem ser rotuladas de obscurantismo. Fato é que ferramentas inusuais, como a hipnose, foram relegadas ao descaso, talvez mais por falta de conhecimento sobre o que acontece com os suscetíveis ao processo hipnótico do que por real falta de convicção sobre o método. É uma pena que assim seja. O livro, além destes relatos, traz ainda o resumo de crenças e religiões, e também uma síntese do pensamento de nomes como Platão, Apolônio de Tiana e Voltaire. Para quem se interessa sobre a mente humana e o universo de alternativas presentes em um mundo que não vemos, uma obra relevante.Publicações Lachâtre, 379 páginas
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