"As vidas sucessivas", por Albert de Rochas

terça-feira, maio 10, 2016 Sidney Puterman

A pergunta "Há vida depois da morte?" é uma obsessão do ser humano, diante do vazio opressivo. Mesmo os mais céticos hesitam. Todos querem crer que a vida não se encerra aqui. Alguns poucos conseguem. Felizardos. As religiões vêm cultuando o monopólio da resposta. Discordam entre si e apostam seus óbulos em uma explicação exclusivista. O céu passa por elas. Mas por uma delas, apenas. Como se fosse um Silvio Santos místico, possuído pelo Mr. Natural de Robert Crumb, há um deus no Olimpo perguntando: "É eessaaa? É eessaaa?". Vá saber. Talvez sejam todas. Se o misticismo é pródigo em explicações, já a ciência não tem tido essa generosidade. Madrasta, para ela a morte é o fim de tudo. C´est fini en le Maracanã. Para ela, o corpo e a personalidade que animava o corpo eram indissociáveis. Com a morte de um, o outro também pede a conta. Ou não. Porque, mesmo que dominante, este é o entendimento de apenas parte da ciência. Assim como nas religiões, há correntes. O saber humano comporta várias "ciências". Há, por exemplo, estudos sobre a fisiologia humana que são aceitos por um determinado círculo acadêmico, mas questionados em outros. Ou mesmo simplesmente rejeitados alhures. Podemos classificá-las como áreas controversas, onde o processo empírico que norteia o saber científico não foi esgotado. Nesta categoria temos, entre outras, a homeopatia, a acupuntura e a fisioterapia. Cada uma delas, a seu tempo e a seu grau, foi negada, tolerada, aceita (ou quase) e absorvida. Então, mesmo a ciência, tão rígida, volta e meia abre seu flanco. Uma destas raias, porém, permanece na vala acadêmica, sem acesso ao salão nobre da medicina: o Magnetismo e sua frequente companheira, a Hipnose. É uma faculdade mais bem aceita nos shows de auditório, com assistentes de maiô, do que nos consultórios. A discriminação é justa? Há algo de procedente no hipnotismo ou ele é mero charlatanismo? Ó dúvida. Um dos mais abrangentes livros sobre o tema foi escrito há um século atrás - e permanece sendo uma das obras mais citadas pelos estudiosos do assunto. Seu autor, Eugéne-Auguste Albert de Rochas d'Aiglun, foi um francês que, na primeira década dos 1900, se dedicou à hipnose e aos resultados dela advindos. Sem convicções prévias ou teses a provar. De Rochas era um pesquisador. Um curioso. E se viu exposto a um mundo que antes não imaginava - e para o qual não tinha rótulos. Dos seus pacientes (denominados sujets, no jargão dos entendidos) ele colheu um largo espectro de reações. E, mais do que tudo, uma surpresa: à medida em que o processo hipnótico avançava, em estágios que ele ia classificando de acordo com a profundidade do transe, relatos de outras vidas começaram a surgir - e de Rochas se viu diante do que ele não imaginara: a regressão da memória às vidas passadas do hiptonizado. Cético, não partidário da doutrina espírita ou qualquer outra tese reencarnacionista, ele incentivou o mergulho em épocas cada vez mais distantes. Para uma melhor aferição e idoneidade dos procedimentos, zelava para que houvesse sempre observadores externos em suas sessões - e, muitas vezes, ele saía da condição de hiptnotizador e passava à de observador, responsável pela transcrição dos relatos. Sem ideias pré-concebidas e sem defesa de teses, o pesquisador francês investigou os diferentes níveis de reação do cérebro humano à hipnose. O leitor, além da farta, convincente e criteriosa produção, se vê cativado e desconcertado pela honestidade intelectual do autor. De Rochas, em seus viés puramente científico, descarta qualquer doutrina mística ou religiosa. Frente ao que lhe parece inconclusivo, deixa diversas questões em aberto e questiona os casos em que atuou, os que assistiu e aqueles de outrém, cujo relato lhe parecia confiável. Parte das transcrições nos é fornecida, com a reprodução dos diálogos mantidos com dezenas de sujets hipnotizados. Assim, se a narrativa sobre as supostas vidas anteriores merece crédito, ou não, cabe, em parte, ao leitor decidir. O fato é que surpreende que hoje, cem anos depois, tão pouco se saiba sobre os meandros da mente. Que janelas para um universo desconhecido e enigmático permaneçam fechadas, por um rigor que, no futuro, podem ser rotuladas de obscurantismo. Fato é que ferramentas inusuais, como a hipnose, foram relegadas ao descaso, talvez mais por falta de conhecimento sobre o que acontece com os suscetíveis ao processo hipnótico do que por real falta de convicção sobre o método. É uma pena que assim seja. O livro, além destes relatos, traz ainda o resumo de crenças e religiões, e também uma síntese do pensamento de nomes como Platão, Apolônio de Tiana e Voltaire. Para quem se interessa sobre a mente humana e o universo de alternativas presentes em um mundo que não vemos, uma obra relevante.

Publicações Lachâtre, 379 páginas

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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