"Elon Musk", por Ashlee Vance

terça-feira, janeiro 19, 2016 Sidney Puterman

"Na prática, Elon Musk não é tão rico. Ele tem cerca de 10 bilhões de dólares." É o que diz Ashlee Vance, seu biógrafo. Se você não conhece Elon Musk, não se acanhe. Eu, por minha vez, nunca ouvira falar dele. Até que um grande amigo exibiu para mim no seu Mac uma palestra onde o empresário sul-africano defendia seus projetos mirabolantes. Mais: me falou de um livro sobre o cara, recém-lançado nos Estados Unidos. Descobri que Musk é, possivelmente, o nome da vez entre os mega-empreendedores mundiais. Lendo a biografia escrita por Vance, a gente entende porquê. Musk faz da utopia uma consequência prática. Ele mescla o idealismo fantástico com a execução operacional. E, o que é pior para os seus concorrentes e detratores, vem fazendo isso em grande escala e com significativa taxa de sucesso - já no médio prazo. Ele une determinação e genialidade. Rapazola, trabalhou enfiado em uma tubulação subterrânea de uma sala de caldeiras, retirando gosma e resíduos fumegantes, quando emigrou da África do Sul para o Canadá (ainda que o pai fosse rico e ele já se revelasse um talento pioneiro em programação). Precisava de grana para se bancar longe de casa. Em seguida estagiou no mercado financeiro como assistente em um banco americano, o que fez badalar em sua cabeça o tonitroante sino das oportunidades disponíveis. Viu a possibilidade de criação de um banco virtual na internet, desenvolveu o projeto e tentou vendê-lo ao próprio banco. Sem sucesso. Riram dele. Então rumou para o lugar onde todos os malucos estavam se reunindo e preparando o Século XXI: o Vale do Silício. Lá ele fundou a X.com, que, após uma fusão, se tornaria o que é hoje o PayPal (há mais de uma década a empresa líder mundial no segmento financeiro na web). No primeiro dos seus inevitáveis paralelos biográficos com Steve Jobs, foi chutado da poltrona de CEO da sua própria empresa. Mas as coisas por lá deram certo, mesmo assim. Ou por causa disso. O que importa é que ele vendeu o negócio no início dos anos 2000 por US$ 1,5 bilhão de dólares. Nada mal. Ao invés de uma vida de nababo, procurou novos desafios. E, ousado, pôs toda a sua grana (que não era pouca) nisso. A primeira temeridade empresarial escolhida foi inventar um carro elétrico potente e divertido. Carros elétricos eram lentos, caros e chatos (o dele continua caro, a propósito). Para mudar isso ele fundou a Tesla (outro fato controvertido), que vem desde então mudando o panorama automobilítisco, com um volume de vendas que vem fazendo tremer as montadoras tradicionais. Em um setor dependente de milhares de fornecedores, ele concentrou a produção de cada componente do carro na sua própria empresa - fazendo-os melhores e mais baratos. Não parou aí. Resolveu que o programa espacial americano era uma catástrofe e que ele poderia fazer muito mais do que a NASA vinha fazendo, e, suprema agravante, por um quinto do preço. Debocharam. Respeitáveis lendas espaciais americanas fizeram troça dele. Elon fundou então a SpaceX e entrou no negócio do lançamento de foguetes e vôos espaciais. Mês passado seu foguete reutilizável foi ao espaço orbital e retornou, pousando de volta na plataforma. Nunca ninguém fizera isso antes. Hoje ele já não é mais piada. Os custos? Um décimo do que eram. Se meteu também na produção de painéis solares. Partiu de uma premissa instigante: se em uma única hora o sol gerava sobre o planeta toda a energia utilizada por todas as nações ao longo de um ano, este era um negócio rentável para se investir. Chamou os primos e fundou a SolarCity. Desde então ele vem trabalhando pesado e está construindo a maior fábrica de baterias do mundo. Em uma operação sinérgica, seus carros elétricos podem viajar por todos os Estados Unidos e abastecer em postos da companhia - de graça. A recarga dura 20 minutos, contra as 8 horas do modorrento sistema dos concorrentes. Se o motorista estiver com pressa, pode abrir mão da recarga grátis e substituir, por US$ 30 dólares, o pacote de baterias e sair do posto, com autonomia para 800 quilômetros, em 2 minutos. Você pode imaginar o pânico da conservadora indústria automobilística. O livro conta também as últimas maluquices de Musk. Como o hyperloop, um tubo gigante que superaria em todos os aspectos - velocidade, custo, capacidade e conforto - os trens-bala dos quais Musk caçoa, por serem caros e lentos (como eram os carros elétricos antes dele surgir e virar o setor de cabeça para baixo). Quer saber outra? Faz parte dos seus projetos a colonização de Marte, como alternativa para a humanidade. Cuméquié? É isso mesmo que você leu. O cara acredita que esta é uma opção tecnicamente viável. Na verdade, Musk quer ser enterrado lá. Visionário, megalômano e autista estão entre os epítetos que este sul-africano, descendente de norte-americanos, já recebeu. Maluco também. Segundo o autor, foi assim que ele o recebeu para a primeira entrevista: "Você acha que eu sou maluco?" Prudente, Ashlee Vance disse que não. Vai que... Mas vamos ao livro. Escrito com empolgação por Vance, apresenta Musk como o grande nome dos últimos 20 anos. Faz quase um panegírico do bilionário. Não raro, seu discurso se assemelha a um verborrágico material de marketing, com descrições persuasivas e testemunhos que endeusam o empresário. Para dar uma aliviada - ou disfarçada -, transcreve uma dúzia de depoimentos negativos, que acusam Musk de coisas ruins e desabonadoras  (tipo fraudes, traições, mentiras e outras ações pouco louváveis). Será inveja dos inimigos, rancor dos perdedores? Cada leitor que dê o desconto que lhe pareça adequado. Também acho demasiado chamar o livro de "biografia" - é mais uma reportagem de 400 páginas sobre um conglomerado de empresas inovadoras e seu líder. Assim, relevando a superficialidade de muitas passagens, cabe a nós, leitores mortais, separarmos o joio do trigo e identificarmos a substância genuína camuflada sob a purpurina do relato hagiográfico - o velho "confiar, desconfiando", virtude que integra a experiência intelectual humana. Gênio ou não (o futuro irá dizer), lamento que seja pouco conhecido por estas plagas um sujeito que vem aprimorando o processo civilizatório. Como confessei no início, antes do meu amigo Ricardo me apresentar o Musk, também não sabia quem era o cara. Agora sei um pouco. Vou ficar de olho. Mesmo não sendo o livro a expressão absoluta da verdade, e sim a visão do seu autor, o que o texto nos oferece tem interesse para quem pensa sobre novas tecnologias e novos meios de transporte. Tô dentro.

Editora Intrínseca, 399 páginas

Post Scriptum: Anteontem, 17 de janeiro, um foguete da SpaceX foi ao espaço, retornou, pousou numa plataforma no meio do oceano, e, depois do pouso, um dos tripés de sustentação partiu - o foguete tombou lentamente e incendiou. O que só reforça o quanto de riscos e de custos estão envolvidos neste tipo de negócio.

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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