"Visões do Rio de Janeiro Colonial 1531 - 1800", por Jean Marcel Carvalho França
Sabe aquelas caixinhas de música, espelhadas, de madrepérola, que sob uma delicada pressão se abrem e nos encantam? De uma certa forma, é esse livro. Sob o sol da Baía de Guanabara, um conteúdo diáfano (seda, pergaminho?) registra frações de memória de um Rio de Janeiro primitivo, semi-intocado – mas repleto de energia. Conciliando beleza, vigor, oportunismo e sedução, a obra reúne algumas dezenas de relatos de viajantes estrangeiros que por aqui passaram ao longo dos 250 anos iniciais da cidade. Os textos, quase sempre escritos por homens do mar que tiveram sua rarefeita permanência no Rio vigiada por oficiais portugueses (na época não se desembarcava na capital sem a vigilância da guarda, por medo de que comercializassem produtos ou, o mais grave, soubessem dos caminhos do ouro), coincidem em pontos que em nada nos orgulham: a indolência do populacho, a religiosidade de fachada, a lascívia das mulheres e a corrupção dos poderosos. Apesar do desconforto, escutar o depoimento de quem conheceu essa metrópole ainda em seu esboço é valioso. E inevitavelmente nos conduz a um outro tempo, de caminhadas de fim de tarde, partindo do Paço, contornando o Morro do Castelo pela Ponta do Calabouço e indo ver o sol se por num caramanchão do Passeio. Pena que essa doce nostalgia se interrompa quando, nessa “viagem” em jardins erguidos sobre o pântano aterrado, nos damos conta de que o tempo passou e não saímos do lugar: o governador de então aparece em um dos relatos recebendo gorda propina para liberar um navio retido, como ainda hoje governadores, com reiterada frequência, sejam surpreendidos em seus delitos. Como nos permite entrever Jean Marcel em sua obra, estamos diante de antiga, arraigada e resistente prática.José Olympio, 356 pgs
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