"O Futebol do Botafogo 1951-1960", por Carlos Ferreira Vilarinho
"O Futebol do Botafogo 1951-1960", assinado por Carlos Ferreira Vilarinho, dá continuidade ao trabalho de Alceu Mendes de Oliveira Castro, autor de "O Futebol no Botafogo 1904-1950". Alceu é chamado por Vilarinho como "pai da memorabilia botafoguense".
Procurei o livro do Alceu, não encontrei (vou continuar procurando; um dia acho).
Este do Vilarinho também não foi fácil de achar. Edição esgotada nas livrarias - e bissexta nas lojas de livros usados. Apelei ao próprio autor, que me indicou um sebo de seu conhecimento, possuidor de um solitário exemplar (que, agora, já não possui mais). Agora é meu. É sobre ele que escrevo.
Vilarinho não é escritor de muitos circunlóquios. Vai direto ao ponto. Seu registro esmiuça o que acontece em campo. Nisso, é amplo, enfático, passional. Descreve todos os jogos, todos os gols, todos os torneios. A evolução do placar e a temperatura no gramado. Quem chutou quem. Não poupa sua excelência, o soprador de apito.
Não só. Estão presentes as filigranas políticas das federações. A disputa clandestina no tapetão. O esporte e a política nacional. Vilarinho não desperdiça oportunidades de vincular o que acontece nos estádios ao que acontece no país. Com direito a lado: ele é sempre veemente, sanguíneo.
Mas o grande barato mesmo é a maneira como o historiador nos oferece o andamento dos jogos e dos bastidores. Nos abre o passado como se este acontecesse agora. Vibramos com os lances, lamentamos os gols perdidos, celebramos as vitórias e xingamos o juiz.
Sem contar a "periferia" dos jogos em carretilha. De cara já vemos o imbroglio entre as transmissões de TV - recém inaugurada no país por Assis Chateaubriand - e os clubes. Embora quase ninguém tivesse um aparelho para ver o que era transmitido, o futebol já aparecia como conteúdo premium. Os clubes discordavam entre si sobre permitir ou não as transmissões. Se sim, se deviam ser cobradas; ou se o direito de transmissão deveria ser uma generosa benevolência dos clubes.
Na refrega, acabou sobrando para o rádio, acusado de lucrar por transmitir os jogos de graça. As emissoras retrucaram, acusando os clubes de se beneficiarem da popularidade que obtinham graças às transmissões de rádio, pelas quais não pagavam. Virou um quiprocó.
Ao mesmo tempo, a grande novidade no campeonato de futebol na Capital Federal era o novo equipamento público para disputa dos jogos - o Estádio Municipal, que àquela época ainda não era chamado de "Maracanã", o bairro onde o estádio se situava. Mas vinha dando rolo.
A reclamação principal dos clubes era quanto ao prejuízo provocado pelas taxas para uso do estádio. Pleitearam o aumento do ingresso, mas o prefeito foi contra, com o apoio do Flamengo. A entrada da geral custava o equivalente a um sanduba de mortadela, ou meia cerveja. Uma arquibancada custava quatro vezes mais: duas garrafas de cerveja. Ficou por isso.
Os clubes já conviviam com um problema crônico de caixa. O Maracanã influenciara na perda de sócios contribuintes, pois parte dos jogos já não era mais disputada nos estádios particulares. O Jornal dos Sports, do rubro-negro Mario Filho, estava ao lado do Flamengo e contra os demais clubes.
A propósito, os clubes locais nunca se acertaram. Continuam - como hoje - cada um por si.
Mas não esqueçamos que o livro é sobre o Botafogo de Futebol e Regatas. En passant, Vilarinho conta a história icônica da fusão do Clube de Regatas Botafogo, fundado em 1o de julho de 1894, e do Botafogo de Futebol Clube, fundado em 12 de agosto de 1904.
Os dois Botafogo coexistiram por 38 anos. Embora um fosse do remo e outro fosse do futebol, tinham outros esportes e competiam entre si, como no basquete. Em 1942, em um jogo entre ambos, um choque em quadra levou à morte o jogador Armando Albano. O evento trágico se tornou a senha para que não se enfrentassem nunca mais. Os dirigentes se reuniram, combinaram a fusão e em 8 de dezembro de 1942 os dois Botafogo passaram a ser um só: Botafogo de Futebol e Regatas.
Mas isso foi antes do que é, na verdade, o ponto de partida do livro - janeiro de 1951. Um período um tanto opaco na memória dos torcedores. A obra joga luz em um momento de sombra.
Já alerto os leitores que Vilarinho fala muito num tal de Santos, um jogador do Botafogo no início dos anos 50. É um dos mais citados nos primeiros capítulos, ao lado de Paraguaio, Pirilo, Osvaldo Baliza, Geninho etc. Toda hora ele fala no tal do Santos, que chegou inclusive a ser convocado para a seleção, desfalcando o time.
Demorei para descobrir que o primeiro nome do tal Santos era Nílton - sim, esse mesmo que hoje batiza o estádio do Botafogo, conhecido também como o maior lateral-esquerdo de todos os tempos. Mas, no que depende do autor, fiel aos registros de época, este é um mero pormenor.
Outra coisa que nem nos passa pela cabeça é que, na criação do clube, ainda não existiam os túneis ligando Copacabana a Botafogo (sob o Morro da Babilônia) e ligando a rua General Severiano à praia de Botafogo (sob o Morro do Pasmado). Com a perfuração dos túneis, iniciada em 1936, foi criada também a extensão da Avenida Princesa Isabel, desapropriando a sede de tênis do Botafogo, que tinha quatro quadras. A prefeitura prometeu um terreno de idêntico tamanho na Wenceslau Braz, mas nunca cumpriu o prometido.
Mas - utilizando só de implicância uma expressão que virou o clichê predileto dos comentaristas de tv - vamos falar de campo e bola. E que bola. Porque o primeiro grande fato do Botafogo nos anos 50 demorou dois anos e meio para acontecer. Você já sabe qual é. Tinha as pernas tortas.
No dia 19 de julho de 1953 o atleta Manuel Francisco dos Santos estreava no time do Botafogo.
Natural que a futura estrela tivesse uma estreia tímida. Era a primeira partida de futebol profissional, à vera, do jogador. Tímida... será? Garrincha não aterrissou no planeta futebol para ser acanhado.
O Botafogo perdia o jogo em casa para o modesto Bonsucesso. Tomou o um a zero logo aos cinco minutos. Mas, aos dez, Mané, o estreante, bateu um escanteio na cabeça de Vinicius, que empatou. O Bonsuça marcou e pulou de novo à frente do placar. Dino igualou, mas o bandeira deu impedimento. Aí foi a vez de Garrincha empatar, de bicicleta, aos 32. O juiz, sueco, anulou.
Ninguém entendeu. Aos 40, Garrincha (o estreante) promove um salseiro na área - é agarrado, puxado e empurrado pra fora de campo. O juiz não deu nada. Fim do 1o tempo. Bonsucesso 2x1.
Aos onze da segunda etapa, Garrincha bate novo escanteio na cabeça de Vinicius, que sofre cama de gato. Pênalti. Com o time perdendo o jogo e a torcida estressada, ninguém se entusiasma para bater a penalidade máxima. Garrincha pega a bola e põe na cal. O goleiro provoca o moleque: "Vai pra fora". Garrincha retruca: "Você vai ver ela morrer no barbante". Gol. Botafogo 2x2 Bonsucesso.
O jogo mudou de figura. Aos 28, Dino virou: 3x2. Aos 30, falta a favor do Botafogo. Quem bateu? Garrincha. Saco: 4x2. Aos 32, Garrincha deu o que hoje chamamos de "pré-assistência": acossado por dois marcadores, meteu para Ariosto, que tocou para Dino encobrir o goleiro. Botafogo 5x2.
O Bonsucesso fez o terceiro. A partida caminhava para ficar no 5x3 quando Garrincha, com o tempo regulamentar já estourado, recebeu na lateral. Passou pelo marcador, invadiu a área, driblou todo mundo que encontrou e fez o sexto. Placar final: Botafogo 6x3 Bonsucesso.
Na sua primeira partida como jogador profissional, Garrincha marcou um hat trick (um gol de pênalti, um gol de falta e um gol driblando geral). Mais: deu uma assistência pra gol, uma assistência pra pênalti, uma pré-assistência, sofreu um pênalti (não marcado) e fez um gol de bicicleta (anulado).
Apenas para efeito de comparação, resgatemos a estreia de alguns indiscutíveis fora-de-série: Pelé, em seu primeiro jogo profissional, marcou um mísero gol, na vitória do Santos por 7x1 contra um time de Santo André. E Zico, Maradona, Ronaldo Nazario, Messi, Cristiano Ronaldo, Neymar e Lamine Yamal passaram em branco na estreia. O menino Garrincha? Enfiou três logo de cara.
O impacto da chegada de Garrincha ao jogo foi o de uma colisão meteórica. Pena que não haja hoje quem dê o merecido destaque aos seus números. Homéricos. Inalcançáveis. Com o desembarque do extraterrestre de Pau Grande entre nós, o planeta futebol iria mudar para sempre.
O Brasil também. Para alegria de toda a nação, o tempo das vacas magras ia acabar.
Mas para que isso acontecesse ainda faltavam praticamente cinco anos. A conquista da Copa do Mundo de 1958 seria uma mudança de paradigma para a pátria. Humilhado em casa pelo Uruguai em 1950, o Brasil se sentia um país de "pipoqueiros". Sem auto-estima. Segundo Nelson Rodrigues, nos faltava pedigree na hora da verdade. Éramos todos vira-latas. Escorraçados.
Ainda não sabíamos que Garrincha, mestiço de fulniô, reescreveria essa história (escoltado por dois descendentes de escravos, Didi e Pelé). Foi ignorado na convocação de 1954 - o lobby paulista se impôs -, mas seria figurinha carimbada em todas as convocações a partir de 1955.
Antes de ser convocado para ajudar o Brasil, porém, Garrincha ainda iria fazer muito pelo Botafogo. Suas primeiras vinte e uma partidas oficiais, todas pelo Campeonato Carioca de 1953, foram do balacobaco. Anote aí: dezenove gols, nove assistências, dois hat tricks e dois gols olímpicos.
O maior jogador de futebol de todos os tempos fez, em seus primeiros vinte e um jogos, o que nunca ninguém fizera antes - nem ninguém faria depois. Um fenômeno. Um exagero. Um escracho.
Apesar da alta expectativa, os anos seguintes, com três dos maiores craques da sua história no elenco, não foram significativos nas disputas locais. O Botafogo iria concentrar suas grandes conquistas e performances no "estrangeiro" (como se dizia, à época). E não ia deixar barato.
(Não posso desconsiderar o torneio quadrangular celebrado em homenagem ao cinquentenário do Botafogo Futebol Clube. A competição, disputada em abril de 1954, foi um mini campeonato brasileiro - inexistente, à época, é bom frisar. O Botafogo foi o campeão. Bateu o Palmeiras por 4x3, empatou com o Internacional em 2x2 e venceu o Fluminense por 3x1. O caneco ficou em casa.)
A conquista local funcionou como um aperitivo para a disputa da Taça Rafael Larrea. Em 18 de julho (véspera do primeiro aniversário de Garrincha como jogador alvinegro), em Medellin, Colômbia, o Botafogo sapecou 4x1 no Independiente de Medellin, já abrindo os trabalhos.
A vítima seguinte foi o lendário time do Millionarios, em Bogotá. O Botafogo venceu o esquadrão por 2x0. O time voltou para Medellin, desta feita para enfrentar o Atletico Nacional. Depois de fazer 2x0 com Quarentinha e Garrincha, o time colombiano diminuiu aos 43 do segundo tempo. BFR 2x1.
Houve uma revanche, uma semana depois, também em Medellin. O Botafogo sacramentou o placar em 3x1, passou a régua e o Atletico Nacional pediu a conta. E toma-lhe avião. O próximo adversário era o Santa Fe. Sentindo o tamanho da piaba, o time local se reforçou com três argentinos de ponta (Rossi, Moreno e Vilariño, homônimo hispânico do autor). Não foi suficiente. Botafogo 2x1.
Em Quito, o alvinegro enfrentou o vice-campeão colombiano, o Quidio. Foi também devidamente atropelado: 2x0. O resultado valeu a Taça Rafael Larrea. Antes de retornar para o Brasil, o Botafogo, de ressaca e sem Garrincha, lesionado, enfrentou o Valdez e ficou no empate. 2x2.
O saldo da viagem à Colômbia e ao Equador ficou em sete jogos, seis vitórias e um empate. Foram 17 gols a favor e 6 gols sofridos. A pressão da torcida, a arbitragem caseira e altitude de Quito e de Bogotá, que tanto mal fazem aos times brasileiros, parece não terem surtido efeito sobre o Botafogo.
No ano seguinte a principal viagem foi à Europa. Adversários sem expressão. O vôo atrasou, o Botafogo desembarcou em Madrid, foi para o hotel trocar a roupa e seguiu para o estádio. O jogo, contra o Real Madrid, com o estádio lotado, terminou empatado em 2x2.
Quatro dias depois, o confronto era contra o mesmo Atletico de Madrid que o Botafogo enfrentará em 23 de junho agora, pelo Mundial de Clubes da FIFA, no Rose Bowl, em Los Angeles. O Glorioso vencia por 3x2 até os 44 minutos do segundo tempo, quando os espanhóis conseguiram o empate.
Parecia que a sina do empate nos perseguiria. O Botafogo encarou o Valencia, reforçado por jogadores do próprio Atletico. Um pênalti inventado ajudou o time local a arrancar um empate. O jogo terminou mais uma vez com o placar de 3x3.
O jogo seguinte - realizado em 8 de junho de 1955, há 70 anos atrás -, foi contra o campeão francês, em sua cidade. O Stade Reims foi esculachado em casa. Botafogo 5x1, com exibição de cinema de Garrincha (a propósito, o clube enfrentará o campeão francês dia 19 de junho agora, o PSG).
O grande time francês da época, entretanto, era o Racing de Paris. O Botafogo o derrotou em Lens, por 3x2. O time brasileiro foi ovacionado. A ponto de exigirem dos jogadores que dessem uma volta olímpica, para que fossem devidamente reverenciados pela torcida francesa.
O compromisso seguinte não era um clube. Era uma seleção. A da Holanda. Ainda faltavam 18 anos para os holandeses revolucionarem o futebol mundial com a sua Laranja Mecânica. O Botafogo ignorou o promissor porvir neerlandês e meteu um 6x1, em Amsterdam, sem dó nem piedade.
O próximo destino em que o passaporte alvinegro seria carimbado foi em Turim. O Botafogo encarou um combinado formado pelos melhores jogadores da Juventus e do Torino. Passou o carro: 4x0. Foi a Roma enfrentar o Roma: 3x2. Chega. Era hora de voltar para casa - e com os cofres cheios.
Além das gordas verbas pelas partidas, o Botafogo vendeu Dino e Vinicius para os italianos. Um alívio para as contas do clube, já bastante combalidas. A torcida foi receber os heróis na Praça Mauá. No desembarque, os jogadores se perfilaram para receber as medalhas.
Em 1955, quando não havia ainda uma Taça Libertadores e um Campeonato Brasileiro, o grande objetivo dos nossos clubes era o de serem convidados para disputar torneios no exterior - e, vencendo seus jogos, acabavam sendo convidados novamente, e por mais países, no ano seguinte.
Hoje, devido à TV, os patrocínios sustentam a disputa de longas competições, nacionais e internacionais. Nesta época de ouro do futebol brasileiro, porém, as transmissões esportivas pagavam uma ninharia. Para ganhar la plata, os principais clubes excursionavam como circos.
A precariedade de registro e de calendário, entretanto, não pode ocultar a verdade: nunca nossos grandes times foram tão vitoriosos e tiveram tanto impacto no futebol mundial como nos anos 50 e 60. O Botafogo era a principal "companhia" brasileira de futebol - mas não era a única. Viajar mundo afora para caçar tostões - que bancassem os clubes - envolvia até mesmo o Bangu e o Bonsucesso.
Assim, se alguém pensa que aquela tonelada de jogos na Europa disputados pelo Botafogo em 1955 eram uma exceção, pode ir tirando o cavalinho da chuva. Era a praxe. Em 1956, o Glorioso conquistou o Troféu Ciudad del Cordoba vencendo o Cordoba por 4x3, na Espanha. Bateu o então campeão alemão, o Rott Weiss Essen, na Alemanha, na casa dos caras, também por 4x3.
O campeão da Copa da França agora era o Sedan. O Botafogo foi lá e sapecou 4x0 nos campeões. Dali o time rumou para Barcelona, onde enfiou 2x0 no Barcelona. Os espanhóis, inconformados com o chocolate, transformaram o fim do jogo em batalha campal. O time do Botafogo era bom de porrada e acabou com os 22 jogadores expulsos - a pendenga terminou na delegacia.
Extenuado, o Botafogo voltou ao Brasil para jogar o Carioca. Meteu logo um 5x0 no Flamengo.
Mas o ritmo de viagens cobrava um preço da condição física dos atletas. Se Zagalo (humilhado pelos dribles de Garrincha) prometeu vingança no jogo do returno e não levou - o Flamengo perdeu de novo -, o Botafogo se viu sem forças para uma corrida pelo título. O clube teria que esperar por 1957.
O primeiro semestre teve por destaque as eliminatórias para a Copa do Mundo, no ano seguinte. Garrincha foi titular da seleção. Empatamos em Lima e vencemos no Maracanã.
Um dos técnicos mais lendários da história do Botafogo assumiu o time: João Saldanha. O clube foi para Caracas disputar o que era então chamada de "Pequena Copa do Mundo", contra os espanhóis Sevilla e Barcelona e o Nacional do Uruguai. Todos contra todos, em dois turnos.
O Glorioso despachou o Sevilla (2x0) e o Nacional (4x0). No terceiro jogo, porém, o Botafogo parou no goleiro do Barcelona. Apesar da pressão, o jogo acabou em 3x0 para os espanhóis, com um gol do brasileiro Evaristo. Para levantar a taça, era necessário ganhar todas no segundo turno.
O time passou de novo pelo Sevilla (2x0), mas tropeçou nos uruguaios (2x2). Como o Barcelona também tropeçou - só que contra o conterrâneo Sevilla (idênticos 2x2) -, restava ao Botafogo derrotar o Barcelona e decidir o caneco na prorrogação.
Evaristo, mais uma vez, abriu o placar: 1x0. Só dava Botafogo, mas quem marcou, já no fim do primeiro tempo, foi de novo o Barcelona: 2x0. O segundo tempo foi um massacre. Além das bolas na trave, o clube brasileiro vazou três vezes a meta espanhola, mas o árbitro venezuelano Isidro Tapote inventou um impedimento para anular o terceiro gol. O Glorioso teve que se contentar com o vice.
O segundo semestre foi dedicado ao Campeonato Carioca. O Botafogo queria o título, que já não conquistava desde 1948. O Fluminense, porém, era o favorito, e já estava com a mão na taça - bastava vencer o Vasco na penúltima rodada. Só que não. O Vasco venceu. O Flamengo empatou e foi ultrapassado pelo Botafogo, que venceu também.
O último jogo do tricolor, que continuava dependendo apenas de si mesmo, era contra o Botafogo, que agora vinha em segundo lugar. Mas um empate era suficiente para o time das Laranjeiras esfregar o título na cara de Didi, que havia se bandeado para o alvinegro no ano anterior.
Vilarinho conta passo a passo, lance a lance, cada detalhe do jogo final: eletrizante.
Foi o maior sapeca-iaiá da história das decisões do Carioca. Algo semelhante aos 5x0 do PSG na decisão da Champions, duas semanas atrás. O Botafogo varejou um acachapante 6x2 pra cima do Fluminense. Telê, o craque tricolor, pediu para o alvinegro só tocar a bola - e parar de fazer gols.
Paulo Valentim, com o diabo no corpo, fez, só ele, cinco gols. O primeiro já saiu aos dois minutos de jogo. Garrincha só não fazia chover. As bolas ou estouravam na trave ou passavam rente ao travessão. O primeiro tempo terminou 3x0. O time tricolor perdidinho em campo. Também, pudera.
O Fluminense diminui, com Telê, no início do segundo tempo, mas logo o Botafogo mete o 4x1. A defesa botafoguense já começa a comemorar. Thomé e Nilton Santos rasgam as camisas, confiantes no título que batia à porta. Garrincha dribla até o presidente do clube e enfia o 5x1.
Não satisfeito, Garrincha se diverte enfileirando todo mundo vestido com a camisa do Fluminense, para lá e para cá. Aos 24 minutos do segundo tempo, dribla dois e serve Paulinho, que faz o 6x1. O time cansou de perder gols. A torcida, alucinada, cantava a música que retomaria três quartos de século depois, para homenagear Tiquinho Soares: "Ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, tá chegando a hora..."
O tricolor marcou mais um aos 40 minutos, quando o alvinegro já tinha desperdiçado uma saraivada de gols. Aos 45, Paulinho driblou Pinheiro e iria marcar o sétimo gol do jogo (o sexto dele), quando o juiz achou de bom-tom interromper a carnificina.
O Botafogo humilha o rival e levanta o caneco de 1957. Didi, como prometido, foi a pé de General Severiano até em casa, passando em frente às Laranjeiras. Saiu ainda trajado com o uniforme do jogo, mas foi perdendo as peças ao longo do trajeto - camisa, meiões, chuteiras. Chegou só de calção.
O título, além de merecido, fazia justiça ao melhor time do país (em uma época em que quase todos os clubes ostentavam um onze de respeito). O problema era o que isso cobrava em termos de exaustão física. Para um time bom e campeão, a cota por jogo dobrava, e aí era um vôo atrás do outro, para poder fazer frente aos salários faraônicos que os craques do time recebiam.
Com isso, no afã de manter as contas em dia, no dia 29 de dezembro, uma semana depois de sagrado campeão carioca, o Botafogo iniciou um périplo que começou na Costa Rica, enfrentando o Alajuense (0x0), o Huracán (0x3), o Saprissa (2x1), o Atletico Nacional (2x1), o Independiente Medellin (0x0), a Seleção de Curaçao (duas vezes, 4x1 e 4x0), o Deportivo FAS (4x0), o Atletico Marte (3x1), o Independiente (1x1), o Guadalajara (0x2), o Zacatepec (3x1) e o River Plate (1x1). Ufa.
O Botafogo havia deixado o Brasil entre o Natal e o Ano Novo, voltando logo depois do Carnaval (o jogo contra o argentino River Plate fora em 20 de fevereiro). No fim de semana seguinte, 27 de fevereiro, o Glorioso encarava o Corinthians (3x2) e o Santos de Pelé (2x2), pelo Rio-São Paulo.
Aí a garotada nutella de rede social questiona o porquê desse Botafogo não ter mais títulos...
A ausência de calendários regulares, a falta de fontes de receita (basicamente bilheteria e cotas de jogos) e o endividamento crescente fazia com que os melhores times estivessem sempre na estrada, de pires na mão. Priorizava-se um amistoso bem pago a um jogo oficial. Exemplos não faltam.
Nos anos 50, muitos dos principais times brasileiros estavam celebrando seus cinquentenários e realizaram jogos comemorativos. O Botafogo foi bem pago para ir a Belo Horizonte enfrentar o Atlético Mineiro, em 23 de março de 1958. Dim-dim. Em dez minutos o time perdeu três gols. Em vinte minutos o Galo meteu quatro gols. O Glorioso foi para o vestiário levando um sacode de 4x0.
Saldanha não fez nenhuma alteração. Aos 15 minutos, Edson diminuiu. Aos 25, Garrincha: 2x4. Aos 31, Paulinho Valentim: 3x4. Aos 39, Quarentinha empatou. Aos 44, o mesmo Quarentinha virou: 5x4. Cinco gols em meia hora. Garrincha, zoador, se além de gênio fosse vidente, poderia ter falado: "Contra esse Mineiro, a gente ganharia mesmo com um a menos..."
Mas o principal objetivo futebolístico no primeiro semestre de 1958 era a preparação para a Copa do Mundo. O Botafogo teve 5 convocados: Didi, Nilton Santos, Garrincha, Cacá e Pampolini. Os dois últimos foram cortados antes do embarque. Garrincha não foi escalado como titular nos 3 primeiros amistosos do escrete e resolveu abandonar a Seleção. Saldanha foi às Paineiras convencê-lo a ficar.
Enquanto no sábado, em São Januário, o clube tascava um 3x1 no Vasco, em Gotemburgo, no domingo, Garrincha estreava na Copa. Era um 15 de junho, há exatos 67 anos atrás (o Botafogo estrear hoje na Copa do Mundo de Clubes, em Seattle, é uma coincidência singular). Oxalá.
Naquele dia, Garrincha acabou com o jogo. Fez o badalado futebol científico dos soviéticos virar piada. Abismado com a atuação do ponta brasileiro, um jornalista sueco escreveu: "Garrincha é uma combinação de Jesse Owens com Nijinsky". Quem??? Rapaziada, não vou contar para vocês quem eram os dois. Posso adiantar que um era americano e o outro russo - e nenhum deles jogava bola. Pesquisem.
Vindo de um frustrante zero a zero com os ingleses, o Brasil arregaçou os russos e não parou mais de ganhar. Um a zero contra Wales, 5x2 nos franceses e 5x2, de novo, nos donos da casa, a suecada. Garrincha, Pelé e, principalmente, Didi, arrebentaram.
Vilarinho aponta que, na eleição promovida pela agência de notícias United Press International (UPI), 5 brasileiros formaram na seleção da Copa: Djalma Santos (da Portuguesa), Belini (do Vasco), Nilton Santos, Didi e Garrincha (os três do Botafogo). Sim, é isso que você está lendo. Pelé ficou fora.
Coube ao Press Club eleger os melhores da Copa. Didi, com 1.350 votos dos jornalistas esportivos, foi eleito o melhor jogador - e consagrado com o epíteto de Mr. Football. O artilheiro da Copa, Kopa (sem trocadilho), ficou em segundo (456 votos) e o sueco Skoglund (436 votos) em terceiro.
A Federação Sueca promoveu também uma votação entre 750 jornalistas, e igualmente elegeu cinco brasileiros, mas com Pelé no lugar de Djalma. Nílton Santos foi o mais votado, com 619 votos. Seu presidente, Gunnar Lange, afirmou: "Didi foi o maior jogador do mundo dos que já vi jogar. Pelé e Garrincha estão em plano inferior". O próprio Pelé discordou, em declaração ao jornal espanhol Marca, que perguntou não ser Pelé o maior: "O maior jogador do mundo não sou eu, é Garrincha".
Fato é que, após a conquista da Jules Rimet, os três jogadores do Botafogo garantiram seu lugar entre os maiores jogadores da história. Didi, como o melhor da Copa; Nilton Santos foi além, tido até hoje como o maior lateral esquerdo de todos os tempos; Garrincha, o maior de todos, se decisivo em 1958, é considerado o jogador que ganhou "sozinho" a Copa de 1962, quatro anos depois. Que façanha do clube de General Severiano.
O despeito encolerizado que o Botafogo passou a despertar desde então não é à toa. É merecido.
Os craques voltaram da Suécia valorizados. Coube ao Botafogo pagar a fatura, aumentando os ganhos do trio campeão do mundo. Segundo apurou Vilarinho, o clube se antecipou ao assédio europeu e já reajustou os salários de Nilton e Garrincha para 50 mil e 45 mil, respectivamente.
Didi logo passou a ganhar mais de 100 mil por mês, o dobro do que recebia um ministro do TST. E Garrincha teve novo aumento para 80 mil mensais, em um contrato de três anos. Nilton Santos idem. Assim, para não vender suas estrelas (com inúmeras propostas dos gigantes europeus), o Botafogo precisava de bilheteria e de excursões - sacrificando a performance nos campeonatos locais.
Não fosse isso, o Campeonato Carioca de 1958 certamente teria sido conquistado pelo Botafogo - como também os seguintes. Mas o time estava depauperado e amargou o certame atrás dos rivais.
Mesmo assim, ficou na cola. O penúltimo jogo era justamente contra o Vasco, líder. O Botafogo venceu, e na rodada seguinte o Vasco perdeu de novo, desta feita para o Flamengo, o que levou a um empate triplo entre os três, no fim do campeonato. O título de 1958 seria decidido em 1959.
E a decisão ficou para um triangular final, batizado pela imprensa como "Super Campeonato". O Botafogo, que teve um gol mal anulado, perdeu para o Flamengo; mas depois venceu o Vasco, que venceu o Flamengo. Novo empate, provocando um novo triangular e o "Super-Super-Campeonato".
De novo o Botafogo ia vencendo o Vasco, com um belo gol de cobertura de Paulinho Valentim, mas o juiz Eunápio de Queiroz inventou uma falta no meio campo. Ignorou os pênaltis em Garrincha (aquele da Copa do Mundo) e deu a vitória ao time de São Januário. O mesmo Eunápio foi escalado para o jogo seguinte contra o Flamengo. Saíram dois gols para cada lado, até que Neivaldo, do Botafogo, desempatou no último minuto. Eunápio (rima com...) anulou. O jogo terminou 2x2.
O confronto entre Vasco e Flamengo definiria o campeão. Ao Vasco, bastava o empate. Segundo Vilarinho, "a maioria do time iria torcer pelo Flamengo, exceto Garrincha". O ponta declarou aos jornalistas sua indiferença: "Para mim, tanto faz que ganhe o Flamengo ou o Vasco".
Deu Vasco. O "super-super campeão" ficou doze anos em jejum depois desse título.
Uma paradinha para contextualizar. Voltemos somente um ano no tempo. Você viu. O Botafogo venceu o Carioca de 1957, goleando o Fluminense na véspera do Natal, viajou em seguida para a Europa, onde varou o Ano Novo e ficou dois meses jogando a cada três dias, retornou ao Brasil já indo para a capital paulista disputar o Rio-São Paulo, teve cinco jogadores convocados para os treinos da Seleção, três foram com o escrete para a Europa (de onde voltaram campeões e eleitos os melhores da Copa e do mundo), o elenco ficou rodando o Brasil realizando amistosos, na volta da Copa o time engrenou no Carioca de 1958, que teve dois triangulares extras, terminando em 1959... e, uma semana depois, o time partiu em excursão pelo Nordeste, e na volta, sob protesto, teve novamente cinco jogadores convocados para a Seleção que disputaria o Sul Americano em Buenos Aires - do qual o Brasil regressou invicto e vice-campeão -, com Didi sendo o único jogador que atuou os 90 minutos em todos os seis jogos. Aí o clube disputou o Rio-São Paulo e partiu em excursão para a Europa.
Vou voltar nesses jogos, que o historiador botafoguense, Carlos Vilarinho, diligentemente recuperou.
Mas, continuando o raciocínio sobre quão esfalfados ficavam os jogadores, é imprescindível lembrar que, na época, não eram permitidas substituições. Ou seja, quando alguém se machucava, o time jogava com um jogador a menos. E, não havendo substituições, os elencos eram naturalmente mais curtos; um clube como o Botafogo jogava de três em três dias, sempre com os mesmos atletas.
Alguns exemplos (bizarros, sob a ótica de hoje) são trazidos por Vilarinho. No clássico entre Botafogo e América, pelo turno do Campeonato Carioca, com um minuto de jogo, Garrincha dribla dois, entra na área e sofre pênalti (não marcado por José Gomes Sobrinho), se estabacando no gramado. Sofre luxação da clavícula e vai para o vestiário. Voltou a campo aos 28 minutos, ovacionado pela torcida.
Mesmo com um a menos e jogando no 4-3-2, o Botafogo tinha aberto o marcador, com Quarentinha. Enfaixado e com um braço preso, Garrincha continuou driblando e apanhando. O time faz dois a zero e, já no fim do jogo, Garrincha dribla os zagueiros, cruza (enquanto é jogado fora do campo sobre os fotógrafos e arrebenta de vez a clavícula) e vê Rossi fazer o terceiro gol. Só aí ele saiu de vez.
Outro exemplo non-sense é no jogo contra o Vasco. O goleiro Ernani saiu lesionado no fim do primeiro tempo e o atacante botafoguense Neivaldo foi para o gol. Fez duas defesaças no início do segundo tempo, até que Ernani foi devolvido ao jogo, aos dez minutos. De volta ao ataque, Neivaldo ainda cruzou para Amarildo fazer o gol da vitória: Botafogo 1x0 Vasco. É surreal ou não é?
Mas saí do roteiro para falar de excesso de jogos e da impossibilidade de substituições. Após os dois triangulares decisivos do Carioca, o Botafogo partiu em excursão, na segunda quinzena de janeiro.
Foi a Goiás enfrentar o Goiânia (6x0), DOIS dias depois jogou em Belo Horizonte contra o Atlético Mineiro (3x1), seguiu para Salvador para pegar o Bahia (1x0), dali para Maceió contra o CSA (4x0), em seguida para Belém enfrentar os três maiores times locais - Tuna Luso (6x0), Remo (2x1) e Paysandu (1x1) -, fechando contra o Santa Cruz (2x3), em Recife. Tudo isso em trinta dias.
Descanso? zero. O Botafogo teve cinco convocados para disputar o Campeonato Sul-Americano (hoje rebatizado de Copa América) de 1959 em Buenos Aires. Já estropiados da sucessão infinita de jogos, Nilton Santos tomou um pau contra o Peru, Zagalo não rendeu, Garrincha chegou lesionado.
Depois das vitórias sobre Chile e Bolívia, já com Garrincha no time, Paulinho Valentim foi escalado para a guerra contra o Uruguai e meteu os três gols do jogo (3x1). Goleamos o Paraguai e empatamos com a Argentina, nos cabendo o vice-campeonato sei lá por quê.
Didi jogou os 90 minutos em todos os seis jogos e foi eleito o craque do campeonato. Fui checar os placares no site especializado ogol.com.br (https://www.ogol.com.br/equipe/brasil?edicao_id=5178) e, para minha surpresa, descobri que o site coloca Didi não como atleta do Botafogo, mas sim como jogador do Real Madrid. O torneio foi de 10 de março a 4 de abril. Vale destrinchar.
Cinco dias (!) após a final da Copa América, Didi entrou em campo pelo Botafogo, fora de casa, para enfrentar o Santos, pelo Rio-São Paulo, no dia 9 de março; e, na semana anterior à viagem para Buenos Aires pela Seleção, Didi jogara o amistoso contra o Santa Cruz, em Recife, no dia 24 de fevereiro. Ou seja, não dá margem à dúvida ou confusão. Como o site, tão acessado, comeu essa mosca? Didi era inequivocamente jogador do Botafogo, quando da disputa em Buenos Aires.
Veja: depois da Copa América, Didi ainda disputou 19 jogos pelo Botafogo, marcando inúmeros gols, e participando da excursão à Europa, onde foi novamente o principal destaque (lembremos: Didi era então o maior jogador do mundo) - incluindo o célebre jogo contra o Atletico de Madrid. Já falo nele.
É. Numa maratona interminável, os cinco craques do Botafogo voltaram de um mês de disputa da Copa América na Argentina, com o time todo estropiado, para disputar o Rio-São Paulo, ao mesmo tempo que revezava as datas com os amistosos, atrás de cotas nem sempre polpudas, mas irrecusáveis: jogava nos fins de semana e às quartas viajava, como para enfrentar o Goiás (3x0) e Internacional (4x4). Dureza.
Findo o certame, toca pro aeroporto. Quase metade da linha campeã do mundo em 1958 (Didi, Garrincha, Nilton Santos e Zagalo) voltava ao local do crime, desembarcando em solo sueco. Encarou AIK (0x1), Gimönas (3x1), Staevnet (1x2) e, pasme, a própria seleção sueca - derrotada pelo Brasil por 5x2. O Botafogo manteve a diferença: meteu 3x0 na seleção dos caras e 3x1 no Malmö-Norrköpping.
Aí foi um tal de subir e descer de avião, com um estádio entre cada vôo. Na Bélgica o Royal Liége (3x1), em Viena a Seleção da Áustria (2x2), de volta à Bélgica o Anderlecht (5x0), na Alemanha o Fortuna 54 (4x3), o Willem II (4x1) e o Saarbrücken (4x0) e aí na Itália o Milan (2x2).
Em seguida o Glorioso foi à Espanha enfrentar o Atletico de Madrid (com Vavá e reforçado por... Puskás!). Era um 24 de junho de 1959, uma simetria inacreditável com o confronto entre Botafogo e Atletico pelo Mundial de Clubes, no próximo dia 23 de junho. Exatos 66 anos antes, Didi e Zagalo abriram 2x0. Vavá e Hollaus empataram. Quarentinha mete dois: 4x2. Começa o segundo tempo e Puskás diminui: 4x3. Zagalo faz o 5x3, Puskás faz o Madrid encostar de novo, mas Didi dá números definitivos ao placar: Botafogo 6x4 Atlético de Madrid.
De Madri, o Botafogo voa para a Holanda, aterrissa em Roterdam, enfrenta o Feyenoord (1x3) em 26 de junho (dois dias depois do jogo contra o Atletico na Espanha), voa para Lisboa, pega um trem para Sevilla (Espanha) e, em 29 de junho, vence o Sevilla (2x1). Três jogos, dois vôos e um trem em 5 dias.
Depois, naturalmente, um mês de férias, não é? Nananinanão. Em julho começa o Campeonato Carioca de 1959, enfileirando um jogo atrás do outro. 5x1 Madureira, 2x0 Portuguesa, 0x0 Bangu, 6x0 Bonsucesso, amistoso 6x0 Sport, 4x0 Madureira , 3x1 América, 5x1 Olaria, 1x0 Vasco, 2x0 Canto do Rio, 1x2 Fluminense, 2x1 São Cristóvão, 2x1 Flamengo, 6x1 Portuguesa, 4x0 Olaria...
No segundo turno, o Botafogo cede o empate ao Fluminense (3x3) e fica com o vice-campeonato. Por conta de um regulamento esdrúxulo, coube ao Botafogo fazer dois jogos extras contra o Bangu, para definir quem ficaria com a vaga adicional para o Rio-São Paulo, se Bangu ou América.
Os dois jogos extras viraram três datas, por conta de um dilúvio que interrompeu o primeiro jogo. O Botafogo venceu o Bangu por 4x1 e 2x0, nos dias 23, 26 e 29 de dezembro. Supõem-se que no dia 24 celebraram o Natal. Extenuado, o Botafogo eliminou o Bangu e classificou o Mequinha.
Ressaltando que, numa época sem substituições, os reservas mantinham a forma disputando o campeonato de aspirantes, geralmente na preliminar dos jogos. O Botafogo, já campeão carioca de aspirantes em 1958, conquistou o bicampeonato em 1959, vencendo o Vasco por 2x1, em 2 de janeiro de 1960 - gols de Amoroso e Amarildo, que viria a ser O Possesso.
Dia 3 de janeiro o Botafogo embarcou em excursão, que duraria até 13 de março - pois em 16 de março começava o Rio-São Paulo. Depois de um amistoso com a LDU em Quito (perdeu, 1x2), foi para a Colômbia, disputar o Quadrangular Internacional de Bogotá. O clube bateu o Millionarios (1x0), o Santa Fe (5x4) e o Austria Wien (2x0). Mais um caneco na bagagem.
Dali o Botafogo seguiu, de aeroporto em estádio, de estádio em aeroporto: 2x0 Deportivo Cali, 2x2 Seleção da Costa Rica, 2x0 Comunicaciones, daí o time foi para o México fazer 3x2 Necaxa, 0x1 Leon, 3x1 e 2x1 na seleção mexicana, daí para o Peru meter 3x0 no Alianza e 3x0 no Universitario.
Voltou para o Rio-São Paulo, mas já com uma nova excursão acertada para a Europa. O embarque seria em 23 de abril e a volta em 3 de julho. A CBD estrilou. A Seleção também queria fazer uma tal "Excursão de Ouro", de 29 de abril a 15 de maio, e não abria mão dos jogadores do Botafogo. Nilton Santos, Quarentinha, Garrincha e Zagalo foram convocados e o clube ficou no prejuízo.
Que se revelaria maior: embora Quarentinha e Garrincha tivessem sido os destaques da excursão (Pelé não foi, pois o Santos se recusou a ceder seus jogadores), Garrincha foi "devolvido" em péssimas condições, tendo atuado no sacrifício; e Quarentinha voltou lesionado e extraiu o menisco.
A inviabilizada excursão à Europa foi trocada por um périplo sul-americano, com o time esbagaçado. Tanto que perdeu de 2x0 para o Alianza no primeiro jogo e empatou em 1x1 com o Sporting Cristal no segundo. No terceiro, contra o Universitario, o Botafogo foi à forra dos dois primeiros, vencendo por 6x2. Mas o jogo terminou em pancadaria, com todos os jogadores expulsos, à exceção de Zagalo.
Dali, a excursão deu chabu. O empresário se recusou a pagar a cota integral - pela ausência de Quarentinha, operado -, quis descontar demais na cota e o Botafogo voltou para o Brasil, abrindo mão dos caraminguás que receberia.
Didi, vendido em 1959 para o Real Madrid, seria recomprado pelo mesmo Botafogo um ano depois. A proposta do clube - 27 mil dólares! - superou a concorrência com o Barcelona e o Boca Juniors. O melhor jogador da última Copa do Mundo estava de volta ao país e a General Severiano - pena que já em meio a disputa do Campeonato Carioca.
Embora permanecesse até a penúltima rodada entre os três com possibilidades de título - ao lado de Fluminense e América - e praticasse aquele que unanimemente era considerado o futebol mais bem jogado, o gol de empate que levou do América (3x3) alijou o alvinegro da disputa. O América venceu o Fluminense na rodada final e ficou com o título de 1960. Seu último, aliás.
O ano de 1961 estava prestes a começar, naquela que seria a década mais gloriosa da história do Botafogo. Mas os memoráveis anos 60 nada seriam sem os fantásticos anos 50. E cada um dos jogos disputados pelo Glorioso na década de 50 está transcrito, decupado e analisado por Vilarinho.
Foram ao todo 615 jogos, com 355 vitórias, 129 empates e 131 derrotas; 1.464 gols marcados e 823 gols sofridos. Os principais artilheiros foram Quarentinha (205 gols), Garrincha (180 gols), Dino (140 gols), Paulinho Valentim (136 gols) e Didi (89 gols). Nilton Santos jogou 452 partidas, Garrincha jogou 431 jogos, Quarentinha 295 jogos, Pampolini 269 jogos e Juvenal 227 jogos.
Números fizeram do Botafogo uma máquina de ganhar jogos e troféus - no Brasil e mundo afora.
Os fatos resgatados engrandecem a história do Botafogo e a história do futebol brasileiro. Devemos essa dádiva ao trabalho sério e criterioso do historiador e pesquisador Carlos Ferreira Vilarinho, autor do livro e responsável pela ampla pesquisa em que se baseia sua edição. A dívida que nós, amantes do esporte e torcedores do Botafogo, temos para com ele não pode ser medida.
Suas fontes foram os jornais da época, com seu registro factual. Do Rio, O Globo, Jornal do Brasil, Última Hora, Jornal dos Sports, O Dia, A Noite, Correio da Manhã, Diário Carioca, Diário da Noite, Diário de Notícias, Tribuna de Inprensa, Gazeta de Notícias, A Batalha, O Imparcial, O Jornal e O País.
Fora do Rio, os paulistas Folha de São Paulo, Folha da Manhã e Folha da Noite, os gaúchos Correio do Povo e Diário Popular, além do Diário Oficial do Distrito Federal e do Boletim Informativo do BFR.
Periódicos estrangeiros em que Carlos Ferreira Vilarinho obteve informações preciosas sobre os jogos do Botafogo no exterior foram os espanhóis ABC, El Mundo Deportivo e La Vanguardia, o mexicano El Informador, o costa-riquenho La Nácion, o colombiano El Tiempo e o chileno El Mercurio.
Que trabalho hercúleo. Que contribuição inestimável Carlos Vilarinho nos legou.
Eu aqui me vali deste material precioso garimpado por ele e, no conforto do meu teclado, direcionei os holofotes para algumas passagens que merecem o pódio eternidade afora. Em nome de toda a torcida e de todos os apaixonados pelo Botafogo, aplaudo de pé sua apuração obstinada e meticulosa.
Para nossa sorte e felicidade, o trabalho de Vilarinho não parou por aqui. Ele publicou, na esteira desse lançamento, as edições cobrindo os períodos de 1961 a 1965 (esgotada) e de 1966 a 1970 (ainda à venda). Podem ter certeza que, em breve, também estarão nas telas desse blog. FOGO!!!
Edição do Autor, 335 páginas | Copyright 2013
Obs.: A foto que ilustra o post foi tirada no dia 27 de junho de 2025, enquanto o estádio Nilton Santos ainda estava vazio, à espera da chegada da torcida alvinegra. Era o jogo final da fase de grupos da Taça Libertadores, contra a Universidad de Chile, a "La U". Só a vitória nos classificaria para o mata-mata, eliminando os chilenos. Tivemos um jogador (mal) expulso aos 22 minutos do primeiro tempo - e de novo ganhamos um jogo decisivo de Libertadores jogando 10 contra 11. Gol de Igor Jesus, que teve uma das performances mais avassaladoras que o estádio já testemunhou. Um Jesus iluminado.
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