"O fim do Terceiro Reich" por Ian Kershaw

terça-feira, abril 18, 2023 Sidney Puterman


"Enquanto a derrota fragorosa se aproximava, no começo de 1945, escutavam-se às vezes os alemães dizendo que, para eles, seria preferível 'um fim com horror a um horror sem fim".

Eu, a título de hipótese, cogitaria que "um fim com horror" talvez fosse uma referência ao Leste e suas hordas de soldados soviéticos, pilhando, estuprando e matando alemães.

Um "horror sem fim" já denominaria melhor os bombardeios diários sobre as cidades do Oeste alemão - em concomitância com a tirania nazista na caçada paranoica ao próprio povo (as Volkssturm enforcavam os que não morriam defendendo o regime).

Seja como for, Kershaw conclui que "um 'fim com horror', certamente, foi o que eles experimentaram, de um modo e em dimensões sem precedentes na história."

O autor, a propósito, abre seu livro sobre o fim do Terceiro Reich deixando claro que seu foco não está nas batalhas, e sim na cadeia de comando nazista durante a fase final da guerra. Como ela conseguiu se sustentar, íntegra, enquanto o país desmoronava - invadido a leste e a oeste, bombardeado no centro e recuando em todas as frentes.

Sabemos que a situação-limite enfrentada pela Alemanha era o ponto em que comumente as nações se rendem. Quando a derrota militar se afigura inevitável, a liderança política negocia com os vencedores um acordo. Com isso, poupa-se o país, sua infraestrutura e sua população de perdas crescentes. Diante do irreversível, evita-se mais sangue derramado. É o que dita o bom-senso.

Pois este bom-senso nem de longe ocorreu à Hitler, obcecado pela ideia de que o país deveria lutar até o último homem (a rendição da Alemanha em 1918 seria sempre seu maior fantasma). Sua determinação, porém, por mais obstinada que tenha sido, não é suficiente para explicar como toda uma nação o seguiu até o fim previsível e catastrófico. É esta explicação que Kershaw busca.

"Minha intenção inicial era abordar o problema examinando as estruturas de comando na Alemanha nazista durante esta fase final", esclarece, mas ressalva que "logo ficou claro para mim que uma simples análise estrutural não seria suficiente, e que minha prospecção deveria estender-se às mentalidades - em diferentes níveis - que sustentaram o funcionamento ininterrupto do regime".

Para que tenhamos uma noção mais clara do approach do historiador, uma passagem nas páginas iniciais do livro é ilustrativa. Fala do rapazola Robert Limpert, de Ansbach, uma pequena cidade alemã, na linha de avanço do exército aliado. Como dias antes uma outra pequena cidade próxima, Würzburg, havia sido destruída, com todo o seu patrimônio histórico bombardeado, Limpert - heroicamente idealista - queria salvar sua cidadezinha.

Já que os comandantes nazistas da cidade se recusavam à rendição, ocorreu ao garoto alemão, naquele 18 de abril de 1945, a singela ideia de cortar os fios telegráficos da prefeitura, achando que com isso impediria o gestor local de receber ordens. Mas dois gurizotes pertencentes à Juventude Hitlerista viram o "atentado" e denunciaram o rapaz, que foi preso e levado ao comandante.

O menino foi conduzido à praça local e espancado pela guarda, para que a população reunida pudesse assistir como os traidores da pátria eram exemplados. Enforcaram Robert Limpert, de 19 anos. Meras quatro horas depois, o exército americano invadiu a cidade, sem dar um único tiro, e cortou a corda onde pendia o corpo do adolescente. O comandante militar fugiu de bicicleta.

O trágico e o gratuito deste assassinato oficial expõem como até nos estertores da guerra os militares, as autoridades e a população aceitavam bovinamente a submissão ao conceito de guerra total e a subordinação incondicional ao partido nazista. 

Cronologicamente, o ponto de partida de Kershaw é o atentado mal-sucedido contra Hitler, praticado pelo tenente-coronel Claus von Stauffenberg, em 20 de julho de 1944. A partir daí, o quadriunvirato formado por Martin Bormann, Heirich Himmler, Joseph Goebbels e Albert Speer - menos o último e mais os três primeiros - assume as rédeas do governo nazista.

O conceito de guerra total, acima mencionado, que já vinha sendo defendido por Goebbels, foi enfim autorizado por Hitler, que justificou: "O povo quer uma guerra total, e, a longo prazo, não podemos ir contra a vontade do povo".

Na prática, a "guerra total" significou a radicalização do governo e o recrutamento de mais um milhão e meio de soldados alemães para o front, com o desvio de operários, funcionários civis, idosos, mulheres e crianças. Bucha de canhão. Prolongou a guerra sem alterar seu resultado.

Na esteira do atentado, a Wehrmacht - origem dos autores - foi expurgada e ultra-nazificada. O general Alfred Jodl, também ferido pela bomba, disse que "o dia 20 de julho foi a data mais negra na história da Alemanha", endossando seu apoio a Hitler: "Mesmo que a sorte esteja contra nós, devemos nos manter unidos ao Führer até o fim, para que possamos nos justificar perante a posteridade".

A propósito, ele teve a oportunidade de se "justificar" no julgamento de Nuremberg, após a guerra. Em vão. Condenado à morte por crime contra a humanidade, entre outros crimes, pediu para ser fuzilado - o consolo de uma morte "digna". Não teve. Foi enforcado como os demais.

Os pronunciamentos de Hitler, Göring e Dönitz na noite do atentado foram lidos para a tropa. Dizia que "todo soldado precisava estar ciente de que qualquer sinal de insubordinação seria punido com a morte", afirmando que "a Alemanha nacional-socialista saberia como impedir uma repetição da 'punhalada nas costas' de 1918 ou qualquer ato semelhante à 'vergonhosa traição na Itália' (a queda de Mussolini em julho de 1943)".

Não faltou no discurso, naturalmente, a manifestação de fé: "Apenas um homem seria capaz de salvar a Alemanha do bolchevismo e da destruição, 'nosso Führer, Adolf Hitler".

Após o atentado, o salvador ficara mais paranoico do que já era. Desconfiava de traição de todos os lados. Atribuía o seu crescente fracasso militar à fraqueza dos que o rodeavam. Não transigiria. "Qualquer um que vier me falar de paz sem vitória perderá a cabeça, seja quem for e esteja na posição que estiver".

Curioso é que, na cadeia, em Londres, o tenente Freiherr von Richthofen teve um conversa interceptada em que se declarava satisfeito com o fracasso do atentado. Segundo ele, se tivesse sido bem-sucedido, a Alemanha teria uma nova lenda da "punhalada nas costas". Para ele, era necessário que a nação "descesse até o amargo fim".

O amargo fim poderia ter como data simbólica de "inauguração" o dia 11 de setembro de 1944, quando os americanos tomaram a primeira cidade alemã, a histórica Aachen. Sintomático é que, ainda que fosse o início do fim para os alemães, sua máquina de execução se mantinha em funcionamento e ainda assassinaria centenas de milhares de judeus.

A queda de Aachen, em meio à fuga desordenada e ordens desencontradas, motivou uma série de declarações que dão, melhor que tudo, o tom de barata voa da liderança e da soldadesca. O partido havia deixado a cidade, em fuga, e reinava o caos. Muitos moradores se recusavam a partir.

"Retratos do Führer foram arrancados e lençóis brancos pendurados nas janelas em sinal de rendição", conta Kershaw, que complementa que "o partido ficou desmoralizado com a fuga de seus funcionários". Diz ainda que as ferrovias deixaram de operar por falta de ferroviários e a administração civil havia destruído instalações essenciais antes de correrem. Prisioneiros russos tinham sido libertados e vagavam nas cercanias. 

"A guerra está perdida!", registra o diário do tenente Julius Dufner. "Queremos construir uma nova Europa", filosofou. "Nós, os jovens, enfrentando os velhos! mas como estamos? Famintos, exaustos, nossas energias sendo sugadas por loucos. Pobres e cansados, esgotados e com os nervos à flor da pele. Não, não, não! Já não adianta mais nada".

O tenente alemão se queixa também das "armas miraculosas": "Tudo havia sido um blefe. É isso que acontece quando o chefe da propaganda (referindo-se a Hitler) torna-se o comandante supremo da Wehrmacht". Continua, exaltado, que "toda aquela conversa sobre a Nova Europa, sobre povos jovens e decrépitos, liderança alemã, zelo revolucionário, era tudo conversa fiada, fraude".

No entanto, "Dufner não teria dito essas coisas em voz alta", opina o historiador.

A situação em Aachen provocou o envolvimento do comando alemão na tentativa de reorganizar as defesas da cidade. Goebbels, em Berlim, disse que "o fato de nossos imbecis da retaguarda fugirem em disparada, morrendo de medo, só pode ser explicado pela falta de disciplina adequada e porque durante o longo período de ocupação da França eles passaram o tempo com champanhe e mulheres francesas em vez de se dedicar a exercícios militares".

O general Reinecke, chefe da liderança nacional-socialista do Exército, escreveu em seu informe que "durante quatro anos, os militares situados atrás das linha de retaguarda ficaram vivendo a leite e mel", concluindo que eram uma "tropa de gentinha fujona".

Para frear o desespero, o Gauleiter da Francônia, Karl Holz, sugeriu o envio de inspetores gerais que fossem "nacionais-socialistas enérgicos e brutais". O marechal de campo Keitel advogou pela "brutalidade extrema", o que incluía a instalação de cortes sumárias com execuções imediatas à vista das tropas. Mais de cem soldados foram fuzilados nas semanas seguintes.

O marechal-de-campo Von Rundstedt deu ordens para uma resistência "até a última bala e a completa destruição". Hitler afirmava que era necessário "fanatizar" o esforço de guerra: "Cada bunker, cada quarteirão de residências de toda cidade alemã, de todo vilarejo alemão, deve tornar-se uma fortificação diante da qual o inimigo sangrará até a morte ou seus ocupantes serão sepultados depois de um combate homem a homem".

Falar nem sempre era igual a fazer. O coronel Gerhard Wilck, comandante das forças em Aachen, diversas vezes reiterou sua intenção de combater até a última granada. Só que não. Após a capitulação da cidade, em 21 de outubro, se transformou em um comportado prisioneiro dos ingleses.

Uma conversa sua na prisão, criticando a mentalidade de "última trincheira" do Alto-Comando, foi grampeada: "O sacrifício de 3 mil homens apenas para manter a posse de um monte de cascalho por mais dois ou três dias era um desperdício inútil".

O país já vinha se preparando para esta nova guerra, a ser travada em solo alemão. A partir de 10 de setembro, sob a supervisão do cada vez mais poderoso Martin Bormann, a "população da fronteira" começaria a cavar trincheiras ao longo da Westwall - uma série de 14 mil bunkers, que se estendiam por 630 quilômetros.

A força de trabalho era composta por 211 mil trabalhadores - mulheres, jovens e idosos - , ao lado de 137 unidades da Frente de Trabalho do Reich e da Juventude Hitlerista. Como disse o National Zeitung, era uma tropa armada com pás e picaretas, dedicada à tarefa de "assegurar a liberdade de nossa pátria".

Enquanto isso, a população da outra fronteira, ao leste, estava apavorada com o avanço do Exército Vermelho. Sabiam das atrocidades cometidas pelos alemães em território soviético e os mais velhos lembravam bem das hordas invasoras russas na Primeira Guerra Mundial.

O temor não fora em vão. Se a propaganda nazista visava à resistência fanática ao invasor, era contraposta pela propaganda soviética, que inflava seus soldados a serem bestiais.

"Vinguem-se sem piedade desses fascistas, assassinos de crianças e carrascos; façam com que eles paguem na mesma moeda pelo sangue e pelas lágrimas das mães e das crianças soviéticas", dizia uma proclamação típica em outubro de 1944. "Matem. Não há nada de que os alemães não sejam culpados", exortava uma outra. 

A conclamação à selvageria fez efeito. De acordo com um relato feito nove anos depois, por um integrante da Volkssturm, após o ataque russo ele encontrou "várias mulheres nuas presas pelas mãos às portas de um celeiro, em posição de crucifixo; uma mulher idosa cuja cabeça fora cortada em duas partes por um machado ou uma pá; e 72 mulheres e crianças selvagemente assassinadas pelo Exército Vermelho". Todas as mulheres foram estupradas.

"A Alemanha encolhia", assinala Kershaw, "com as regiões a leste tomada pelo inimigo, as fronteiras a oeste correndo perigo e a população sujeita a ameaças de invasão, além dos constantes bombardeios. Os moradores das cidades passavam por severas privações, já que o fornecimento de gás e eletricidade estava sujeito a cortes, só se encontrava água nos hidrantes das ruas e a comida ficava cada vez mais racionada".

O cidadão comum, a esta altura, já tinha uma visão bastante crítica dos nazistas, que oprimiam o povo alemão cada vez mais, com vigilância e ameaças. Um cabo em Courland disse que os funcionários do partido "seriam capazes de sacrificar tudo sem piedade para não servir no front".

Quanto ao front, em si, se retraía cada vez mais em direção ao interior do país. Com a Wehrmacht em fuga, a própria população, que também fugia dos soviéticos, se tornava um estorvo para os militares. O coronel-general Georg-Hans Reinhardt, comandante em chefe do Grupo de Exércitos Centro, foi explícito, diante das filas de refugiados nas estradas cobertas de gelo que eram um empecilho à retirada para o oeste:

"Refugiados que atrapalhem os movimentos das tropas nas estradas principais", ordenou ele em 22 de janeiro de 1945, "devem ser retirados dessas estradas (...). É doloroso, sem dúvida, mas a situação exige".

População em fuga, exércitos em retirada, contingentes cercados, Alemanha invadida. Este era o contexto nas primeiras semanas de 1945. A premissa do início do livro, e com a qual também abri este comentário, permanecia: qual a expectativa do comando nazista com o prosseguimento da guerra?

"Agora, a situação consiste em resistir no oeste e, no leste, recorrer a um combate de partisans", declarou um coronel. Como o autor assinala, a única esperança numa luta até a morte "ainda não definia qual seria o grande objetivo final, e de todo modo era um objetivo rapidamente superado pelos fatos".

Estrelas poderosas do regime nazista, os Gauleiter - uma espécie de governadores - conduziam com mão de ferro suas respectivas jurisdições. Boa parte deles homens da confiança pessoal de Hitler, eram os responsáveis por manter a ordem e a moral em meio à população e reprimir qualquer manifestação de derrotismo. 

Os Gauleiter tinham um argumento forte em mãos. A condenação sumária à morte. Ela foi aplicada centenas de vezes, à menor demonstração contrária à liderança nazista. Estes capos locais do nazismo não permitiam a evacuação do povo, apavorado com o Exército Vermelho às portas da cidade. Resistência fanática era a palavra de ordem.

Dois dos gauleiter da mais estrita confiança de HiItler eram Erich Koch, gauleiter da Prússia Oriental, e Karl Hanke, gauleiter da Baixa Silésia - este último condecorado, por sua resistência ao invasor, com a Cruz de Ouro da Ordem Alemã, a mais elevada honraria do partido e da nação. Hanke recebeu uma carta do próprio Speer, louvando-o pela defesa da cidade de Breslau, por meio da qual ele foi capaz de "dar muito para a Alemanha de hoje".

"Seu exemplo", escreveu Albert Speer, ministro dos Armamentos e da Produção de Guerra do Reich, "que ainda será reconhecido em toda a sua grandeza, futuramente terá um valor inestimável para o povo, alcançado por poucos heróis na história da Alemanha".

Ao contrário do que esperavam HItler e Speer, entretanto, o "herói" que condenou Breslau a uma destruição quase completa não pretendia desaparecer com ela. Horas antes da capitulação da cidade, "Hanke fugiu num Fieseler Storch", que, como assinala Kershaw, "foi provavelmente a única aeronave a alçar voo na improvisada pista de decolagem da cidade".

O gauleiter Erich Koch, a propósito, empreendeu uma fuga ainda mais espetaculosa. Se em abril ele ainda fazia disseminar entre a população os seus slogans de resistência - "A vitória é nossa - Königsberg será o túmulo dos bolcheviques" -, ele sorrateiramente se enfiou dentro de um avião com toda a sua família, baldeação para deixar o país a bordo do navio quebra-gelo Ostpreussen (no qual fez embarcar sua Mercedes), em direção à Dinamarca.

Acredito já termos visto o suficiente do que o livro nos traz, para termos a certeza de que é o livro a ser lido, para os interessados na dissolução final do Terceiro Reich. Para não deixar a narrativa pela metade, entretanto, podemos sintetizar o que se passou a partir daí em poucos parágrafos.

O processo de rendição alemã foi extremamente tumultuado - uma palavra mais elegante para denominar o bumba-meu-boi que Kershaw meticulosamente detalhou. Para que o leitor menos familiarizado com os fatos do fim da guerra possa ter uma noção, vou resumi-los, de afogadilho. De maneira um tanto tosca, mas funcional. Recapitulemos, antes de avançar.

A Alemanha estava imprensada entre duas forças, que a espremiam cada vez mais. A oeste, americanos e britânicos (com uma pitada de franceses, vá lá); a leste, os soviéticos. Os primeiros não sofreram os horrores da ocupação nazista, e não tinham o que vingar. Por isso, os alemães achavam legal a ideia de se renderem aos anglo-saxões.

O problema é que os russos eram animais com sede de vingança. Como já vimos mais acima, vinham para sangrar, dizimar, estraçalhar. Se render a eles seria o mesmo que se oferecer a um leão ferido e faminto. 

A questão é que americanos e ingleses não aceitavam a ideia de uma rendição parcial. Os termos eram rendição incondicional, em todas as frentes, ou nada - ou melhor, mais guerra. Que, a esta altura, significava apenas invasão, morte e destruição. 

A ideia de uma rendição no front ocidental, vale dizer, não era em hipótese alguma admitida por Hitler, que permaneceu até o último instante como o líder inconteste dos alemães e da Wehrmacht. Mas, à medida que Berlim era encurralada e que o próprio Hitler já não dava um passo fora do buraco em que se enterrara - o famoso bunker de Hitler, sob a Chancelaria do Reich -, os personagens mais graúdos da cúpula do regime ensaiavam um vôo solo.

Göring foi o primeiro deles e foi logo preso, a mando de Hitler. Himmler chegou a tentar negociar uma inimaginável barganha envolvendo judeus ainda vivos em troca de reconhecimento internacional em uma Alemanha pós-Hitler. O führer soube e mandou destituí-lo. Diversos marechais e generais que cogitaram depor as armas, retiradas ou planos defensivos eram defenestrados. 

Alguns eram defenestrados da própria existência terrestre, fuzilados ou enforcados a mando de Hitler.

O cerco foi se fechando, com os soviéticos já duelando nas esquinas de Berlim, quando Adolf Hitler deu o seu primeiro e último tiro na guerra, acertando deliberadamente a própria cabeça. Era 30 de abril de 1945. Seu gesto foi um decreto de alforria para os oficiais alemães. Em uma semana os termos da rendição incondicional estavam costurados.

A Alemanha perdia novamente. No rastro de mais uma derrota monumental, deixou um saldo de sessenta milhões de pessoas a menos na humanidade, sendo quarenta milhões no continente europeu - muitas delas exterminadas da maneira mais vil e cruel que se possa imaginar.

A derrocada total não deixou de ter seus lances de pantomima. Na assinatura da rendição, os comandantes alemães brindaram com os comandantes aliados. Durante quinze dias houve uma "continuidade" do governo alemão, com Dönitz, nomeado por Hitler, prosaicamente se reunindo com seu gabinete numa modesta sala de escola, todo dia, às dez da manhã.

O grande-almirante Dönitz percorria os 500 metros do seu apartamento até a escola dentro da limusine Mercedes que pertencera a Hitler. Cada um levava sua própria xícara. Alfred Jodl, chefe do Estado-Maior, foi condecorado com Folhas de Carvalho três dias após a rendição alemã. O resíduo da cúpula alemã que não fugiu, nem se matou, cria que "governava" o país.

No dia 23 de maio, quinze dias após a rendição, Dönitz e Jodl foram chamados ao quartel-general aliado. Foram nas suas limusines e trajando seus uniformes completos, com Dönitz empunhando o seu bastão dourado de comando. Foram informados de que o governo alemão fora dissolvido e receberam voz de prisão. As limusines voltaram vazias.

Ian Kershaw elaborou o seu livro para nos explicar como toda uma rede de comando, com milhares de líderes, caminhou de braços dados até a morte e dissolução do país. Como o fascínio hipnótico exercido por Hitler se impôs até o último exalar da nação - que perdeu mais de seis milhões de cidadãos, seu território, suas riquezas, sua soberania e sua independência.

Tudo isso guiado pela visão distorcida de um psicopata carismático. O guerreiro charlatão.

Na sua mediocridade de reles mensageiro e na sua visão estreita de debatedor de botequim, o cabo austríaco jamais digeriu que o governo alemão tivesse negociado em 1918 os termos de uma rendição, aceita, em Versalhes, no intuito de evitar uma invasão inimiga e a catástrofe para o país. O paranoico Adolf achava que, se a Primeira Guerra Mundial tivesse continuado, os alemães teriam vencido.

Hitler então criou a própria guerra para provar que estava errado. E a Alemanha foi destruída.

A pseudo-religião inventada pelos nazistas manteve sua pantomima até os estertores da guerra. Himmler, pouco antes de fugir e se suicidar, comunicou a seus principais assessores que todos os anos, em maio, ele decidiria com qual livro presentearia os mais altos líderes da SS. Era a Julfest, a versão, no ritual pagão da SS, da festa natalina. Himmler comunicou que seus auxiliares tinham até 30 de abril de 1945 para informar os livros que queriam ganhar.

Se me permitem, eu tenho uma sugestão. Este livro aqui mesmo. "O fim do Terceiro Reich".

Cia das Letras, 596 páginas  |  1a edição, 2015  |  Tradução Jairo Arco e Flexa  |  Copyright 2011

Título original: "The End: The Defiance and Destruction of Hitler's Germany, 1944-1945"

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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