"Uma longa jornada para casa", por Saroo Brierley

quinta-feira, junho 28, 2018 Sidney Puterman

Foi dica da Cora. A estória real de um menininho indiano que se perde nas ruas de Calcutá, vai para um orfanato, acaba adotado por amorosos pais australianos e depois, já adulto na Tasmânia, obstinado pelo próprio passado, passa dois anos fuçando o Google Earth e reencontra a família humilde no interior da Índia. Pronto. É isso. A estória não tem meios-tons e o texto é simples, sem floreios. Desperdiça, por falta de vocação, a tese sociológica que teria estofo e legitimidade para desenrolar (desperdício que talvez seja parte do seu sucesso). Fato é que os capítulos trazem conteúdo ralo além da aflição infantil e conta menos da curiosa região do que ansiamos. Do pouco que revela, me surpreendeu saber que a Índia não tem ensino público gratuito; de resto, denuncia a sujeira, religião e miséria, temas recorrentes quando se fala do país. Mas o que atrai é que a odisseia da criança perdida é verdadeira, do gênero conto-de-fadas, aquele tipo de circunstância tão impossível de dar certo como jogar de olhos fechados uma bola de basquete da janela de um avião e ela cair dentro da cesta. De chuá. Saroo comove pelo pensamento obcecado na mãe e nos irmãos que ficaram para trás. Saroo comove porque uma criança de 5 anos perdida numa cidade de 20 milhões de habitantes, a 1.600 quilômetros do cortiço miserável em que vivia, não tinha a menor chance de sobreviver. Saroo, que na verdade se chamava Sheru, mas não sabia escrever o próprio nome, se dá ao luxo de assinar um livro comovente que não se aprofunda em nada e que se restringe à magia da própria estória. O superficialismo, porém, não tira o encanto nem o prazer na leitura de um final feliz tão improvável. Sua trajetória reúne todos os clichês que possamos imaginar e por isso mesmo é difícil largar o livro: penúria, mundo cão, forte explorando o fraco, mensageira divina, coração de ouro e bilhete premiado. Lógico que isso dava um filme. Deu, né? Virou o candidato ao Oscar "Lion". Quando passou na Sky, gravei; e dei play quando virei a última página. O filme - surpresa - escancara alguns conflitos familiares inexistentes no livro (geralmente é o contrário, o que mostra quão rasa, cautelosa e inodora foi a descrição do autor quanto à sua vida pessoal, embora o livro traga a substância e a consistência que o filme não traz). O reencontro do filho com a mãe é frugal no livro e uma apoteose no filme, transformando uma chegada anônima em uma passeata. Só faltou o carro de bombeiros. Desnecessário e descabido. Mas, paciência, filmes têm a missão a contar uma estória em 50 cenas e de forma fácil e piegas. São assim na maioria das vezes. Por isso, privilegio os livros. As fotos em papel couchê no fim da edição dão um sabor adicional a quem mergulhou na obra. As imagens reais do encontro entre Sheru e suas duas mães, nos créditos do filme, são uma jóia para quem leu o livro. Neste caso - real e contemporâneo -, livro e filme se completam. Desfrute dos dois e se divirta. Vai ser com emoção.

Record, 230 páginas

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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