"Era uma vez o Morro do Castelo", por José Nonato e Núbia Melhem

quinta-feira, fevereiro 12, 2015 Sidney Puterman

Não é normal tirarem um pedaço de uma cidade. Muito menos um morro gigantesco. Menos ainda um morro gigantesco que era justamente o local onde essa cidade foi fundada. Essa é, porém, a história do Rio de Janeiro e do Morro do Castelo. A história de um morro que, por sua altura e localização estratégica defronte à baía, foi escolhido como o ponto ideal para defender a vila que recém se formava (e curiosamente cujo futuro seria assombrado pelas dezenas de morros que desde sempre a circundam). Essa história estaria semi-perdida não fosse a abnegação de alguns pesquisadores: a obra organizada por eles e editada pelo Iphan é um presente para a memória do Rio. São dezenas de fotos do morro e do seu tão anunciado desmonte. Triste é que o imponente Morro do Castelo, que se prestou inicialmente ao forte erguido para defender o município, logo se tornou obsoleto. Embora povoado pelas igrejas, institutos, seminários e centenas de residências, ele era demasiado íngreme e restrito para uma cidade que cedo revelou sua vocação de metrópole. Descartado como ponto central, se tornou vilão do clima, dos ares, da salubridade e da provinciana urbanização do Rio. Por séculos, políticos advogaram contra ele, e seu desmonte seria o elixir que tudo resolveria - não resolveu. O grande gigante foi reduzido a escombros e seus restos mortais tiveram por destino aterrar boa parte da baía. Dele sobrou um cotôco, meros trinta metros de uma ladeira (que não leva a lugar nenhum, cai em precipício) que cheira a bosta, a lixo e a cola. Reduziram a uma caricatura o histórico Morro do Castelo. Seu espírito, todavia, não se perdeu - até agora, cem anos depois de retirado o seu último grão de terra, os cariocas se encontram no Castelo, seus ônibus partem do Castelo, pegam o metrô na estação Castelo. As ruas traçadas no seu vazio até hoje rescendem a prótese. A obra de Nonato e Melhem empresta às gerações seguintes um pouco daquilo que o Rio não é mais.


Iphan, 368 páginas

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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