"Cadernos de viagem: Rio de Janeiro", por Jano

sexta-feira, janeiro 23, 2015 Sidney Puterman

Há quem escreva um tratado de sociologia sem escrever uma linha. É o caso do Jano. O francês conta a poluída exuberância social do Rio em 30 imagens. Nelas, sequestra os mínimos detalhes do ambiente e dos atores locais com um risco minucioso, dando brilho ao que, na origem, era opaco e despercebido. Ácido observador do habitat carioca (com o viés que só forasteiros têm), seu caderno de viagem esquadrinha a cidade à procura da essência do Rio - e acha. A primeira ilustração, a Rua do Catete, retrata o riponga, os desocupados sentados nos respiradouros do metrô, o bêbado, a faixa pendurada na fachada, os caixotes de laranjas, o pachorrento na sacada tomando sua cerva em plena tarde, o contraste dos sobrados rococós com as linhas insípidas da lateral do espigão. Já no desenho escolhido para ilustrar o post, Jano compõe seu mosaico com as diferentes simetrias dos paralelepípedos, do cobogó verde-água, do composê de cerâmica multicolorida em formato de pedras irregulares, das listras pretas e amarelas das bandeiras de alerta na traseira do caminhão-pipa, das tábuas aparentes no trapiche no alto da cena. Nada é sem propósito: enquanto seus personagens com corpo de gente e cara de bicho trazem non-sense e movimento à peça, a luz embaçada nas encostas do morro (o Vidigal, do qual vemos a base da grande pedra que forma o Dois Irmãos) dão a distância e o volume do enquadramento. Jano, fazendo as vezes de um pós-Debret, é mais um francófono de talento que vem à Terra Brasilis registrar o o desorganizado, sensual e preguiçoso cotidiano carioca. E o trabalho que ele nos lega é brilhante. Mais: é excepcional. Para quem gosta do Rio subcutâneo - a paisagem sob a derme -, o caderno de Jano é um achado.

Gráfica Casa 21, 72 páginas

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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