"A invenção de Paris", por Eric Hazan

terça-feira, abril 04, 2023 Sidney Puterman


Antes de mais nada, que fique claro: é um livro para parisienses. Aviso logo.

Não pense você, ingenuamente, que irá se divertir às pampas com um guia histórico-turístico ilustrado. Nã-nã-ni-nã-não. É um tijolaço em papel couchê, com muitas fotos e ilustrações (mas em quantidade muito inferior àquela que o leitor curioso, esse pobre desavisado, se animaria a supor) e com uma maçaroca de informações da Paris primitiva: suas ruas, bairros e muralhas.

Bom demais. Para quem conhece Paris a fundo e pode se deleitar com a autópsia narrativa das ruas que existiam (ou não) nos lugares em que hoje existem outras ruas, ou não (no estilo do impagável "História das ruas do Rio", do catarinense Brasil Gerson, Görensen).

Um inventário precioso. Quem não gostaria de se aprofundar na formação dos primeiros arrondissements, no surgimento dos faubourgs, na revolução haussmaniana? Ok, talvez nem todo mundo seja candidato à nobre experiência. A erudição excessiva e o liliputiano labirinto de citações de Hazan deixa o leitor - esse leigo - mais perdido do que cachorro caído de caminhão de mudança.

E a própria concepção da obra deixa a desejar. A Paris revolucionária ocupa espaço demasiado em um livro de fotos e reminiscências. Nem se coloca entre as edições de profundidade histórica, nem perfuma aquela folheada aleatória, como quem flana pelo tempo através de imagens antigas.

Minha expectativa pelo conteúdo dismilinguiu.

Confesso que caminhei duas semanas por Paris, de fora a fora, depois de ter lido o texto calórico e apaixonado de Hazan, e tirei pouco proveito da leitura. Andei por muitos dos endereços comentados, mas ou não atinei ou não vi neles resquício das memórias dissecadas pelo livro.

Talvez eu não estivesse pronto para o texto, ou o texto não fosse feito para mim. Seja como for, nós dois não nos demos lá muito bem.

Segue um trecho do livro, para você mesmo avaliar se minha mão pesou demais.

"Como toda ruptura, este desenlace provoca a nostalgia. Se é verdade, como disse Michelet, que cada época sonha com a seguinte, é ainda mais evidente que cada época vive na nostalgia da precedente, principalmente num período em que este sentimento, promovido como um detergente, se integra perfeitamente num andaime ideológico, aquele da estratégia dos fins - da história, do livro, da arte, das utopias. A Paris das turbulências faz parte da lista desses fins programados, o que não impede de se tomar as medidas necessárias para conjurar os espectros que, receiam eles com certa razão, possam voltar a assombrar as ruas."

A coisa segue firme e forte neste diapasão. Definitivamente, eu não estava preparado.

Reitero que tem muito mais texto do que foto, e muito menos fotos do que eu gostaria - mas ainda assim, a edição traz belas imagens. Gostaria de destacar algumas delas para a ilustração do post, mas, por assaz reduzidas, optei por apenas uma, em página dupla, sobreposta à capa da edição.

É uma foto belíssima de um momento de triste memória, a Paris ocupada pelos nazistas. Um souvenir da França de Vichy e de Pétain. Não obstante, é uma das preciosidades da edição. Uma foto rara. Conta só um tantinho de Paris. Mas conta muito do século.

Verdade que nenhum parisiense escolheria esta foto. Mas acontece que eu sou carioca.

Estação Liberdade, 447 páginas | 1a edição, 2017 | Tradução Mauro Pinheiro | Copyright 2002

Título original: "L'invention de Paris"

P.S.: Consultando os créditos da edição, vi que o copyright da primeira edição, a original, data dez anos antes da primeira edição ilustrada, de 2012. Isso explica o descompasso entre textos e imagens. Era um livro de palavras, que somente depois foi aquinhoado com as fotos. Entendido.


Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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