"Assim na terra como embaixo da terra", por Ana Paula Maia

quinta-feira, maio 28, 2020 Sidney Puterman

Maia escreve livrinhos de bangue-bangue travestidos de literatura. Seu alter ego é Buffalo Kid, ops, Bronco Gil, um índio cherokee paraguaio que ela importou de alguma imaginária reserva decadente para um sertão impreciso. Sua matéria-prima são os clichês, aos quais recorre às dúzias. Página a página, cada parágrafo é um lugar comum mil vezes repetido de alguma estorinha de caubói. Os personagens foram batizados com nomes esquisitos, têm personalidades semelhantes - são todos velhos homens do Oeste - e interagem comendo alguma gororoba de rancho. Esperam o tempo passar. O tempo é lento e os homens são lacônicos. Quando abrem a boca, é para, via de regra, beber um gole de café e pronunciar um dito másculo qualquer. O discurso exibe uma moral de faroeste, tipo "nós nascemos para morrer" ou "estamos aqui para matar". O desenrolo amontoa imagens que emulam sujeira, isolamento e fatalismo. É como se todo o tempo dissesse que ninguém ali fugirá ao seu destino. Entendi. As pouco mais de uma centena de páginas em letra graúda e espaço dois finalizam com uma orelha assinada por Marcia Tiburi, futura ex-candidata a prefeita do Rio, hoje morando em Paris. Deixo de lado as teses de prazer anal com que depreciam a filósofa Tiburi - em termos de cu, sou da filosofia que cada um faz o que quiser com o seu - e transcrevo trechos da apologia entusiasmada que ela oferece à autora, ombreando-a aos maiores da literatura mundial: "Homens que sobrevivem em tempos impossíveis (...) entregues à precariedade da condição humana depois que se perdeu a política, eles são um milagre da espécie". Determinada em sua missão, ela prossegue no palanque: "O que tantos chamam de desumanização não seria senão o fracasso da política (...)". Tiburi segue na sua toada, a certa altura comparando Ana Paula Maia a Franz Kafka. Essa eu me recuso a comentar. Mais à frente, a ex-candidata se empolga: "Temos nestas páginas uma alegoria perfeita do estado de exceção". A exceção dela seria um guarda penitenciário executando detentos ou isso seria a alegoria? Não entendi. Marcia filosofa: "A abjeta vida concreta submetida às instituições, nos tempos do encarceramento em massa, do cancelamento do valor da dignidade humana, não seria de algum modo nosso espelho?" Hummm... não sei. Passo. O texto de Tiburi não tem spoiler, nem remotamente tem nada a ver com o livro. Talvez ela estivesse já pensando em alguma campanha. Mas advirto que no meu texto sim tem spoiler - mínimo, porque no livro também não tem muita estória, então não há muito o que espoilar. Resumindo, em uma cadeia de alta segurança, a vigilância dos presos é feita pelo diretor e por um capanga. Os presos vivem soltos no perímetro fechado da colônia e têm uma tornozeleira explosiva nos calcanhares. Nesse roteiro de Ana Paula Maia, o tal diretor surtou. Então, no fim de cada dia, ele libera dois presos para tentarem a sorte na fuga, enquanto ele brinca de caçador, pegando o fuzil e soltando o dedo nos pobre-diabos. Como o chefão é bom de mira, ninguém logra fugir e vão assim todos para o "embaixo da terra" do título, até que... Já havia lido outro título de Maia há muitos anos. Era melhor que este, mas era também bem meia-boca. Neste eu vim checar se ela tinha desenvolvido seu talento natural, mas se deu o contrário. O livro é ruim. A orelha consegue ser pior. É uma estorieta forçada, com uma narrativa artificial, que mistura clichês de bangue-bangue e cadeia. Seus personagens são capengas, a ação é passada em lugar nenhum e seu argumento não tem pé nem cabeça. Duro de ler. Não esqueço que meu pai também lia centenas de livrinhos de bangue-bangue, antes de pegar no sono e começar a roncar no sofá. Para minha sorte, não escrevia nada.

Editora Record, 143 páginas

P.S.: O livro ganhou o Prêmio São Paulo de Literatura em 2018 e levou o prêmio de R$ 200.000,00 para casa. O livro é elogiadíssimo em incontáveis sites de resenha (dê uma checada no Google). 

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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