"Black hole", por Charles Burns

domingo, abril 14, 2024 Sidney Puterman


Falei de HQ semana passada. Mais que válido. Quadrinhos são (às vezes) assunto sério. Podem ser literatura, às vezes jornalismo. Ou pura arte. Que viram objetos de culto, como Black hole, uma graphic novel incensada. Seu autor é uma coleção ambulante de prêmios. Por isso, quando vi o exemplar, não refuguei e comprei o tijolo preto. Capa dura, tátil, instigante. 

Alguns quadrinhos merecem uma abordagem pragmática. Mais do que qualquer outra manifestação cultural, o risco do artista, a forma como ele distribui os espaços e como eles interagem entre si importam tanto ou mais do que a estória (que muitas vezes é coadjuvante).

Guri, eu curtia quadrinhos e acompanhei desde os anos 70 a evolução dos traços e da sua arquitetura nas páginas, seus dramáticos closes frame a frame. Comprei na banca o exemplar número 1 do Homem-Aranha e do Demolidor, dois super-heróis atormentados. Fui fã tardio do Spirit de Will Eisner. Experiências que me facilitaram perceber o quanto Burns é bom. 

Em Black Hole a estética gera tensão no contraste entre o preto e branco. O tom sombrio cria um ambiente ameaçador, temperado por um noir diáfano. As referências constantes ao universo cotidiano da sociedade de consumo norte-americana dá ares de pop art à trama macabra.

O argumento, em si, é bem simples. Ingênuo, até. Em uma pequena cidade, jovens estudantes contraem uma doença contagiosa que os transforma em mutantes "leprosos". Assustados, criam uma comunidade nas montanhas e só vão à cidade disfarçados, para comprar alimentos. 

Nestas idas, invariavelmente eles vão contaminando outros jovens, seja pelo simples toque ou por relações sexuais. No início, as mutações são discretas. Vão de escamações a fendas nos pés. Mas depois elas vão se tornando escatológicas. Os mutantes têm uma segunda boca na garganta, às vezes na barriga. Em todos eles nascem um cotoco de rabo.

Esta estética freak é combinada com enredo típico de fotonovelas, muitos flertes, paixões juvenis temperadas a álcool e drogas. O resultado, porém, é denso. Black hole tornou-se cult.

Adianto que a narrativa, repleta de sonhos, pesadelos e flashbacks, é um pouco confusa. Os personagens são muito semelhantes entre si. A gente se distrai e já não sabe quem é quem. A história vai e vem vezes demais, aparentemente sem sair do lugar. Por isso, para os mais exigentes, deixa a desejar. Acredito, porém, que os fãs do gênero não vão se importar.

Para os viciados em HQ cabeça, Black Hole é graphic novel na veia. E isso basta.

Darkside Graphic Novel, 370 páginas | 1a edição 2017 | Copyright 2005 | Tradução Daniel Pellizzari

Obs.: Só depois soube que o livro era a reunião de doze séries de tirinhas, publicadas ao longo de dez anos. Entendi agora a redundância e a desconexão entre as diversas partes do livro. Não era um livro.

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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