"A máfia dos bombardeiros", por Malcolm Gladwell

quarta-feira, outubro 25, 2023 Sidney Puterman


Nas últimas semanas o Oriente Médio vem lidando diariamente com dois tipos de bombardeio. Os foguetes de curso semi-aleatório disparados da Faixa de Gaza contra cidades de Israel e as bombas de precisão lançadas pela defesa israelense sobre alvos do Hamas na Faixa de Gaza.

OK, dei uma simplificada. Tem muito mais coisa sendo disparada além do que esbocei nesse curto parágrafo - ontem mesmo mísseis da Síria e do Líbano voaram em direção a Israel, e foram devidamente retaliados -, mas ele se presta a uma meia dúzia de comentários que quero fazer a respeito de "A máfia dos bombardeiros" e a busca da ação milimétrica de um bombardeio.

Já o texto prima por uma abordagem superficial. O autor é o jornalista norte-americano Malcolm Gladwell, cujo foco seria o inglório esforço do bombardeio de precisão nos idos dos anos 40.

O livro traz informações pertinentes, mas Gladwell faz um caminho enviesado para contar sua história - ainda que a conte bem. A "máfia" que dá título ao livro é mais uma sacação comercial para estruturar o roteiro, um viés romântico atribuído a uma categoria que era especializada em jogar bombas na casa dos outros.

No país alheio, quero dizer.

Que foi exatamente o que esses aviadores fizeram na Segunda Guerra Mundial. Os alemães jogaram na Inglaterra. Os ingleses, poloneses e americanos jogaram na Alemanha. Os americanos jogaram no Japão. A pesquisa deste jornalista do Washington Post e da New Yorker fala principalmente sobre o que os americanos fizeram. E de como as bombas levaram à rendição dos japoneses.

Pelo protagonismo, é também uma biografia de Curtis LeMay, coadjuvada por Haywood Hansell. O primeiro foi um piloto destemido, que na Segunda Guerra Mundial comandou o desastroso bombardeio de Schweinfurt e Regensburg, em uma tática corajosa e suicida que levou à perda de dezenas de aeronaves e centenas de vidas, sem alcançar o resultado pretendido em terra.

O segundo liderou um processo de bombardeio de precisão em uma época em que precisão era um produto indisponível no mercado - e que por isso fracassou.

Acima de tudo, o livro enfileira uma sequência de tentativas e uma sucessão de fracassos, com muita gente morrendo, de uma forma ou de outra. 

Nesta atividade, não esqueçamos, morrer era uma coisa tão banal (tanto para quem era atacado como para quem atacava) que o 367o Esquadrão de Bombas tinha uma placa no dormitório escrita "Lar da 367a Força Aérea dos Pratos de Barro".

Hoje os aviadores não morrem mais. Mísseis são disparados à distância e teleguiados. Aeroplanos conduzidos por controle remoto matam quem está embaixo, sem ter ninguém para morrer em cima. Mas a mais precisa das bombas continua matando a esmo, quando jogada sobre cidades.

Neste caso, o efeito colateral de qualquer bomba é sempre a morte da população civil.

Oitenta anos depois dos bombardeios sobre a Europa e sobre o Japão, as bombas permanecem o produto mais letal do supermercado bélico. A precisão que seus desenvolvedores perseguiam foi substituída pelo conforto de quem as atira. Em alguns casos, dispará-las é como passar o código de barras do destinatário; em outros, é como jogar um piano da janela de um arranha-céu sobre os transeuntes de uma rua movimentada.

Hoje quem comanda o joystick está de boa, ao contrário dos tempos "primitivos" que o livro aborda.

A obra oferece uma leitura rápida, com curiosidades e fatos interessantes, em uma construção oportuna. E, numa época em que, há poucos meses, patriotas fizeram contatos com extraterrestres acoplando celulares na cabeça, onde mais você saberia que nos anos 40 houve uma seita nos arredores de Chicago chamada Seekers, liderada por Dorothy Martin, "uma mulher que alegava manter contato com um grupo de alienígenas que ela chamava de Guardiões"?

Gladwell nos conta que, segundo Dorothy, "esses Guardiões diziam que o mundo seria destruído por um dilúvio no dia 21 de dezembro de 1954". Mas alertava que sua galera seria poupada, pois "alguns dias antes do apocalipse, ela e seus seguidores seriam resgatados por um disco voador, que aterrissaria em seu quintal".

Não rolou. Os ETs não vieram. Nem em 1954, nem em 2023. Nossos contemporâneos continuam se matando. Vamos ter que nos contentar com os humanos mesmo para tomar conta dessa joça.

Editora Sextante, 205 páginas | Primeira edição (2021) | Tradução Carolina Simmer | Copyright 2021

Título original: The Bomber Mafia

Sidney Puterman

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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